• 04 maio 2019

    Marx e a luta contra as opressões

PSTU opressões

Marx e a luta contra as opressões

Artigo publicado no livro “Resposta marxista às opressões” – maio de 2019

O título acima foi tirado do jornal Opinião Socialista, nº 563, do PSTU. Achamo-nos na obrigação de analisar alguns aspectos do artigo, que supostamente seriam marxistas ou que poderiam ser deduzidos do marxismo.

Gustavo Machado inicia a matéria com o objetivo de mostrar que o problema das opressões não é “um fenômeno relativamente novo” e que o marxismo desde sempre lhe deu muita importância. Pretende, no entanto, desfazer, segundo ele, uma ideia equivocada de que “para o marxista, o que importaria seriam as classes sociais e todo o resto seria secundário, exceto nos últimos anos, quando se tornou inevitável abordar questões como opressão de gênero, de raça, de orientação sexual dentre outras pela amplitude dos movimentos em torno desses temas”.

O articulista atribui ao estalinismo essa incompreensão. Recorre à questão da opressão nacional. Explica que, com Stalin, “o governo soviético abandonou as lutas contra as opressões e atribuiu a Marx uma teoria que nunca existiu em seu pensamento”. Conclui: “Nessa teoria tudo seria deduzido das classes sociais”. Por esse caminho estalinista, “a opressão das diversas nacionalidades no interior da URSS poderia ser justificada e a luta contra essas opressões consideradas reacionárias”. Vale a pena ainda transcrever essa passagem: “A maioria das teorias sobre as opressões foram tomadas em termos subjetivos, isto é, como se fossem meros preconceitos culturais e de identidade”.

Em síntese, para Machado, Marx, Engels, Lênin e Trotsky reconheceram opressão de classe e opressão que não é de classe. E que foi o estalinismo que reduziu tudo a opressão de classe.

O esquematismo e a superficialidade da fundamentação do artigo são visíveis. Pretender atribuir à permanência da opressão nacional no interior da União Soviética, como resultado de uma deformação do marxismo quanto ao suposto reconhecimento de que existe opressão que não é de classe, é desconhecer o próprio estalinismo. Em janeiro de 1923, Lênin condenou a atitude burocrático-autoritária de Stalin na Geórgia. É absurdo recorrer à explicação de que a opressão nacional sobre o Estado operário degenerado pela ditadura burocrática estalinista se deva a que Stalin não reconhecia opressões que não fossem de classe. Precisamente, o fim da opressão nacional no interior da União Soviética dependia do desenvolvimento do socialismo, que não poderia se dar a não ser com o avanço da revolução mundial.  A vitória da fração estalinista contra a Oposição de Esquerda impulsionou a degeneração da ditadura do proletariado e, assim, o revisionismo programático em toda a linha. Regrediu o processo de eliminação da opressão nacional, bem como o da opressão sobre a mulher. Não tem o menor sentido atribuir a continuidade da opressão nacional sob o Estado operário à ideia de que Stalin passou a negar o reconhecimento de que existe opressão que não é de classe.

O certo é que o PSTU precisa recorrer à autoridade do marxismo para afirmar que, ao lado da opressão de classe, ocorre a opressão particular de “raça, gênero e orientação sexual”. Nesse sentido, Machado, considera “os fatores nacionais, raciais, de gênero ou de orientação sexual (…) como barreiras que impedem a unidade de classe para enfrentar o capitalismo”. Unidade essa colocada como “o principal objetivo de Marx”. E conclui: “Assim, não é questão de eleger qual fator é primário ou secundário”. Como não há dúvida de que a burguesia se utiliza das discriminações de todo o tipo, alimentando-as inclusive entre os explorados, portanto, servindo-se dela para o divisionismo, o que rejeitamos é a conclusão que daí se extrai. É antimarxista a afirmação de que é indiferente  estabelecer uma ordem entre o fator primário e o secundário. O marxismo sempre parte do fator primário, da economia e das relações de classe. É a base material que gera e explica, em última instância, todas as formas de opressão do homem pelo homem. A premissa de que “não é questão de eleger qual o fator é primário ou secundário” leva ao revisionismo.

Machado recorre à seguinte explicação: “Para Marx, a questão é vincular cada aspecto particular à necessidade de organizar a classe para enfrentar o capitalismo”. Com esse raciocínio, pretende justificar o revisionismo, certamente sem admiti-lo como tal. Ocorre que somente se sabe o que é “cada aspecto particular” tendo claro a sua base comum, geral. O trabalho revolucionário consiste, portanto, em revelar para o proletariado em luta que suas reivindicações particulares são expressões das leis gerais de funcionamento do capitalismo. As massas em luta, sem dúvida, partem de suas necessidades imediatas. Os marxistas devem identificar tais necessidades e as tendências instintivas de combate dos explorados. No entanto, partem das causas que desencadeiam as necessidades particulares e que impulsionam os seus instintos de revolta. Se não se tem clara essa relação, não se pode dominar o método marxista de análise e resposta a cada manifestação particular,que emana da base material, ou seja, do fator primário. É bem conhecida a pseudo crítica do reformismo de que o reconhecimento de Marx e Engels ao condicionamento do fator primário (infraestrutura) sobre o secundário (supraestrutura) seria mecânico. Continuemos com seguinte o raciocínio de Machado: “Se uma organização marxista não conseguir fazer isso, suas palavras de ordem não encontrarão qualquer eco”. Para que as reivindicações particulares se tornem um meio de organização dos explorados contra a classe capitalista, é preciso que sua vanguarda expresse na luta a base primária, que deve ser transformada pela revolução social, em outras palavras, que não se perca o vínculo entre as necessidades mais prementes dos explorados e a estratégia socialista da tomada do poder.

Retomemos a questão da opressão nacional. Machado recorre, como exemplo, à luta pela independência da Irlanda. Explica que “Marx não apenas assumiu a defesa da Irlanda diante da dominação inglesa, como procurou mostrar como tal opressão se entrelaçava por todos os poros com a dominação de uma classe sobre a outra”. Utiliza-se de uma passagem como citação: “(…) Já que na Irlanda não se trata apenas de uma questão econômica, mas, ao mesmo tempo, uma questão nacional”. A continuidade da exposição não deixa clara a relação entre questão econômica e questão nacional, segundo as fundamentações de Marx. O autor cita, porém, o fato de a imigração irlandesa para a Inglaterra provocar atritos entre os operários ingleses e irlandeses, em função do mercado de trabalho. Então, conclui que se está diante de outro tipo de opressão, que é a racial. Citemos: “A opressão nacional e, nesse caso, também racial, tornava-se uma ferramenta que permitia ao conjunto da classe dominante melhor explorar os trabalhadores, tanto ingleses quanto irlandeses”. Como se vê, introduz a noção de opressão racial. Desde já assinalamos que em nenhum lugar das análises e explicações de Marx e Engels sobre opressão nacional se pode deduzir como sendo opressão de uma raça sobre outra. Em seguida, recorre à citação de Marx para mostrar que havia também “antipatias nacionais e religiosas”. Tratava-se dos antagonismos entre católicos e protestantes. Quando cita Marx, vemos que o redator está preso a uma constatação fundamental de Marx, que é a divisão no seio da classe operária provocada pelo mercado de trabalho. É a partir desse fator econômico e, portanto, de classe, que se desenvolverão os preconceitos nacionais e as discriminações religiosas.  Nessa demonstração de Marx,  encontra-se a determinação do fator primário. Mas, o redator procura eliminar essa determinação para encontrar uma particularidade especial nas formas de opressão. Está aí por que, depois desse percurso, desemboca-se numa operação artificial que desvincula a base material de sua expressão ideológica. Eis o que diz Machado: “Como podemos ver, a defesa da independência da Irlanda não é considerada por Marx uma reivindicação nacionalista separada das classes sociais. Tampouco existe a ideia de que partindo das classes sociais toda opressão pode ser explicada”. A segunda parte desse comentário é uma elucubração particular de Machado. Considerando logicamente a conclusão de Machado, de que Marx não parte das classes sociais para explicar todo tipo de opressão, também é verdadeiro que não se coloca a explicar a opressão que não parta do fator primário, da economia e das classes sociais.  Ocorre que os centristas, como é o caso do PSTU, têm formulado sua política sobre as opressões de acordo com a separação entre opressão de classe e opressão não de classe. É claro que, não se podendo explicar determinada opressão partindo das classes sociais, logo, forçosamente, se depreende que existe opressão que não é de classe. O redator faz um malabarismo com as citações de Marx sobre a independência da Irlanda para levar o leitor a admitir que o PSTU não está fora do marxismo ao reconhecer opressão que não é de classe. Não pode haver dúvida de que os “preconceitos religiosos, sociais e nacionais contra o operário irlandês” são explicados, por Marx, do ponto de vista da opressão de classe, embora não mecanicamente e não como fatores passivos.

Não há opressão que não seja considerada como uma tarefa histórica a ser resolvida pela revolução proletária. Fora dessa premissa, não há marxismo, mas impostura burguesa e pequeno-burguesa.

Continuemos com a Irlanda. Em uma carta a Siegfried Meyer e A. Vogt, de 9 de abril de 1870, Marx expõe a relação estreita entre Inglaterra e Irlanda. Demonstra “o vínculo da luta nacional irlandesa com a emancipação da classe operária”. Considerava que a Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional) devia ter por base esse fundamento, para se posicionar diante da questão irlandesa. Transcrevemos uma passagem, apesar de um pouco extensa: “A Irlanda é o baluarte da aristocracia latifundiária inglesa. A exploração desse país não é só a principal fonte de sua riqueza material, mas também sua maior força moral. Com efeito, a aristocracia inglesa personifica a dominação da Inglaterra sobre a Irlanda. A Irlanda é, por isso, o grande meio pelo qual a aristocracia inglesa mantém sua dominação na própria Inglaterra. Em compensação, se o exército e a polícia ingleses fossem retirados amanhã da Irlanda, em seguida, se iniciaria ali uma revolução agrária. Mas, a derrocada da aristocracia inglesa na Irlanda implica, e tem como consequência necessária, sua derrocada na Inglaterra. E, desse modo, se criariam as condições para a revolução proletária na Inglaterra. A supressão da aristocracia latifundiária inglesa na Irlanda é uma operação infinitamente mais fácil que na própria Inglaterra, porque o problema da terra foi, até agora, a forma exclusiva do problema social irlandês, porque é um problema de existência, de vida ou morte para a imensa maioria do povo irlandês, e porque, ao mesmo tempo, não pode ser separado do problema nacional, independentemente do fato de os irlandeses terem uma natureza mais apaixonada e mais revolucionária que os ingleses”.

A exposição acima sobre opressão nacional é inteiramente perpassada pelos fundamentos econômicos da dominação e da opressão de classe. Não tem o menor sentido concluir que há opressão que não exige a exposição e a explicação das raízes de classe. A divisão da classe operária de acordo a nacionalidade partia da burguesia inglesa. Isso era possível porque o imigrante irlandês comparecia como concorrente ao operário inglês. É muito importante a seguinte explicação de Marx: “Em relação ao operário irlandês, o operário inglês se sente como membro da nação dominante, transformando-se assim em instrumento dos aristocratas e capitalistas contra a Irlanda, reforçando desse modo a dominação daqueles sobre si mesmos”. Depois dessa constatação, é que Marx faz a comparação da situação do operário irlandês com os negros nos Estados Unidos, discriminados pelos próprios pobres brancos. A classe operária inglesa, ao não compreender o caráter de classe da opressão, acaba servindo à burguesia de seu país, que é tanto sua opressora quanto a do operário irlandês. Marx mostra como a imprensa, o púlpito e os pasquins humorísticos reforçavam artificialmente o antagonismo nacional. Assim, ocultavam o conteúdo de classe da opressão sofrida pelos imigrantes irlandeses e, por extensão, por toda a população irlandesa.

Não se pode perder de vista a análise que Marx faz sobre as condições mais propícias da revolução proletária na Inglaterra e seu vínculo indissolúvel com a luta pela independência da Irlanda. Somente por esse programa era possível unir o proletariado e superar os preconceitos nacionais criados pela dominação colonialista. A carta conclui com a seguinte orientação: “Daí que a tarefa da Internacional seja a de, em todo o lugar, colocar em primeiro plano o conflito entre Inglaterra e Irlanda, colocando-se em todo o lugar abertamente ao lado da Irlanda. A tarefa especial do Conselho Central de Londres é a de despertar na classe operária inglesa a consciência de que, para ela, a emancipação nacional da Irlanda não é questão de justiça abstrata ou de simpatia humana, mas a condição primeira de sua própria emancipação social”. Como se vê, não há um só traço, uma só sombra de que Marx tenha transparecido que haja opressão que não exija explicação de classe.

Podemos, agora, retomar a citação de Machado sobre a Irlanda, em que Marx, em sua carta a Kugelmann, 29 de novembro de 1869, refere-se à “questão econômica” e à “questão nacional”. Ocorre que Machado amputou de tal maneira a passagem, que o leitor não tem claro porque Marx faz a distinção. Analisando a gravidade da classe operária inglesa de se sujeitar à política de seus próprios algozes que oprimemo povo irlandês é que Marx chega à seguinte formulação: “A primeira condição da emancipação do proletariado na Inglaterra – derrocada da oligarquia latifundiária inglesa – continua sendo impossível, devido a que não se pode minar a posição desta enquanto mantiver seus fortemente entrincheirados postos avançados na Irlanda. Mas, quando o próprio povo irlandês tomar as coisas em suas mãos, quando se converter em seu próprio legislador e senhor de si, quando conquistar sua autonomia, a supressão da aristocracia latifundiária (em grande medida sendo os mesmos latifundiários ingleses), será infinitamente mais fácil que aqui, uma vez que, na Irlanda, não se trata de uma simples questão econômica, mas, ao mesmo tempo, uma questão nacional, porque os latifundiários não são como os da Inglaterra, autoridades tradicionais e representantes do país, senão opressores mortalmente odiados de uma nação”. Está absolutamente claro que a questão nacional expressa a condição da Irlanda de país oprimido e da Inglaterra de país opressor, de um lado; e que há uma diferença entre a aristocracia latifundiária inglesa em seu próprio país e aristocracia latifundiária inglesa na Irlanda, de outro. O povo irlandês, para se emancipar, está obrigado a expulsar a aristocracia latifundiária inglesa, o que implicaria uma revolução agrária, a que Marx se refere em outro texto. Machado se apega à questão econômica e à questão nacional como se a distinção não se referisse à particularidade da relação de dominação de classe entre a Inglaterra e a Irlanda.

Engels, em janeiro de 1894, em uma carta a H. Starkenburg, que havia lhe perguntado sobre o que  entendia por condições econômicas, faz alusão à raça. “Consideramos que as condições econômicas são o que, em última instância, determina o desenvolvimento histórico. Até a raça é um fator econômico”. Não é preciso repisar que Marx e Engels, desde sempre, identificaram uma relação dialética entre a infraestrutura econômica e a supraestrutura jurídica, ideológica, política, etc. O restritivo, “última instância”, diz tudo. Não se pode, portanto, extrair o fator econômico como base da questão nacional, com pena de se negar a doutrina marxista, bem como não se pode reduzir a questão nacional ao fator econômico. Nunca houve dúvida, entre os marxistas, de que os fatores ideológicos, culturais, políticos, etc. são importantes tanto para a revolução quanto para a contrarrevolução.

Ocorre que Gustavo Machado não expõe que tipo de opressão não necessita da explicação de classe. Ou então que tipo de opressão não requer eleger e distinguir o fator primário do secundário. Há uma passagem em que Machado nos dá a indicação: “fatores nacionais, raciais, de gênero ou de orientação sexual”. Ao se referir à situação vivida pelos operários irlandeses na Inglaterra, conceitua como opressão racial, mas não faz a devida explicação. As discriminações raciais são ou não de classe? É preciso identificar ou não o fator primário? Marx e Engels não necessitaram desenvolver a questão racial, embora se deparassem com o escravismo colonial. Os adversários do marxismo aproveitaram para deformar e falsificar a posição de Marx e Engels sobre a escravização dos negros e a subjugação colonial da África (é bem conhecido o argumento acadêmico de que Marx era eurocentrista e até mesmo racista). No entanto, as referências sobre raça como parte da análise geral do colonialismo são suficientes para a luta contra o escravismo e seus posteriores desdobramentos na fase última do desenvolvimento do capitalismo, que é a do imperialismo.

Em um estudo sobre a Argélia, 1857, Engels utiliza o conceito de raça no sentido de povo.  Vejamos: “Os berberes, kabyles, ou mazidh, conhecidos por esses três nomes, são geralmente considerados os habitantes aborígenes. De sua história como raça, pouco se sabe, além de que em tempos ocuparam toda a África do Noroeste, espalhando-se também pela costa oriental (…)”. “Os kabyles são uma raça trabalhadora; vivem em aldeias regulares, são excelentes agricultores (…)”. “Os mouros são provavelmente os habitantes menos respeitáveis. Vivem em cidades e muito melhor do que os árabes ou os kabyles e são, devido à opressão constante dos seus dominadores turcos, uma raça tímida (…)”. “A principal localidade é Biscara; os biscarianos são uma raça de gente pacífica (…)”. Essas referências vêm no sentido de fazer uma descrição histórica, que mostra as disputas entre vários povos na região da Argélia, até o domínio dos franceses, a partir de 1830. Engels relata o esmagamento das tribos árabes e kabyles pela força estrangeira invasora. É exemplificativo, nesse estudo, como comparece a questão da religião: “Os nativos submetiam-se com uma boa vontade mal-intencionada aos seus dominadores turcos que, pelo menos, tinham o mérito de ter a mesma religião; mas, não encontravam qualquer vantagem na chamada civilização do novo governo, contra o qual nutriam, além do mais, toda a repugnância do fanatismo religioso”. Observa-se que não há possibilidade alguma de deduzir desse longo processo histórico de dominação de um povo sobre o outro, de uma nacionalidade sobre outra, como sendo dominação de uma raça sobre outra.

Lênin desenvolverá, às últimas consequências, a noção de opressão nacional e o programa da autodeterminação dos povos oprimidos. Segue rigorosamente os fundamentos deixados por Marx e Engels. A opressão nacional ganhou novas formas na época do imperialismo, exigindo novas formulações programáticas. O nacionalismo se ergue como um obstáculo ao avanço da organização independente da classe operária e da elevação de sua consciência socialista. É com o programa do internacionalismo proletário que se combatem os privilégios e as desigualdades nacionais. Não é o caso de expor em sua plenitude a doutrina de Lênin sobre o caráter da opressão nacional. O que nos interessa é enfatizar as formulações marxistas que seguem os postulados do internacionalismo. Nesse sentido, parece-nos útil a seguinte formulação: “O socialismo tem por finalidade não só pôr fim ao fracionamento da humanidade em pequenos Estados e a todo particularismo das nações, não só aproximar as nações, mas também levar à cabo a sua fusão (…) Assim como a humanidade não pode chegar à abolição das classes, a não ser passando pelo período de transição da ditadura da classe oprimida, também não pode chegar à fusão inevitável das nações, senão passando pelo período de transição da libertação completa de todas as nações oprimidas, isto é, da liberdade para elas de se separarem”. O que Stalin fez foi revisar esse fundamento programático do marxismo. Não passa de um truque retórico a ideia de que, com o estalinismo, se teria deformado o marxismo com a teoria de que tudo seria deduzido das classes sociais.

Lênin elevou à mais alta compreensão o caráter de classe da opressão racial. O conceito de raça sempre foi utilizado no sentido dado por Engels como fator econômico, em última instância. Evidentemente, se trava uma luta política ideológica contra o nacionalismo, chauvinismo e tudo que diz respeito ao ódio racial promovido pela burguesia. No artigo “A guerra com a China”, de setembro de 1900, denuncia a política do czarismo, que se utiliza do racismo para a dominação. Eis: “Os governos que se sustentam pela força das baionetas, obrigados a conter ou reprimir continuamente a indignação popular, já compreenderam, há muito tempo, que nada pode eliminar o descontentamento do povo, que é preciso desviar esse descontentamento a outro objetivo, incitar, por exemplo, o ódio aos judeus; a imprensa sensacionalista os persegue, como se o operário judeu não sofresse, como o operário russo, a opressão do capital e do governo policialesco. Atualmente, a imprensa iniciou uma campanha contra os chineses; grita-se acerca da selvagem raça amarela e de seu ódio à civilização, da missão esclarecedora da Rússia, do entusiasmo com que vão à batalha os soldados russos, etc.”. Lênin conclui que “ o dever dos operários conscientes é o de se lançar com todas as suas forças contra aqueles que promovem ódios nacionalistas e desviam a atenção da classe operária de seus verdadeiros inimigos”.Em fevereiro de 1905, Lênin volta a denunciar a utilização do racismo pelo czarismo. No “Prólogo ao folheto Memorandum do diretor do departamento de polícia, Lopujin”, expõe a tática da polícia política em “incitar a discórdia nacional, a discórdia racial” e a organizar os bandos contrarrevolucionários (centúrias negras) nas “camadas politicamente menos desenvolvidas da pequena burguesia urbana”. A utilização do racismo na situação revolucionária de 1905 possibilitou evidenciar, sem atenuantes, o seu caráter de classe. Lênin, depois de descrever as várias ações para romper a unidade das massas em combate, mostra que a resposta a esses ataques vem por meio da luta de classes. “Sabemos que o governo não terá grandes êxitos com essa política de atiçar a discórdia racial, agora que os operários começaram a organizar a resistência armada contra aqueles que organizam os pogroms; e se o governo se apoia nas camadas exploradas da pequena burguesia, somente conseguirá sublevar ainda mais as grandes massas contra ele, realmente proletárias”. (…) “Sempre ensinamos, e continuamos ensinando, também agora, que a luta de classes, a luta da parte explorada do povo contra a parte exploradora é a que conduz às transformações políticas e a que decide, em última instância, a sorte de todas as transformações”.(…) “Certamente, se se desencadeia a discórdia racial e o ódio nacional, o governo poderá conter durante algum tempo o desenvolvimento da luta de classes, porém, só por pouco tempo, e com o resultado de que a nova luta se trave num campo ainda mais amplo, de que o povo se sinta ainda mais cheio de fúria contra a autocracia”. Essa experiência de combate ao racismo e às discriminações nacionais deve ser assimilada rigorosamente pelos marxistas.

Em um breve artigo “Os russos e os negros”, de fevereiro de 1913, Lênin pergunta: “Como é possível comparar uma raça a uma nação?”. Responde: “A comparação é possível. Os negros foram os últimos a serem libertados da escravidão, e ainda carregam mais que ninguém as cruéis marcas da escravidão; mesmo nos países avançados, o capitalismo não admite outra emancipação que a legal, e ainda a restringe por todos os meios”. A constatação de que os exploradores e seus Estados somente podem chegar a uma igualdade jurídica para seus ex-escravos é confirmada plenamente na atualidade. A discriminação entre brancos e negros e a permanência do racismo colocam a tarefa da igualdade real, que só pode ser conquistada pela revolução proletária. Aí reside todo o problema de classe da opressão sobre os negros, como manifestação particular da opressão geral suportada pela classe operária como um todo. Esse é o conteúdo essencial das “Teses sobre a questão negra”, do IV Congresso da Internacional Comunista. Eis a formulação: “A Internacional Comunista vê com muita satisfação que os operários negros explorados que resistem aos ataques dos exploradores, pois, o inimigo da raça negra é também o dos trabalhadores brancos. Esse inimigo é o capitalismo, o imperialismo. A luta internacional da raça negra é uma luta contra o capitalismo e o imperialismo. Sobre essa base se deve organizar o movimento negro (…)”. “A Internacional Comunista lutará para assegurar aos negros a igualdade de raça, a igualdade política e social”. As Teses não se limitam à situação dos negros nos países em que foram ex-escravos. Colocam como parte da revolução mundial a libertação das nações africanas diante do colonialismo e do imperialismo. “O problema negro se converteu em uma questão vital da revolução mundial (…), por isso o IV Congresso declara que todos os comunistas devem aplicar especialmente as teses sobre a questão colonial ao problema negro”. Observa-se que há uma relação indissolúvel entre a questão nacional e a opressão racial sobre os negros. Pelo que sabemos, os morenistas do PSTU não reconhecem as “Teses Gerais sobre a Questão do Oriente”. Desconhecem a tática da frente única anti-imperialista.

Na década de 1930, Trotsky respondeu à ideologia racial do nacional-socialismo fascista. Evidencia-a como uma expressão do nacionalismo imperialista e, ao mesmo tempo, explica os motivos pelos quais a pequena burguesia arruinada serviu-lhe de base social. O anti-semitismo foi vastamente utilizado por Hitler para disciplinar a pequena burguesia por detrás da ditadura fascista e obscurecer a consciência de classe do proletariado. A bandeira do renascimento nacional teve como invólucro a suposta superioridade da raça ariana.

Trotsky mostra como nacional socialismo se utilizou tanto dos ataques ao materialismo histórico (marxismo) quanto ao evolucionismo (darwinismo). Evidentemente, o racismo como doutrina se choca com a ciência. “Os nazistas maldizem o materialismo, pois as vitórias da técnica sobre a natureza significam a vitória do grande capital sobre o pequeno” – explica Trotsky. As teses do nacional socialismo vão às últimas consequências na fundamentação de que a história se processa por meio das raças. Aquela que encarnava o progresso se destacava como superior. Assim, o arianismo discriminava não apenas os judeus, mas os negros e demais raças que não se encaixassem no tronco ariano. Em síntese, segundo Trotsky, para os fascistas, “a história é considerada como uma emanação da raça”. De maneira que as “qualidades da raça são construídas independentemente das diversas condições sociais”. Está aí por que a doutrina das raças não admite o condicionamento do fator econômico como primário.

Trotsky assinala que Hitler e seus partidários vão buscar a teoria da raça, “para criar a religião da pureza do sangue alemão”, “nas ideias do racismo de um francês, diplomata e escritor aficionado, o Conde de Gobineau”. E denuncia que não se encontra na “geologia das ideias, sejam as mais reacionárias e as mais estúpidas, rastros de racismo”. Finalmente, identifica, no terreno da política, que o racismo é uma expressão do chauvinismo, formulado sobre pretensas bases científicas da frenologia.

Outro posicionamento de Trotsky sobre o racismo se encontra desenvolvido na discussão “Sobre as Teses Sul Africanas”, 20 de abril de 1935. Postulava que uma revolução que expulsasse os colonialistas brancos resultaria em uma república “negra”. Assim seria por que a imensa maioria era constituída de população negra, que foi submetida pela colonização inglesa, sobretudo.  Essa fórmula sui generis respondia à particular situação de um país africano de nativos negros, edificado pela burguesia branca colonialista e imperialista. Nota-se que raça, neste caso, é identificada duplamente pela cor da pele e pela condição de escravos dos colonizadores. O que também correspondia, no polo oposto, à cor branca dos escravizadores.

A independência da África do Sul, a constituição da república e o fim da opressão nacional se cumpririam caso o poder passasse inteiramente às mãos dos negros. Eis a formulação: “Dado que uma revolução vitoriosa modificará radicalmente não só a relação entre as classes mas também a relação entre as raças, e garantirá aos negros o lugar que lhes corresponde no estado, de acordo com seu número, a revolução social terá no sul da África também um caráter nacional”.

Uma apressada leitura dessa passagem poderia levar à interpretação de que Trotsky colocava no mesmo plano classes e raças, dando uma particular determinação a uma e outra. O destino da república “negra” dependia da luta de classes e não de uma suposta luta entre raças. Eis a formulação: “Não obstante, o partido proletário pode e deve resolver o problema nacional com seus próprios métodos. A arma histórica para a libertação nacional somente pode ser a luta de classes”. Não teria a menor importância a cor branca e negra da população caso não expressasse o conteúdo nacional da dominação externa e de classe, internamente. Para firmar bem essa compreensão, citemos as seguintes passagens: “Temos de aceitar, resolutamente, e sem reservas, o absoluto e incondicional direito dos negros à independência. A solidariedade entre os trabalhadores negros e brancos somente se cultivará e fortalecerá na luta comum contra os exploradores brancos.(…) Os revolucionários proletários nunca devem esquecer o direito das nacionalidades oprimidas à autodeterminação, inclusive, à separação plena, nem a obrigação do proletariado da nação opressora de defender este direito com as armas nas mãos, caso seja necessário”. Trotsky conclui que a classe operária negra no poder e a implantação de sua ditadura revolucionária contra os opressores brancos poderiam levar ao fim de toda opressão sobre os negros.

Os acontecimentos posteriores mostram que as ideias do apartheid, que surgiram no início do século XX, seriam praticadas como política de Estado a partir de 1948. A proclamação da república “branca”, em 1961, manteve intacto o confinamento dos negros em seu próprio país. A luta dos negros contra o apartheid, apoiada inclusive por organismos do imperialismo, como a ONU, acabou derrubando esse odioso instrumento racista, nos anos 1990, voltado à escravização do trabalho da população negra. A chegada do partido Congresso Nacional Africano (CNA) ao poder, com a eleição de Nelson Mandela, se deu no interior da república “branca”. Não havendo a revolução social, não haveria, portanto, a derrubada do poder da burguesia branca. O resultado foi que um governo liderado pela principal organização dos negros – o CNA – manteve o domínio de classe da burguesia branca. O racismo apenas deixou de ser ostensivo.

Essa experiência mostra o quanto a opressão racial é um reflexo da opressão de classe. Aqueles que procuram – principalmente aqueles que auto-intitulam marxistas – utilizar o conceito de raça e classe para encontrar opressões que não sejam de classe, estão obrigados a perder de vista a realidade.

Em uma entrevista ao jornalista Georges Simenon, junho de 1933, Trotsky responde à pergunta se o problema racial seria um fator de primeira importância naquela situação de turbulência social. Considera que não. Justifica que a “raça é um fator puramente antropológico: heterogêneo, impuro, uma mescla”. Diz que reconhece “a importância das características e diferenças raciais, mas que se encontram superadas pela tecnologia do trabalho e pelo pensamento”. De maneira que a raça passou a ser “um elemento passivo e estático – a história é dinâmica”. Conclui: “O destino da nova era estará determinado pelas classes, agrupamentos sociais e correntes políticas que se baseiam nas mesmas”. Em seguida, Trotsky zomba da estupidez dos nazistas que se revestiam da suposta superioridade da raça germânica. Essas considerações reforçam nossas conclusões finais.   

O percurso dessa discussão, certamente, mostra que a questão nacional e a discriminação racial não são tão simples de compreender. As deformações oriundas das falsificações sobre classificações e conclusões, sobre a superioridade e inferioridade congênitas, que serviram à ideologia racial, turvou o conceito de raça. Foi preciso que o nazismo se utilizasse do arianismo para que a ciência chegasse, definitivamente, à rejeição do conceito de raça como artifício de classificação e divisão da espécie humana. Apesar de se chegar a um acordo tácito de que inexistem raças humanas do ponto de vista biológico e de reconhecimento da igualdade formal entre negros, brancos, amarelos, etc., as discriminações permanecem. Proliferaram estudos rechaçando a pretensa teoria da superioridade de uma raça sobre outra. Desmontou-se, cabalmente, a ideologia racista da superioridade ariana. Os seus precursores  do século XIX foram desmascarados como impostores, que vestiram a máscara do cientificismo para apoiar o domínio colonialista e imperialista, a exemplo de Joseph Arthur de Gobineau e seu discípulo Houston Stewart Chamberlain. Não foram as absurdas teorias raciais que criaram o racismo. Ao contrário, foram a dominação colonial, a opressão nacional, a escravização e o sistema assalariado de exploração assalariada que geraram a ideologia racial. Está aí por que não basta pôr abaixo a draconiana teoria sobre as diferenças raciais. O fim das discriminações e de todo tipo de opressão social é uma tarefa histórica que cabe ao socialismo. A extinção da exploração do homem pelo homem deixará para trás o racismo e demais opressões. O desmoronamento da ideologia racial foi um importante passo, mas esteve sob a direção da própria burguesia. Eis por que não se podia reconhecer a sua raiz de classe. É preciso, assim, delimitar sua extensão. Enquanto persistir a base material da discriminação, o racismo ideológico continuará existindo no cotidiano das relações sociais. Mantém-se válida a formulação de Engels de que raça é um fator econômico. Cabe ao proletariado, como classe revolucionária, transformar a base econômica que sustenta as opressões e enterrar definitivamente a ideologia racial.Aqueles que atacam o marxismo, afirmando que é reducionista, porque fundamenta as opressões como resultado da dominação de classe e porque  tem o programa da destruição do capitalismo como a via de superação de todas as formas de opressão, no fundo, capitulam diante da dominação burguesa e se mostram incapazes de enfrentar o racismo, etc. Os adversários da doutrina da luta de classes, há algum tempo, vêm recorrendo à pseudo teoria das identidades, que seriam diversas, como raça, gênero, orientação sexual, etc. Os reformistas se esmeram em afirmar que tais opressões são particulares e que não se explicam pelas relações de classe. Não por acaso, é das universidades decadentes que provêm as mais recentes pseudoteorias raciais e de gênero. A esquerda centrista procura fundir o marxismo com tais criações acadêmicas. Faz concessões, como as que aqui criticamos.

O marxismo procura, invariavelmente, identificar, analisar e responder programaticamente à raiz de classe de toda opressão social. Evidentemente, as suas manifestações, no dia–a-dia, provocam deformações de vários tipos. Não é tarefa do marxismo, que se materializa no programa do partido revolucionário, procurar explicações que não sejam de classe. Os acadêmicos, pseudos críticos de Marx, procuram desqualificar o socialismo científico com a acusação de que reduzem as opressões às classes sociais. E que o marxismo não conseguiu resolver questões como as de raça, etnia, gênero, etc. que perpassam todas as classes sociais, indistintamente de serem exploradora ou explorada. Machado rejeita essa crítica, porém, se nega a afirmar que toda opressão social é de classe. Põe-se de acordo –não claramente – que é preciso considerar a opressão que foge da explicação que partadas classes sociais.  Está aí também por que despreza o fator primário como determinante de toda opressão. A conclusão é de que os revolucionários devem reconhecer tais opressões, que não seriam de classe, e vinculá-las à opressão de classe, de maneira a combater o divisionismo no seio dos explorados e levá-los à unidade. Esse é um raciocínio subjetivo e artificioso. Opressões como de raça e gênero, assim, não seriam determinadas e explicadas pela opressão de classe.

Empenhamo-nos na discussão sobre raça, porque Machado procurou desenvolver seu ponto de vista centrista, utilizando-se dessa forma de opressão. Apenas se refere a gênero e orientação sexual como outras expressões do mesmo problema. Interessa-nos, em especial, nessa discussão, o conceito de gênero. Não tem tradição no marxismo, nem em outra ciência. Muito recentemente, passou a ser utilizado para expressar conceitualmente a opressão sobre a mulher e à orientação sexual. Como parte desse conceito genérico, definiu-se o “machismo” como fator primordial da opressão de gênero. Em outras palavras, opressão de sexo. As teses subjetivas – contraditoriamente rejeitadas por Machado –, como a de que as opressões resultam de “meros preconceitos culturais e de identidade”, foram arquitetadas sob a máscara da opressão de gênero. O PSTU e praticamente todas correntes centristas, principalmente as do tronco morenista, se agarraram a essa impostura acadêmica. Desde os estudos de Engels, ficou evidenciado que a opressão sobre a mulher não se deveu à sexualidade, mas sim à sua escravização na família, constituída como células econômicas da sociedade de classes. A família foi se transformando com as transformações do modo de produção, mas não destruiu seu papel econômico e de subordinação da mulher ao homem. Sabemos que são em vão as tentativas de obscurecer a raiz de classe da opressão sobre a mulher e de desvinculá-la da luta do proletariado pelo socialismo. Os inventores da pseudo teoria do gênero e do machismo, porém, acabam levantando sérios obstáculos à luta pela emancipação da mulher. Incentivam camadas femininas da classe média a percorrerem esse caminho e a se distanciarem do programa da revolução proletária. Não por acaso, contam com o apoio da academia, dos meios de comunicação, das ONGs e dos organismos internacionais do imperialismo, como a ONU. Esse desvio não é novo. Em 1920, quando se preparava o terceiro Congresso da Internacional Comunista, que aprovaria uma resolução sobre a luta pela emancipação da mulher, Lênin fez uma importante crítica a Clara Zetkin. Referiu-se ao erro de colocar no centro da política revolucionária “as questões do sexo e do casamento”. Aponta um erro de método e o perigo de “que os problemas sexuais e matrimoniais não sejam vistos como parte da principal questão social e que, ao contrário, a grande questão social apareça como parte, como apêndice, do problema sexual (…)” “(…) isso não só prejudica a clareza da questão, mas obscurece o pensamento em geral, a consciência de classe das operárias (…)”. “Neste momento, todos os pensamentos das operárias, das mulheres trabalhadoras, devem estar voltados para a revolução proletária. É ela que criará, inclusive, base para as novas condições de casamento e novas relações entre os sexos”. Duas outras citações são muito importantes. “Toda análise verdadeiramente marxista de uma parte importante da supraestrutura ideológica da sociedade ou de um fenômeno social importante deve conduzir à analise da ordem burguesa e de sua base, a propriedade privada; cada uma dessas análises deve conduzir a essa conclusão: ´é preciso destruir Cartago´”. Destruir Cartago é a estratégia a que chegam as análises consequentes do fenômeno da opressão, quer dizer, destruir o capitalismo. Segunda citação: “As relações entre os sexos não são simplesmente a expressão da economia social e da necessidade física, dissociadas no pensamento por uma análise psicológica. A tendência a atribuir diretamente à base econômica da sociedade a modificação dessas relações, separando-as de sua conexão com toda a ideologia, já não seria marxismo, mas racionalismo”. Desde esse momento, os marxistas passaram a enfrentar mais abertamente o feminismo burguês e pequeno-burguês. Apenas assinalamos que os retrocessos impostos pela restauração capitalista na ex-União Soviética, entre outros percalços, abriram caminho aos revisionistas e aos adversários do marxismo, quanto à teoria e às teses programáticas sobre a opressão da mulher. Um de seus reflexos encontramos nas excrescentes formulações acadêmicas sobre “opressão de gênero e machismo”. Dessa trincheira, partem os ataques ao marxismo. O fato do movimento feminista pequeno-burguês ter ganho projeção, nos últimos tempos, e da ausência de uma fração de mulheres proletárias organizadas no partido revolucionário, tem facilitado a ofensiva ideológica de que os fundamentos de classe das opressões sociais estariam superados. O fracasso recorrente do reformismo e a demonstração na prática de que o capitalismo não pode resolver nenhum tipo de opressão, tendendo sempre a agravá-la, seja qual for a sua natureza, revelam a falsificação das “novas” teorias sobre as opressões, montadas a serviço da manutenção do capitalismo que se decompõe. A luta para organizar a mulher proletária no partido é parte da tarefa de superação da crise mundial de direção.

Nessa discussão teórica e programática, motivada pelo artigo de Gustavo Machado, devemos deixar claro que toda e qualquer reivindicação das mulheres oprimidas constitui o ponto de partida para evidenciar aos olhos das amplas massas o caráter de classe das opressões, suas consequências nefastas e a via da revolução proletária para superá-las. Nessa luta, as mulheres oprimidas desenvolvem a consciência de classe.  No momento em que se erguer um movimento das mulheres proletárias, sem dúvida, as massas femininas da pequena burguesia oprimida superarão as ilusões de que o capitalismo é reformável e as discriminações se definharão  progressivamente. Na situação em que ganha corpo a ideologia burguesa e pequeno-burguesa de gênero e de machismo, bem como a do racismo destituído de seu fundamento de classe, a vanguarda revolucionária está obrigada a retomar as teses marxistas e defendê-las, tanto na luta ideológica contra o revisionismo quanto no trabalho prático no seio dos explorados.