• 31 mar 2019

    31 de março, 55 anos do golpe militar. Abaixo o governo militarista e fascistizante de Bolsonaro!

31 de março de 2019

O passado ronda o presente. A declaração do presidente da República, Jair Bolsonaro, de que “Democracia só existe se as Forças Armadas quiserem” provocou um alvoroço. Agora, a decisão de celebrar o golpe de 1964, com uma “ordem do dia”, divulgada pelo ministério da Defesa, agitou ainda mais os meios políticos da própria burguesia. A ideia predominante na política burguesa, desde o fim da ditadura militar, era a de esquecer esse passado. A orientação era a de “reconciliar a nação”. Os 21 anos de ditadura militar deveriam servir apenas de interpretação histórica.

Ocorre que o golpe de 1964 resultou de uma divisão no interior da própria burguesia, da democracia e das Forças Armadas. Divisão essa alimentada e apoiada pelos Estados Unidos. A classe operária não contava com um partido revolucionário. O nacionalismo burguês e a política de conciliação de classes estavam esgotados diante da crise econômica e do avanço das lutas operárias e camponesas. O governo de João Goulart não conseguia ir à frente com as “reformas de base” e já não podia garantir a estabilidade política. Estabilidade que se rompia com o aprofundamento da divisão interburguesa e com o agravamento da luta de classes.

As Forças Armadas desfecharam o golpe de 31 de março de 1964 para restabelecer sua própria unidade e impor a centralização autoritária do Estado. Os arquitetos do movimento contrarrevolucionário conseguiram evitar um choque armado e uma possível guerra civil. Os comandantes da conspiração assumiram o poder sem que houvesse resistência das forças nacionalistas burguesas e pequeno-burguesas. Uma fração da classe média foi arregimentada pelos golpistas. A classe operária não tinha como reagir ao golpe devido à ausência do partido revolucionário e da organização independente. A relação de força no seio da política burguesa e entre as classes decidiu a favor de um golpe sem uma resistência à altura.

A Junta Militar não honrou o compromisso tácito de restabelecer a democracia nos anos seguintes ao golpe. Passou a governar por cima da burguesia e das instituições estatais. Por meio de Atos Institucionais, decretou o fim da democracia parlamentar e do denominado “Estado de Direito”. As forças nacionalistas derrotadas pagaram com dura perseguição, cassações, prisões, exílios e até mesmo assassinatos.

A ditadura militar, no entanto, não passou a governar sem que não houvesse contestação. O movimento estudantil se ergueu como principal opositor. É preciso lembrar o assassinato do secundarista Edson Luis, em 28 de março de 1968.  Os estudantes foram brutalmente golpeados pela polícia política e pelas Forças Armadas. O movimento camponês e o movimento operário não chegaram a dar um combate aberto ao novo regime. Mesmo assim, sofreram uma intervenção em suas organizações de massa e inúmeras lideranças foram presas, torturadas e assassinadas. Diante da resistência armada, constituída por organizações de esquerda, a ditadura aproveitou para ir às últimas consequências no totalitarismo. O balanço final da Comissão Nacional da Verdade foi de 423 pessoas mortas ou desaparecidas entre 1964 e 1985. Até há pouco tempo se escavava o cemitério de Perus/SP, para encontrar ossadas de militantes assassinados pelas forças da repressão.

O País viveu por duas décadas sob a condução das Forças Armadas. A burguesia nacional e o imperialismo se valeram do regime ditatorial para explorar a força de trabalho da maioria oprimida. As críticas à supressão do “Estado de Direito” não passaram de resistência passiva de setores da burguesia descontentes, entre eles a imprensa monopolista. A oposição consentida governou durante esse longo período como parte da ditadura militar. Ao “milagre econômico”, sobreveio a arrasadora crise econômica de meados dos anos de 1970. Momento em que a ditadura havia esmagado, por meio de torturas e assassinatos, o que restava da oposição ativa, proveniente de setores radicais da pequena burguesia. No entanto, no final dessa década, o regime militar se encontrava esgotado. Já não podia manter centralizadas as frações burguesas em disputa e contidas as tendências de luta dos explorados. O imperialismo, por sua vez, não mais admitia as diretrizes do nacionalismo militar. Era chegada a hora das Forças Armadas entregarem o poder aos partidos políticos da burguesia. A ditadura preparou o caminho da mudança com a “abertura lenta e gradual”. Decretam uma anistia, salvando a si própria de qualquer imputação sobre prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos. A oposição burguesa colaborou com esse plano. O último governo militar concluiu a transição entregando o governo a um presidente outorgado por um conselho de Estado. Um governo não eleito, que dirigiu o País de 1985 a 1989. A resposta do governo militar e do Congresso Nacional ao movimento democrático por eleições diretas foi de instituir uma ditadura civil encarregada de convocar as primeiras eleições diretas em 1989.

Em 2011, foi constituída a Comissão Nacional da Verdade, cujo relatório final foi apresentado em 2014. As Forças Armadas condicionaram as investigações sobre as torturas, assassinatos e desaparecimentos à Lei da Anistia. O resultado é que as investigações não levaram nenhum torturador à prisão. Não se identificou a cadeia de comando da repressão sanguinária. Não se conseguiu acesso aos documentos que mostravam a bárbara fisionomia da ditadura militar. Os generais, tranquilamente, desapareceram com os arquivos comprometedores. Não houve capacidade do governo e das forças democráticas burguesas, que se dedicaram à Comissão da Verdade, de obrigarem os generais a entregarem os documentos históricos. A destruição de arquivos é uma demonstração concreta da ditadura ter ocultado os rastros indesejáveis de sua história. Tem todo o sentido a declaração de Bolsonaro de que a existência da democracia ou instalação de uma ditadura dependem das Forças Armadas. Isso porque são responsáveis, em última instância, pela estabilidade e funcionamento do Estado burguês. São responsáveis pela defesa da propriedade privada dos meios de produção. São guardiães, portanto, do capitalismo. Se a democracia burguesa já não consegue garantir a ditadura de classe da burguesia sobre a classe operária e demais explorados, as Forças Armadas podem suprimi-la em defesa dessa mesma ditadura de classe e dos interesses gerais dos exploradores.

Não há dúvida de que o golpe militar de 1964 se voltou contra as massas, principalmente, contra a classe operária e a camponesa. A democracia burguesa funciona como instrumento institucional de controle dos explorados e de amortecedor da luta de classes. As divisões interburguesas em seu seio estão condicionadas a essas relações. A burguesia pode, perfeitamente, recorrer às Forças Armadas para salvar seus interesses. Da mesma forma, pode afastar as Forças Armadas da direção direta do Estado e recompor o regime democrático. O que a burguesia não pode é condenar as Forças Armadas pelo fato de terem encarnado uma ditadura sangrenta. Somente o proletariado organizado tem como atacar os fundamentos da ditadura de classe da burguesia e o lugar das Forças Armadas. Uma vez que essa tarefa não pôde ser realizada, os fundamentos de classe do regime militar permanecem intactos.

Acreditava-se que, com a experiência dos 21 anos de ditadura militar, com a retomada da democracia e com o estabelecimento de uma nova Constituição, o golpe de 1964 ficaria para trás, sendo apenas motivo de interpretação histórica. Acreditava-se, também, que, com os feitos da Comissão da Verdade, se passariam a limpo as responsabilidades das Forças Armadas e da polícia política. Era como se dissipasse um pesadelo. A eleição do ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro, fez com que a sombra da ditadura rondasse a presente democracia. Desta vez, por meio de eleições, se constituiu um governo identificado com o golpe de 1964 e com as realizações da ditadura militar. Não surpreende que Bolsonaro tenha montado seu governo recheado de militares. Não surpreende que os militares, galgados ao governo, tenham se colocado diante do dia 31 de março como defensores do golpe de 1964. Não surpreende, portanto, que queiram dar uma versão oficial resplandecente ao papel das Forças Armadas como guardiães do Estado, seja sob o regime democrático ou ditatorial.

O governo militarista de Bolsonaro não se constituiu por obra do acaso. Tem como precedente o golpe institucional de 2016, que derrubou o governo constitucional. E também a ditadura civil de Temer, que preparou o caminho para a eleição de Bolsonaro e a constituição de um governo ultradireitista, francamente pró-imperialista e obscurantista. O mais importante, porém, é que tem como antecedente a falência do governo democrático burguês do PT. É bom lembrar que em 1964 houve primeiro a tentativa de um golpe parlamentar. O seu fracasso levou ao golpe militar. Em 2016, a burguesia estava mais bem preparada para derrubar um governo eleito, sem precisar recorrer ao golpe militar. No entanto, o impeachment do governo constitucional abriu caminho para os generais voltarem ao centro do poder do Estado. Está aí por que Temer e Bolsonaro se ocuparam de reestruturar a polícia política e os instrumentos de repressão, anteriormente organizados sob os governos militares.

É preciso conter a marcha da militarização do País. É preciso derrotar as tendências direitistas e fascistizantes que retomaram a direção do Estado. Mas não será alimentando as ilusões na democracia burguesa que essa tarefa será cumprida. É preciso organizar as forças da classe operária, dos camponeses e das camadas pobres da classe média sob o programa da revolução proletária. Certamente, há passos que devem ser dados nesse sentido.

Essa manifestação contrária à comemoração do golpe militar de 1964 tem de levantar alto a bandeira de “Abaixo a reforma da previdência de Bolsonaro-Guedes”, fim da reforma trabalhista e da terceirização e pela defesa dos empregos. Essa manifestação deve exigir das centrais sindicais que organizem a greve geral. Tem de abrir caminho para a constituição de uma frente única anti-imperialista, baseada em assembleias e comitês de base. A classe operária e demais explorados vão marchar contra esse governo partindo dessa luta concreta.