• 21 ago 2019

    79 anos do assassinato de Leon Trotsky

Declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional

No dia 20 de agosto de 1940, em Coyoacán, Cidade do México, Leon Trotsky recebeu um golpe mortal, vindo a morrer no dia seguinte. Lev Davidonovich Bronstein contava com 60 anos, quando o agente estalinista, Ramón Mercader, disfarçado de simpatizante do trotskismo, golpeou seu crânio. Tomado pelas costas, no instante em que lia um artigo de Mercader, o assassino, preparado pela polícia política de Stálin, cumpriu o objetivo de acabar com a vida do revolucionário bolchevique. A primeira tentativa de matar Trotsky, no dia 24 de maio de 1940, por meio de uma invasão de seu domicílio, falhou, apesar de os bandidos da GPU terem fuzilado seu aposento.

Os estalinistas procuraram implantar a versão de que se tratava da morte de um traidor da revolução, de um homem do imperialismo, e toda sorte de difamação. Em nome do socialismo e do leninismo, a burocracia termidoriana planejou e executou um dos mais importantes marxistas que se formaram, desde o início do século XX, e que estiveram à frente da revolução proletária na Rússia.

Como Lênin e inúmeros revolucionários, Trotsky passou pelo calabouço da monarquia, e teve de enfrentar anos de exílio. Conheceu Lênin nessa circunstância. Embora tenha tardado em compreender a concepção leninista do partido, e a sua luta contra o oportunismo menchevique, sempre se guiou pela teoria marxista da revolução proletária. Seus escritos de 1905, momento em que o proletariado despontava como a força motriz da revolução democrática, foram testados e comprovados pela Revolução de Fevereiro, e pela de Outubro de 1917. A teoria da revolução permanente não se constituiu apenas em um legado marxista particular à revolução russa, mas também em uma contribuição à teoria geral da revolução da época do capitalismo imperialista.

Dentre os revolucionários russos que mais se deu conta da tarefa de transformar a experiência histórica em teoria, foi um dos que mais se destacaram pelo lugar que ocupou na direção prática do movimento revolucionário. Trotsky compreendeu o valor estratégico dos sovietes, criados pelos explorados em luta, pela primeira vez, em 1905. Na revolução de Outubro, colocou todas as suas energias para que a orientação de Lênin se materializasse, embora houvesse aderido ao partido bolchevique somente no momento mais decisivo dos acontecimentos revolucionários. Visto, hoje, notamos que poderia ter realizado uma autocrítica mais consistente quanto às suas divergências com Lênin, e a aliança circunstancial com os mencheviques. No entanto, nenhum bolchevique da direção original foi tão bolchevique e leninista quanto Trotsky, tanto no período da revolução, quanto posteriormente.

O posto que Trotsky ocupou no processo da tomada do poder e na sua defesa diante da contrarrevolução, nos dois anos de guerra civil, de 1918 a 1920, bem como na organização inicial do Estado Soviético, desmentem as falsificações de  Stálin e asseclas, utilizadas como arma para expulsar Trotsky do Comitê Central, confiná-lo, degredá-lo, persegui-lo onde estivesse e, finalmente, destrui-lo fisicamente.

No momento em que se passou esse embate entre estalinismo e trotskismo, após a morte de Lênin, em 1924, a revolução havia internamente se firmado. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) se deparava com tarefas mais difíceis. Todas vinculadas à construção do socialismo. A expropriação da burguesia, a transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social e a nacionalização das terras tão somente assentavam as bases para o início do desenvolvimento das forças produtivas socialistas. A revolução apenas rompia um dos elos mais frágeis da cadeia mundial do capitalismo. A derrota da revolução na Alemanha interrompia o avanço do proletariado em toda a Europa. Estavam dadas as condições para um período de isolamento da União Soviética. Sabia-se que as profundas contradições do capitalismo imperialista acabariam abrindo novas condições revolucionárias, como de fato vieram a se dar já nos anos 1930.

É nesse marco que emergem as divergências no interior da direção do Partido Comunista Russo. É quando o partido mais necessitava do centralismo democrático. Inevitavelmente, colocava-se a existência de maioria e minoria nas discussões e tomada de decisões sobre a industrialização, a socialização no campo, a dissolução do poder do camponês rico, a quebra do processo de acumulação capitalista interno, etc. Erguia-se o perigo da restauração capitalista. O imperialismo mantinha seu cerco econômico. A combinação de pressões internas e externas se refletia na política econômica do Estado operário.

As divergências entre os principais dirigentes, concentradas entre Stálin e Trotsky, evidenciaram a burocratização prematura do partido. Caminhava-se para a eliminação do centralismo democrático, e, consequentemente, para a sua substituição pelo centralismo burocrático. Tudo em nome de Lênin e da tradição bolchevique.

Stálin levaria às últimas consequências na deformação e burocratização da ditadura do proletariado. O que lhe permitiu erguer um Estado policial. Liquidou praticamente toda a velha direção bolchevique. Armou os fraudulentos Processos de Moscou. E concluiu com o assassinato de Trotsky.

Esses acontecimentos, em sua mecânica, expõem a degeneração do partido, ao ponto de que se tornou o principal fator entre as forças restauracionistas. A ditadura burocrática iria enfraquecer o controle operário da produção, do partido governante e do Estado.

A vitória da fração imperialista, nas Segunda Guerra Mundial, que acabou sendo liderada pelos Estados Unidos, e a participação da União Soviética na partilha fortaleceram a tese de que a condução de Stálin e os avanços econômicos confirmavam os desvios do trotskismo. O proletariado mundial, no entanto, saiu da grande conflagração sem a III Internacional, liquidada por Stálin. A semente do nacionalismo socialista – abrigada na tese sobre a possibilidade de constituir o “socialismo em um só país” – seria fatal para o futuro da URSS. Evidenciou, nas condições do pós-guerra, que era uma expressão das forças restauracionistas, incrustadas na burocracia do Estado operário, que se degenerou gradativamente, na forma da ditadura burocrática. Estavam dadas as condições para a consolidação das premissas estalinistas sobre a possibilidade do desenvolvimento do socialismo, em meio à “coexistência pacífica” com o imperialismo “democrático”, e da “revolução pacífica”, caminho pelo qual trilharia o proletariado para chegar ao poder.

Lênin foi claro em demonstrar que o desenvolvimento das forças produtivas socialistas na URSS dependia da revolução mundial. Seguiu o princípio marxista de que a revolução, por sua forma, é nacional, e pelo seu conteúdo, internacional. Trotsky levou às últimas consequências esse postulado, em sua luta programática contra a tese estalinista do “socialismo em um só país”. E contra as deformações, introduzidas por Stálin, na elaboração de Lênin.

A liquidação programática da III Internacional começou justamente pela revisão dos postulados dos Quatro Primeiros Congressos da época de Lênin. A sua liquidação organizativa ocorreu precisamente no momento que Stálin sujeitou a URSS e os partidos comunistas à fração imperialista vencedora da Segunda Guerra e participou da partilha do mundo, contrariando completamente o programa elaborado por Lênin diante da Primeira Guerra. Bastou que os Estados Unidos assumissem o posto de potência hegemônica na nova partilha para que se armasse a “Guerra Fria” e recrudescesse o cerco econômico e militar à URSS e aos demais países em que a burguesia foi expropriada, para que se evidenciasse o profundo significado anti-marxista da liquidação da III Internacional. Essa concessão aos aliados imperialistas sentenciou a morte dos partidos comunistas no mundo inteiro.

Trotsky, seguindo as lições da luta de Lênin contra a destruição da II Internacional pelo oportunismo socialchauvinista – uma expressão do nacionalismo pequeno-burguês e capitulação diante da burguesia imperialista de seu próprio país–, se colocou pela construção da IV Internacional, assim que ficaram claras todas as evidências da degeneração da III Internacional pelo nacionalismo estalinista, e por sua incapacidade de servir à luta do proletariado, nas condições da nova conflagração internacional.

A liquidação da III Internacional destruiu o Partido Mundial da Revolução Socialista, que se constituiu, sob a direção de Lênin, em meio à Primeira Guerra, à Revolução Russa e ao agravamento da luta de classes em todo o mundo. A IV Internacional, distintamente, nasceu na contracorrente das forças históricas. Não teve como se apoiar em um partido bolchevique e em um levante revolucionário da classe operária.

O triunfo do estalinismo pôde se escorar nas conquistas da revolução de Outubro, principalmente no Estado operário, se bem que desfigurado. Trotsky, isolado e perseguido, se viu na condição dos exilados russos pela monarquia. Desta vez, cercado pelos estalinistas e pelos governos imperialistas, que acatavam os pedidos de Stálin de não permitir nenhuma trégua, a quem tomou como seu maior e mais perigoso inimigo. O último refúgio foi dado pelo governo nacionalista do México, depois de Trotsky peregrinar pela Turquia, França, Inglaterra e Noruega.

De seu abrigo mexicano, liderou a fundação da IV Internacional, em setembro de 1938. O seu Programa de Transição para a Revolução Socialista, exprime a imagem precisa da situação de crise estrutural do capitalismo da época imperialista, os perigos da degeneração do Estado operário na URSS, e as tarefas históricas que decorrem de conjunto. Deu continuidade ao programa dos Quatro Primeiros Congressos da III Internacional, e incorporou a luta contra a sua liquidação.

A IV Internacional cumpriu a tarefa histórica de defender as conquistas revolucionárias do proletariado, e de preservar o programa e a teoria marxista da revolução proletária e do internacionalismo. Conserva em todos os aspectos fundamentais sua vigência. A sua fragmentação e dissolução na década de 1960, em consequência do revisionismo, iniciado em meados de 1950, expressou a incapacidade de sua direção de assimilar a luta de Trotsky contra o termidor estalinista, e de impulsionar suas seções a aplicarem o Programa de Transição, constituindo-se em partido-programa, e a penetrarem no seio do proletariado de seus países.

Sem que as seções se constituíssem como vanguarda no interior da classe operária, a exemplo do POR da Bolívia, não era possível que a IV Internacional se levantasse como Partido Mundial da Revolução Socialista. A não ser na sua constituição como programa internacionalista, e como síntese do percurso do combate da Oposição de Esquerda ao revisionismo estalinista. Da crise que se instaurou após a morte de Trotsky, infelizmente, não surgiu uma fração que encarnasse os ensinamentos do leninismo. A IV Internacional acabou fragmentada, em correntes centristas. Fenômeno que persiste até os nossos dias, expressando a profunda crise de direção aberta com a destruição do partido bolchevique e liquidação da III Internacional.

A derrocada definitiva da URSS se encarregou de comprovar o lugar do estalinismo de coveiro da revolução. Os Partidos Comunistas se despedaçaram, expondo sem atenuantes sua adaptação ao capitalismo e à sua democracia putrefata. Eis por que partidos históricos, como o Partido Comunista Italiano (PCI), acabaram renegando o marxismo-leninismo, e confluindo para o leito da socialdemocracia.

As tentativas mais recentes, de se desfazerem das vestes estalinistas, acabaram colocando os PCs, ainda mais na dependência do nacionalismo. Não têm como se reivindicar do internacionalismo. Nenhum deles escapou da responsabilidade sobre a liquidação da III Internacional. O nacionalismo chavista em alta, com a impostura do seu “socialismo do século XXI”, se aventurou a levantar a bandeira de uma V Internacional. Bastou que o regime burguês nacionalista de Chávez entrasse em colapso, para que a fraude se desmanchasse.

Não há fórmula, não há atalho, para resolver a crise de direção. A vanguarda tem em suas mãos o programa, a teoria e a rica experiência das revoluções do século passado, principalmente a da revolução russa. Tem também a trágica experiência da fragmentação da IV Internacional, que expressou e expressa o abandono do Programa de Transição, dos Quatro Primeiros Congressos da III Internacional e das conquistas teóricas do leninismo. Qualquer ruptura na cadeia de relação entre marxismo-leninismo-trotskismo resulta em confusionismo, oportunismo e revisionismo contrarrevolucionário. Resulta em obstáculo à luta da vanguarda proletária por resolver a tarefa histórica da crise de direção mundial. Resulta em desvio do objetivo de construir o Partido Mundial da Revolução Socialista.

O Comitê de Enlace pela Reconstrução a IV internacional trabalha sobre a base dessa compreensão. O capitalismo não rejuvenesceu com o processo de restauração capitalista. Ao contrário, se mostra completamente impossibilitado de resolver a contradição entre as suas forças produtivas altamente desenvolvidas e as relações de produção na forma monopolista; impossibilitado de resolver o choque entre as forças produtivas e as fronteiras nacionais. A crise aberta em 2008 indicou – entre todas as crises econômicas do pós-guerra – que tais contradições empurram o capitalismo a realizar a destruição de forças produtivas em grande escala. Esse é o sentido da guerra comercial, declarada por Trump. A retomada dos choques interimperialistas, próximos ao nível dos anos 1930, põe à luz do dia as premissas objetivas da revolução socialista.

Viva a luta de Trotsky em defesa do internacionalismo marxista-leninista!