• 05 set 2019

    81 anos da fundação da IV Internacional

3 de setembro de 2019

A IV Internacional foi fundada em 3 de setembro de 1938. Reunidos nas imediações de Paris, os delegados aprovaram o Programa de Transição para a Revolução Socialista. O nascimento da IV Internacional refletiu a crise de 1929. Em 1 de setembro de 1939, um ano após a sua fundação, a Alemanha iniciou a Segunda Guerra Mundial. Uma outra data de máxima importância é a de 20 de agosto de 1940, quando Trotsky foi assassinado por um agente da polícia política de Stalin. A fundação da IV Internacional e a morte de Trotsky, como se vê, ocorreram em meio à conflagração bélica, que superaria a Primeira Guerra Mundial, em todos os aspectos. É sintomático que Stalin ordenasse a extinção da III Internacional em junho de 1943, meses antes da Conferência de Teerã, em que se reuniu com Roosevelt e Churchill, em novembro desse mesmo ano. A guerra se encerraria em agosto de 1945. A resistência do Japão em admitir a derrota serviu de motivo para os Estados Unidos realizarem a experiência com a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki.

A Primeira Guerra Mundial gestou uma situação revolucionária na Europa, impulsionou a revolução proletária na Rússia, golpeou a II Internacional e obrigou os marxista-leninistas a fundarem a III Internacional. Os seus Primeiros Quatro Congressos, de 1919 a 1922, constituíram o programa do Partido Mundial da Revolução Socialista da época do capitalismo imperialista. A guerra, a polarização da luta de classes mundial e a formação da III Internacional projetaram o socialismo científico de Marx e Engels, permitiram as novas formulações de Lênin, fortaleceram os pilares do programa revolucionário internacionalista e favoreceram a construção de uma vanguarda mundial em toda a parte. A confirmação das teses leninistas sobre a guerra imperialista e a sua incorporação nas bases teóricas e programáticas do Partido Mundial da Revolução Socialista, que era a III Internacional, deram um salto de qualidade nos fundamentos do internacionalismo, contidos nos principais escritos de Marx e Engels, principalmente no Manifesto do Partido Comunista e no Socialismo Utópico e Científico. A Revolução Russa e a III Internacional se ergueram em meio à Primeira Guerra e à luta do proletariado contra os horrores do capitalismo em desintegração.

A rachadura nas bases do capitalismo teria de ser consolidada e ampliada com o fortalecimento da III Internacional, com o avanço dos partidos comunistas, suas seções, e novas conquistas do proletariado no campo da luta de classes. Somente assim, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) poderia enfrentar o cerco do imperialismo, avançar na transição para o socialismo e se manter como pilar de novas revoluções e do internacionalismo. Um enfraquecimento nessa tarefa histórica, que permitisse um desvio do internacionalismo marxista-leninista na URSS, poderia ser fatal para a ampliação da rachadura mundial provocada pela primeira revolução socialista vitoriosa.

A III Internacional foi constituída sobre os escombros da II Internacional, prostituída pelo revisionismo. Lênin travou uma intensa e sistemática luta por manter a unidade programática e prática da Revolução Russa com a revolução mundial. Teve a clareza de assinalar que sem o avanço do proletariado contra as trincheiras do imperialismo e da burguesia em geral não seria possível manter em pé o Estado operário e a transição para o socialismo na URSS. É necessário compreender a importância do fato da III Internacional ter nascido ainda em 1916, sob a forma do programa internacionalista, aplicado à situação de guerra mundial, quando Lênin concluiu que a II Internacional estava morta para o proletariado na Europa e, em especial, para a revolução que se despontava na Rússia. Eis por que a sua fundação organizativa, em 1919, teve como lastro o bolchevismo e a própria revolução de Outubro de 1917.

Trotsky se apoiou nessa experiência e no exemplo da conduta inflexível de Lênin diante dos desvios e negação dos fundamentos marxistas do internacionalismo. A degeneração estalinista do Partido Comunista da União Soviética e, consequentemente, da condução do Estado Operário atingiria a III Internacional. O resultado seria o da burocratização, revisão programática e decomposição do Partido Mundial da Revolução Socialista. A tese de Stalin sobre a possibilidade da construção do socialismo em um só país desfecharia um golpe na continuidade programática dos Primeiros Quatro Congressos da Internacional Comunista, no seu fundamento centralista democrático e no método coletivo de dirigir a Internacional. A imposição do centralismo burocrático à suas seções e a subordinação de suas direções nacionais à burocracia montada por Stalin seriam desastrosas. Os partidos comunistas assumiram a substituição do centralismo democrático pelo centralismo burocrático. Perderam, assim, a capacidade de compreender as particularidades da revolução em cada país como expressão das leis gerais. A política ditada desde Moscou a III Internacional e desta às seções levaria ao seu afastamento cada vez maior do marxismo e do papel histórico do partido de dirigir a revolução proletária. Os partidos comunistas acabaram por seguir o zigzague do terceiro período, esquerdista, de 1928 a 1934, e do período das frentes populares, a partir de 1934, oportunista. O esquerdismo levou os comunistas da Alemanha a se negarem a constituir a frente única com a socialdemocracia para unir a classe operária contra a ascensão de Hitler. O oportunismo, por sua vez, os levou à colaboração de classes, na França, Espanha, etc. O resultado geral foi o de subordinar a classe operária às disputas interburguesas e, em particular, de fortalecer o campo da contrarrevolução, a exemplo da Espanha.

É sobre a base desses acontecimentos e do desenvolvimento da política revolucionária pela Oposição de Esquerda Internacional que Trotsky concluiu pela necessidade de modificar a posição anterior de recuperar a III Internacional. Era chegada a hora de fundar a IV Internacional. Essa avaliação foi feita logo que Hitler chegou ao poder em 1933. Em maio de 1935, foi publicada a Carta Aberta pela criação da IV Internacional. A Oposição de Esquerda Internacional – bolchevique-leninista passou a ser chamada, a partir de 1933, de Liga Comunista Internacional. A mudança se deveu à conclusão de que não se tratava mais de funcionar como uma fração da III Internacional, voltada a recuperá-la. A Liga Comunista tinha por objetivo levar adiante a caracterização de que a III Internacional estava morta para a revolução socialista e que a tarefa, dali em diante, era a de constituir a IV Internacional.

A Carta Aberta pela criação da IV Internacional inicia expondo o motivo fundamental da ruptura. “O ascenso de Hitler ao poder, que não encontrou a menor resistência da parte dos ´poderosos´ partidos operários – um dos quais, assombrosamente, tem sua base de apoio na URSS – expôs inegavelmente a putrefação interna das internacionais Segunda e Terceira”. O que levou à constatação: “A burocracia governante da URSS chegou à conclusão definitiva de que a Internacional Comunista é incapaz de prestar a menor ajuda diante do perigo da guerra e que, ao mesmo tempo, constitui um estorvo à diplomacia soviética. A dependência humilhante, verdadeiramente servil, da Internacional Comunista em relação ao extrato superior soviético se revela nitidamente na recente declaração de Stalin em que aprova a política de defesa nacional do imperialismo francês … A prostração, derrocada e putrefação da Segunda e Terceira Internacionais deixam o proletariado carente da direção revolucionária e conduzem as massas pequeno-burguesas ao desespero. Os dirigentes decadentes procuram atribuir a responsabilidade do triunfo do fascismo à ´passividade´ do proletariado; assim, a calúnia complementa a traição”. (…) “Assim, a eclosão de uma nova guerra levará forçosamente a uma nova traição, que eclipsará a de 4 de agosto de 1914”. (…) “A nova época requer uma nova Internacional. A primeira premissa para o êxito nesse caminho é a forte consolidação nacional e internacional dos autênticos revolucionários proletários, os discípulos de Marx e Lênin, sobre a base de um programa comum e sob uma bandeira comum”.   

A posição de Trotsky era a de realizar uma conferência, o mais rápido possível, para decidir sobre a criação da IV Internacional. Em julho de 1936, organizou-se o Movimento pela IV Internacional. Em 3 de setembro de 1938, reuniu-se nas proximidades de Paris, a Conferência de fundação da IV Internacional. Observa-se que foi importante amadurecer, no interior dos agrupamentos que formavam a Liga Comunista Internacional, a discussão do programa. Havia plena consciência da fraqueza organizativa sobre a nova Internacional. Ao mesmo tempo, a compreensão de que se tratavam da defesa do internacionalismo proletário nas condições de degeneração estalinista do Partido Comunista da União Soviética, da transformação da III Internacional em apêndice da burocracia de Moscou, do período convulsivo aberto pela crise econômica de 1929 e da Segunda Guerra Mundial, que se avizinhava. O Programa de Transição da IV Internacional se tornou o marco da reconstituição do Partido Mundial da Revolução Socialista. A Conferência de sua fundação se deu em condições completamente diversas daquelas em que se fundou a III Internacional. A crise posterior da IV Internacional, já nos anos de 1950 e 1960, que a fragmentou, não atingiu absolutamente nada dos fundamentos históricos e programáticos da IV Internacional. Revelou, porém, a fragilidade de suas seções e a incapacidade de sua direção em desenvolver as bases do Partido Mundial da Revolução Socialista.

A extinção da III Internacional, a mando de Stalin, e sob seu agente Dimitrov, em 9 de junho de 1943, confirmou fisicamente a previsão de Trotsky de que essa organização havia se tornado um obstáculo à diplomacia do governo estalinista com as potências imperialistas. Há um vínculo indissolúvel entre essa decisão e a realização da Conferência de Teerã, 28 de novembro de 1943. Essa Conferência, que reuniu Roosevelt, Churchill e Stalin, resolveu sobre as primeiras partilhas e anexações, como resultados da previsível derrota da Alemanha. Stalin rompia completamente com o programa bolchevique-leninista sobre a guerra imperialista, que condenava a partilha e as anexações. Concluía-se a ruptura do estalinismo com o internacionalismo proletário. Em agosto de 1935, Trotsky analisou a política revisionista, que destruiria a III Internacional, no artigo O Congresso de Liquidação do Comintern. Afirma: “O sétimo Congresso do Comintern, que, no momento em que estas linhas são inscritas, não havia concluído suas deliberações, passará à história, cedo ou tarde, como o congresso de liquidação do Comintern”. Isso por que, explica Trotsky, ali se realizava “a liquidação do programa, dos princípios e dos métodos táticos estabelecidos por Lênin”. Assim, se preparava “a abolição total do Comintern como organização independente”.

A semelhança entre o que se passou com a Segunda Internacional, diante da Primeira Guerra Mundial, e a Terceira Internacional, na Segunda Guerra, é extraordinária. A aliança de Stalin com os Estados Unidos, Inglaterra e França implicou que a Terceira Internacional estalinizada não aplicasse a linha estabelecida pelos bolcheviques de voltar as armas contra os governos e as frações imperialistas em guerra. Trotsky se refere aos “comunistas chauvinistas”, que passaram a utilizar o argumento de que a URSS estava em perigo e, portanto, justificava esse tipo de aliança. No artigo Lênin e a guerra imperialista”, de 30 de dezembro de 1938, mostrará que o imperialismo se tornou “mais violento e opressor”, sendo que o “fascismo é sua expressão mais acabada” e que “as democracias imperialistas se degeneraram muito mais e evoluíram, natural e organicamente, ao fascismo”. De maneira que se aplicava plenamente os fundamentos leninistas da teoria sobre a guerra imperialista. Trotsky concluiu, referindo-se à III Internacional: ” Durante dezessete anos, os princípios de Lênin conservaram toda a sua força. Recentemente, há quatro ou cinco anos, tomou a forma da política comunista chauvinista. Portanto, o argumento da existência da URSS é falso”.

Em março de 1939, Trotsky voltou à questão no artigo “O que existe por trás da oferta de Stalin de chegar a um acordo com Hitler”. Indicou o perigo da bandeira desfraldada pelo estalinismo de “defesa da democracia”. Um acordo que ocultasse o caráter de classe da guerra e dos governos levaria a classe operária ao engano. O fato do Estado Operário se encontrar em avançado estágio de degeneração burocrática não poderia chegar a um acordo com uma das frações do imperialismo sem que comprometesse a luta de classes contra sua própria burguesia. Qualquer que fosse o acordo não resultaria na defesa das conquistas da revolução na URSS, mas sim na “dos interesses da camarilha governante do Kremlin e em detrimento dos interesses da classe operária internacional”. Seis meses depois, em 4 de setembro de 1939, Trotsky caracterizou o acordo Ribbentrop e Molotov como “uma capitulação de Stalin diante do imperialismo fascista, objetivando resguardar a oligarquia soviética”. Nem bem foi assinado o pacto germano-soviético, a Alemanha invadiu a Polônia. As consequências para a III Internacional foram imediatas, uma vez que pôs à luz do dia o abandono completo do leninismo. O início das operações militares evidenciou os reais motivos da Segunda Guerra Mundial. Caiu por terra a explicação estalinista de que se tratava do choque entre as democracias e o fascismo. Stalin havia contraído um acordo justamente com o carro-chefe do nazifascismo. No artigo “Quem é o culpado de ter começado a Segunda Guerra Mundial”, 5 de setembro de 1939, Trotsky deduziu que a “guerra atual, que seus protagonistas começaram antes de firmar o Tratado de Versalhes, surgiu como produto das contradições imperialistas”. Demonstrou que o “rearmamento da Alemanha nazista teria sido impossível sem a ajuda direta da Inglaterra”, de maneira que “os antagonismos dissimulados, mas profundos, entre as democracias, foram o trampolim de Hitler”. Em contraposição à diretriz de Stalin, Trotsky estabeleceu que “a tarefa dos autênticos representantes da classe operária e das nações oprimidas não consiste em ajudar um setor imperialista contra outro, mas de fazer com que as massas trabalhadoras de todos os países compreendam o sentido reacionário da presente guerra, em elevar seu programa (federação socialista mundial de nações) e em se preparar para substituir o regime de saque pelo de cooperação internacional”. 

A IV Internacional realizou uma Conferência de emergência, entre 19 e 26 de maio de 1940, em Nova York. Discutiu e aprovou o Manifesto da IV Internacional sobre a guerra imperialista e a revolução proletária mundial”. Apoiou-se na advertência de Lênin: “O imperialismo arrisca o destino da cultura europeia. Depois desta guerra, se não triunfam umas quantas revoluções, virão outras guerras”. O Manifesto recolocou a premissa e o princípio leninista, afirmando que “a tarefa colocada pela história não é a de apoiar uma parte do sistema imperialista contra a outra, mas de acabar, de conjunto, com o sistema”. Afirmou: “O triunfo dos imperialistas da Inglaterra e França não seria menos terrível para a sorte da humanidade que o de Hitler-Mussolini. Não se pode salvar a democracia burguesa. Ajudando as suas burguesias contra o fascismo estrangeiro, os operários somente acelerarão o triunfo do fascismo em seu próprio país”. Sob a bandeira “Esta guerra não é nossa!”, o Manifesto concluiu: “Distintamente da Segunda e Terceira Internacional, a Quarta Internacional não constrói sua política em função dos chefes militares dos Estados capitalistas, mas sim da transformação da guerra imperialista em guerra dos operários contra os capitalistas, da derrocada da classe burguesa em todos os países e da revolução socialista mundial”. 

Trotsky não viveu para responder à virada de Stalin, em junho de 1941, quando a Alemanha passou por cima do acordo de não-agressão e atacou a URSS.  O alinhamento com os Estados Unidos e Inglaterra concluiu com uma nova partilha do mundo nas Conferências de Yalta e Potsdam, de 1945.  Confirmou integralmente a análise da IV Internacional de que Stalin e sua burocracia violariam os fundamentos programáticos do leninismo. O Programa de Transição e o objetivo de reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista se mostraram corretos. O fortalecimento circunstancial da União Soviética e a constituição das denominadas Repúblicas Populares, que em grande medida resultaram da partilha, bem como a reconstrução capitalista da Europa sob a égide dos Estados Unidos, bloquearam o desenvolvimento da IV Internacional. Os partidos comunistas do mundo inteiro consumiram a ilusão de que Stalin tinha razão em sua tese sobre a possibilidade de construir o “socialismo em um só país”. O importante fato histórico de a URSS não ter sido derrotada evitou que fosse destroçada pelo imperialismo. No caso de ter sido derrotada, seria transformada em uma semicolônia. A IV Internacional, em todo o momento, se colocou em defesa da União Soviética, sem, contudo, deixar de combater diuturnamente a política de Stalin.  No entanto, a vitória não serviu ao proletariado mundial. A nova partilha do mundo consolidou a hegemonia norte-americana. Essa hegemonia permitiu estabelecer um novo marco de isolamento da União Soviética, que acabou por se desintegrar nos anos de 1990.

Não resta dúvida que a liquidação da III Internacional fez parte da subordinação da URSS à política de guerra do imperialismo. A impossibilidade de a IV Internacional se consolidar e avançar, após o assassinato de Trotsky, provocou e provoca um grande atraso na tarefa de superação da crise de direção revolucionária. Nestes 81 anos de fundação da IV Internacional, o Comitê de Enlace se firma com a bandeira de reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista. A construção do Partido Operário Revolucionário no Brasil e o fortalecimento das seções do Comitê de Enlace são a condição para impulsionar essa tarefa, uma vez que as inúmeras correntes centristas, que ainda se reivindicam do trotskismo, abandonaram o Programa de Transição.

 Estamos em meio à retomada da profunda crise do capitalismo, que em 1929 deu passagem a Segunda Guerra Mundial. A vanguarda tem o dever de se dedicar inteiramente ao objetivo de pôr em pé o partido marxista-leninista-trotskista. As condições objetivas da revolução proletária estão plenamente dadas. O que não se pode dizer o mesmo das condições subjetivas, que correspondem à existência dos partidos revolucionários e da Internacional. Essa é a contradição indicada no Programa de Transição, que se agravou após o assassinato de Trotsky e a dissolução da IV Internacional. O fundamental da situação presente, no entanto, consiste em que a crise mundial do capitalismo impulsiona a luta do proletariado e dos demais explorados, abrindo caminho ao trabalho de superação da crise de direção.

Viva os 81 anos da IV Internacional!

Reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista!