• 28 mar 2019

    Carta Aberta aos sindicatos, movimentos e partidos políticos que se reivindicam da democracia operária

28 de março de 2019

O motivo dessa carta diz respeito à repressão que os militantes do Partido Operário Revolucionário (POR) sofreram por parte do Sindicato Metalúrgico do ABC. Na assembleia da Ford, do dia 26 de março, um grupo de cinco bate-paus cercou um dos militantes que distribuía o Boletim Nossa Classe e tentou arrastá-lo para trás dos ônibus estacionados no pátio. Uma das militantes interveio aos gritos, para que nosso camarada não fosse golpeado. É importante essa descrição, porque mostra o método repressivo utilizado pela burocracia sindical em suas assembleias. Método esse que é o de usar a violência, de preferência distante dos olhos dos operários e de toda a assembleia.

Os Boletins Nossa Classe foram arrancados das mãos de nosso camarada, sem que esse pudesse esboçar a mínima reação. Os bate-paus aos empurrões disseram, de maneira a não despertar atenção da assembleia, “não precisamos de você aqui”. No momento, de cima do caminhão de som, falava o representante da CUT, João Cayres. José Quixabeira (Paraíba), em seguida, denunciou o Boletim Nossa Classe, como se fosse um perigoso infiltrado no movimento contra o fechamento da Ford. Terminada a assembleia, nossos camaradas foram até Rafael Marques e João Cayres e denunciaram a violência contra o militante do POR. Perguntaram por que os boletins foram arrancados e por que o Nossa Classe não poderia ser distribuído na assembleia. Um dos bate-paus presentes respondeu que não fomos pedir autorização para distribuir. Uma camarada respondeu: “não precisamos pedir autorização a ninguém”. Rafael Marques disse que ninguém estava impedido de distribuir boletins. Mas o fato é que uma parte dos boletins foi confiscada pelo grupo de bate-paus. O restante do Nossa Classe acabou sendo distribuído no portão de entrada da Ford, após a assembleia.

Há um precedente, que também precisa ser narrado. Na assembleia do dia 19 de março, houve a mesma repressão ao Boletim Nossa Classe. Nesse mesmo dia, ocorriam as reuniões de representantes de escola (Apeoesp). A militância porista fez a denúncia nas reuniões de professores e apresentou uma moção em defesa da liberdade de expressão e da democracia sindical. Na Lapa, a discussão foi atritosa com os sindicalistas petistas, que disseram que não poderiam votar a moção porque não havia provas. Era evidente que o POR não tinha motivos para inventar tal denúncia. E o mais importante:  o POR tem uma tradição de defender e praticar a moral revolucionária. O plenário votou por esmagadora maioria a favor da moção. Na reunião do Conselho Estadual da Apeoesp, dia 22, o POR apresentou a denúncia. A direção do sindicato perguntou se tínhamos nomes daqueles que haviam praticado a repressão. E disse que verificaria o problema e que era a favor da liberdade de distribuir o boletim e solidarizar contra o fechamento da Ford. Agora, mais uma vez, houve a agressão. A direção do sindicato pode consultar Rafael Marques e João Cayres, perguntando-lhes os nomes dos agressores.

É importante ter claro que a direção da assembleia da Ford sabia perfeitamente da decisão de arrancar o Boletim Nossa Classe do militante porista. No entanto,  Marques e Cayres se fizeram de democratas diante de nossa presença. A admissão da seriedade do fato depende do ponto de vista político e de classe de quem o avalia. De nossa parte, entendemos que o uso da violência contra a distribuição do Boletim Nossa Classe é de caráter antidemocrático e contrarrevolucionário. Esse tipo de violência é próprio do Estado burguês e da polícia particular dos capitalistas. A burguesia não admite a existência de um sindicalismo de combate, baseado na democracia operária. A lei antigreve tem por fundamento a proibição, por meio da força do Estado, ao exercício da democracia operária. Esse mesmo Estado tem em sua Constituição o direito formal de expressão. Direito esse que vale apenas para as instituições burguesas. No momento em que uma direção sindical viola o direito de expressão, coloca-se como um agente do Estado no movimento operário.

Parece incompreensível que a direção sindical petista se utilize desse método, quando denuncia a violação da própria democracia burguesa diante do golpe de Estado, que derrubou o governo de Dilma Rousseff e prendeu Lula sem que se mostrassem provas concretas de corrupção. Essa aparente incoerência se explica pelo fato da burocracia sindical em geral e, em particular a do PT, se opor à democracia operária. Parece insignificante o fato de um grupo de bate-paus arrancarem os boletins em uma assembleia. Ocorre que esse acontecimento pontual é um sintoma do avanço das tendências autoritárias do capitalismo em decomposição.

Qual o temor da direção sindical, se ela mesma disse, na assembleia, que o Boletim Nossa Classe era de um grupo pequeno e que apenas queria se aproveitar do movimento? O temor é que o Boletim Nossa Classe expôs e defendeu, no interior do movimento contra o fechamento da Ford, uma resposta e uma linha política totalmente opostas à da direção do sindicato. A repressão foi desfechada contra uma posição proletária, completamente coerente e legítima diante da defesa dos empregos e contra a mutilação das forças produtivas internas ao País.

Sabemos que as posições do Boletim Nossa Classe não tinham como ser assumidas pelos operários da Ford, devido ao extremo controle exercido pela burocracia sindical. A direção também tem essa mesma avaliação. O problema está em que o Boletim Nossa Classe colocou concretamente para os metalúrgicos da Ford e para o conjunto da classe operária duas posições opostas para enfrentar o fechamento da fábrica. Os operários poderiam se rebelar contra as negociatas da direção, que vão levar inevitavelmente à derrota. Não se rebelaram. E se não se rebelarem, vão sofrer as duras consequências da demissão e do desemprego. O mais importante, porém, é que a derrota da Ford é uma derrota de toda classe operária. O Boletim Nossa Classe expôs claramente os dois caminhos: o da derrota previsível e o da vitória possível. A direção do sindicato não admitiu que sua política derrotista fosse contestada. Está aí o conteúdo político que levou ao uso da violência burocrática contra o Boletim Nossa Classe.

Esta Carta aberta objetiva não apenas fazer nossa defesa, mas também a defesa geral da democracia operária. Sua implicação é ampla. Vivemos a época do capitalismo em decomposição, do apodrecimento da democracia burguesa, do avanço da barbárie, do recrudescimento da luta de classes e, portanto, da necessidade da burguesia sufocar qualquer manifestação e embrião da democracia operária. A luta democrática, sem dúvida, é de grande importância para os explorados resistirem e avançarem o combate a todas as formas de autoritarismo burguês. Não se pode desprezar o empenho das correntes fascistas e da direita fascistizante em ganhar terreno e se constituírem como força burguesa alternativa capaz de responder à crise estrutural do capitalismo com os métodos da violência contrarrevolucionária.

O golpe de Estado de 2016 e a eleição de Bolsonaro é parte da projeção das tendências autoritárias e fascistizantes em toda a parte. A cassação dos direitos políticos de Lula foi utilizada, precisamente, para impedir que sua candidatura dificultasse a continuidade do golpe. A aplicação dos métodos discricionários é um sintoma visível dos impasses da democracia oligárquica no Brasil. Impasse que tem em sua base a derrocada econômica do País e a potenciação da crise social. Assistimos, nesse processo, à imposição da reforma trabalhista e, agora, enfrentamos a reforma da previdência. O fechamento da Ford, como se vê, não é um raio no céu azul. A classe operária está pagando caro pela política de conciliação de classes do PT e pela ausência de organização independente do Estado e do patronato.

O episódio da violência contra o Boletim Nossa Classe teria menor transcendência, fosse outra a situação política. Lembramos que, na greve da Ford em 1998, o Boletim Nossa Classe esteve presente. Na ocasião, também sofremos a ação dos bate-paus do sindicato. A importância do fato está em que assinalou o caminho que tomaria a montadora. Demissões em massas foram feitas e inúmeras concessões obtidas pela multinacional norte-americana. Nada disso evitou o desastre a que se chega agora. O fundamental da experiência é que o movimento operário se acha mais fraco: desarmado de seus métodos de luta, de sua organização coletiva e de seu programa. Essa fraqueza evidencia por que a Ford pôde anunciar o fechamento de uma de suas fábricas e simplesmente não enfrentar nenhuma resistência dos metalúrgicos do ABC, que realizou a gloriosa jornada de fins dos anos 70 e dos anos 80.

A democracia operária no movimento sindical quase desapareceu e, em particular, no sindicato metalúrgico do ABC foi eliminada. Os ataques contra qualquer tentativa de se constituir oposição se tornaram uma norma. É previsível que a burocracia autoritária usará da violência contra o Boletim Nossa Classe, apesar de gritarem por democracia diante das arbitrariedades que levaram Lula à prisão.

Esta Carta aberta vai muito além da legítima defesa do Boletim Nossa Classe ser distribuído sem precisar de permissão de ninguém. É um manifesto em defesa de democracia operária! Um manifesto contra o fechamento da Ford! Um manifesto em defesa dos empregos! Um manifesto pela organização independente da classe operária!