• 15 maio 2017

    Um ano de governo golpista

14 de maio de 2017

Temer e seus lacaios do Congresso Nacional armaram uma grande campanha publicitária. Pintam o governo golpista como democrático, preocupado com o desemprego e com o bem do Brasil. Temer comparece como reconstrutor de um País que foi arruinado pelo governo petista. Prega a concórdia entre os brasileiros. E exala otimismo quanto ao fim da recessão, à volta do crescimento e ao equilíbrio das contas públicas. Sobretudo insiste que seu governo não retira nenhum direito dos trabalhadores. Prega que, ao contrário, as reformas da previdência e a trabalhista vêm para evitar um desastre social. Temer mente descaradamente. A imprensa monopolista espalha as mentiras. E o Congresso Nacional reitera as falsificações. É assim que os golpistas comemoraram um ano de governo, no dia 12 de maio.

Não é nada anormal que os governos burgueses se utilizem fartamente de mentiras e falsificações para justificar perante a população sua política reacionária. Mas as portas dos meios de comunicação não estão abertas por igual a todos eles. Os governos do PT sofreram outro tratamento.

A imprensa monopolista, via de regra, serviu de porta-voz da oposição. Ergueu-se como antipetista. Conclui como instrumento das forças golpistas. Não porque o partido de Lula ameaçasse os interesses gerais da burguesia ou que abrisse as comportas da luta de classes. O próprio caudilho não se conformava com tamanha resistência da imprensa e de setores da burguesia que lhe passavam a fazer oposição aberta. É bem conhecida a queixa do ex-presidente de que os banqueiros ganharam muito dinheiro em seu governo.

Um dos pontos da comemoração foi a de que o Brasil se viu livre do “populismo”. Temer explicou que esse conceito é bem diferente de “popular”. Isso para taxar o PT de “populista”. Tivemos de assistir a um dos mais impopulares governos advogar rasteiramente o “popular” contra o “populismo”. O fato é que Temer atacou o “populismo” para defender a política e reformas pró-imperialistas, antinacional e antipopular.

O PT se ergueu como uma sombra do passado nacionalista, embora não pudesse reencarná-la e reproduzi-la. O velho nacionalismo de Vargas e de seus epígonos serviram à burguesia, ao desenvolvimento do capitalismo nas condições de o Brasil ser semicolonial. Uma das condições foi a de estabelecer uma lei trabalhista abrangente, até então inexistente. Aí nasceu a CLT. Evidentemente, diante de um proletariado que se avolumava e que lutava contra a exploração cujo limite era o da capacidade física. O que correspondia ao desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. A industrialização e a luta de classes traziam consigo a necessidade das leis trabalhistas.

O governo burguês de Vargas tirou muito proveito das concessões feitas ao movimento operário, que se reverteram à dominação da burguesia. No entanto, sofreu constantemente a dura resistência da fração vinculada aos interesses do imperialismo. Calcada no franco liberalismo, fez o que pôde para inviabilizar a política do nacionalismo. A mais representativa organização burguesa nesse sentido foi a União Democrática Nacional (UDN), que sempre trilhou o caminho do golpe e que finalmente teve êxito em 1964.

A ampla penetração do capital estrangeiro no País a partir dos anos 50, o domínio monopolista dos ramos fundamentais da produção e a formação do capital financeiro nacional fortaleceram e deram primazia à fração burguesa vinculada ao imperialismo. É essa fração que esteve na base do golpe institucional que depôs Dilma Rousseff e pôs Michel Temer em seu lugar no dia 12 de maio. A imprensa monopolista nacional se forjou ligada ao liberalismo, sendo que nos países semicoloniais serve ao imperialismo. Enfileirou-se ao impeachment e se empenha em sustentar que resultou em um governo democrático de salvação nacional.

O PT se elevou ao poder da República a contragosto desse alinhamento histórico, uma vez que reunia variantes da esquerda nacionalista e que retomava algumas teses do protecionismo, do estatismo e do distributivismo. Mesmo que os governos petistas tenham procurado compatibilizar o nacional-reformismo com o liberalismo, não amenizaram a posição da direita burguesa arraigadamente pró-imperialista.

O PSDB que nasceu do PMDB se projetou como moderno liberal, quando só fazia adaptar o velho liberalismo da UDN às novas condições pós-ditadura militar. O mais oligárquico dentre os partidos, o PMDB assumiu a chefia do País em 1985. A crise econômica, porém, golpeou ininterruptamente o governo de José Sarney, que, com seus vários planos, descarregava todo o peso sobre os assalariados (inflação desenfreada e congelamento salarial, elevada taxa de desemprego). Mesmo assim cumpriu a função política de instituir uma nova Constituição. Concluiu arrebentado e o PMDB cindido, dando origem ao PSDB. É bom assinalar que o governo de José Sarney esteve mergulhado na corrupção, denunciado de promover superfaturamento em licitações públicas, o mais escandaloso fato foi o da licitação da Ferrovia Norte-Sul.

O mais importante foi que Sarney teve de enfrentar a resistência das massas aos planos econômicos antipopulares. Três greves gerais marcam o período. A classe operária pôs à luz do dia sua grande capacidade de luta. A reconstrução do sindicalismo classista ganhou terreno. O PT e Lula se projetaram entre os explorados. Gestava-se uma nova burocracia sindical e política de colaboração de classes. Os grandes partidos da burguesia compareceram, assim, à primeira eleição presidencial depois do fim do ciclo militar desmoralizados.

O aparato da burguesia criou uma candidatura para impedir a vitória de Lula. A Rede Globo de Comunicações se colocou inteiramente ao dispor do candidato Fernando Collor de Mello e do seu Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Montou um escândalo pessoal para denegrir Lula às vésperas da votação. E assim, por uma pequena margem, o PT foi derrotado pela imprensa monopolista.

Sabemos perfeitamente que tais recursos são próprios da democracia burguesa, sobre a qual paira o poder econômico. Mas evidencia a tendência antidemocrática e golpista que permanece viva e permeia a democracia formal. O que condiz com a debilidade histórica da burguesia nacional oligárquica.

No segundo ano de mandato, Collor renunciou sob a espada do impeachment. Formou-se uma ampla unidade partidária, que incluiu o PT e a esquerda aliada, pelo afastamento de Collor. Por essa via, preparou-se o caminho para o PSDB se potenciar eleitoralmente e tomar à frente do poder do Estado.

Collor implantou um programa ultraliberal, antinacional e antipopular. Pretendeu governar por cima dos partidos e cometeu o erro de realizar um confisco geral da poupança. Fernando Henrique Cardoso gestou no breve governo de Itamar Franco um plano de acordo com as orientações do Fundo Monetário Internacional. Derrotou Lula já no primeiro turno das eleições de 1994, sob a bandeira do Plano Real, do fim a espiral inflacionária, da estabilidade monetária e da melhoria de vida da população. Montou-se um governo completamente servil ao imperialismo. Entregou grande parte do patrimônio nacional para proteger os credores da dívida externa e interna. Abriu as comportas para a penetração maciça de capital especulativo. E impulsionou o controle monopolista dos ramos chaves da produção.

Fernando H. Cardoso levantou a bandeira da liquidação das heranças varguistas. As várias reformas que, hoje, o governo golpista de Temer impõe à força aos explorados foram arquitetadas no governo “neoliberal” do PSDB, entre 1995 e 2002.

O governo do PT, embora tenha feito reformas na linha estabelecida por Fernando H. Cardoso, se diferenciou por combinar nacionalismo com liberalismo. Freou o ímpeto da aplicação do programa completamente entreguista, desnacionalizante e financista. Manobrou entre as frações da burguesia com um tipo de semiprotecionismo e semi-imperialismo. As forças pró-imperialistas não viram um perigo imediato. Mas não deixaram de trabalhar diuturnamente pela derrocada do governo petista. Lula se adaptou o máximo possível, sem poder, contudo, desmontar a conspiração permanente. Não teve outro meio senão procurar alianças com a velha oligarquia, que o PT havia prometido expulsar do Estado, e colocar-se nas mãos de poderosos grupos econômicos nacionais, entre eles as empreiteiras. Não poderia recorrer à classe operária e à maioria explorada. Sua política se assentava na colaboração de classes. Colocou-se desde o início como um governo da burguesia. O PT já havia se definido como pró-capitalista e abraçado à ficção do antineoliberalismo – um disfarce da caricatura nacionalista.

O conteúdo da comemoração de um ano do governo Temer, em sua essência, foi o de ter arrancado da direção do Estado os “populistas”, que, para o golpista, se travestiram de “populares”. O grande feito do impeachment é que permitiu erigir um governo antipopulista. Não tem a menor importância que ele, Temer, encarne um governo antipopular, odiado pela maioria que sente e sabe que “do couro sai a correia”. Em outras palavras, a história lhe encarregou de ser um governo antipopular por ser um antídoto antipopulista. Sua missão como governo é a de realizar o programa do PMDB “Uma ponte para o futuro” e entregar ao governo eleito em 2018 um país arrumado. É assim que, por cima da vontade da maioria oprimida, impõe uma reforma que destrói antigas conquistas da classe operária. É assim que se curva ao capital financeiro parasitário da gigantesca dívida pública. É assim que impulsiona o processo de desnacionalização da economia.

O PT e aliados se encontram prostrados diante do governo golpista. É a moeda que pagam pela caricatura do nacional-reformismo, pela política de colaboração de classes e por ter sujeitado sua existência ao dinheiro dos capitalistas. Lula foi, finalmente, conduzido às barras da justiça burguesa. A burocracia sindical cutista pede pelo amor de deus que Temer abra conversações sobre as reformas. Colocou-se sob a linha da Força Sindical, que serviu ao golpe. A greve de 28 de abril deu o verdadeiro conteúdo do dia 12 de maio – “Abaixo as reformas antinacional e antipopular do governo golpista!” Se a classe operária não voltar à greve geral, mais ampliada, mais coletivizada, mais bem organizada e mais duradoura, Temer terá sua comemoração assegurada e continuará pelo segundo ano de ditadura civil a se impor por cima da população. Nossa luta consiste em trabalhar pela bandeira de greve geral por tempo indeterminado para pôr abaixo as reformas e enterrá-las bem fundo. Está claro que o problema dos explorados já não é Temer – antipopular e odiado –, mas sim a política de adaptação da burocracia sindical. Chegamos ao fundamental do período de um ano de governo golpista, antidemocrático, antipopular e pró-imperialista.