• 22 set 2019

    Manifesto – Ao Congresso da CSP Conlutas

É bem provável que a maioria dos delegados tenha claro que a burguesia e os seus governos estão obrigados a descarregar a crise do capitalismo sobre as costas da classe operária e da maioria oprimida. Deve também ter deparado-se, ou empunhado a bandeira “Não pagaremos pela crise, que não é nossa”. O fato é que estamos pagando caríssimo. Arcamos com um dos maiores ataques a antigas conquistas e a nossas condições elementares de existência.

Temer e Bolsonaro passaram tranquilamente por cima dessa bandeira. Mostraram que, com palavreado, não se vence a burguesia, disposta a tudo para salvar os seus interesses.

Com absoluta certeza, todos os delegados participaram do movimento de abril de 2017, e de maio e junho de 2019. Várias foram as manifestações, e duas greves gerais. Estivemos, portanto, em ação. É nesse terreno que a burguesia e seus governos temem as bandeiras dos explorados. Se os explorados afirmam “Não pagaremos pela crise, que não é nossa”, estando em greve, já não se está no campo do palavreado. A questão, nesse caso, passa ser a de correlação de forças entre os exploradores e os explorados.

Os inimigos da maioria oprimida se perguntarão se as massas se levantarão em poderoso movimento, ou se apenas ensaiarão a luta. É o que fizeram Temer, em 28 de abril de 2017, e Bolsonaro, em 14 de junho. Constataram que a bandeira “Não pagaremos pela crise, que não é nossa” não tinha como se materializar, com um movimento limitado no espaço e no tempo.

A pergunta, agora, é a de saber se a classe operária e demais explorados não estiveram à altura de travar o combate, ou se sua direção não as organizou para vencer, ou, então, se nem os explorados estavam à altura, nem a sua direção se empenhou. Em princípio, o Congresso da CSP Conlutas – bem como o da CUT, que se realizará em seguida – nasce morto ou natimorto, uma vez que o momento mais agudo da luta contra a reforma da Previdência já passou. A classe operária precisava desse Congresso para orientar e organizar o enfrentamento a Bolsonaro. Se os delegados não responderem à questão do porquê a bandeira “Não pagaremos pela crise, que não é nossa” não teve o poder de confrontar as massas com o governo e o Congressso Nacional, então, não terá nem mesmo um só respiro de vida. As Teses do Partido Operário Revolucionário, de suas correntes sindicais, e do Boletim Nossa Classe, se baseiam nessa questão. Não vemos a mesma orientação nas demais Teses, embora estejam obrigadas a fazer referências nesse sentido. A direção da CSP-Conlutas tem o dever de evidenciar fielmente o que se passou na direção do movimento e apresentar seu balanço. Houve derrota? Houve traição? Qual foi a posição da CSP-Conlutas?

O Congresso não pode ter uma discussão séria, objetiva, classista e revolucionária, caso não parta da avaliação das experiências da resistência das massas às contrarreformas de Temer e Bolsonaro. O Congresso se realiza depois de duas profundas derrotas da maioria oprimida. Distintamente seria, se ocorresse depois de vitórias, ainda que parciais. O centro das discussões, portanto, está na explicação sobre o que facilitou a imposição das contrarreformas pela burguesia e seu governo. E como enfrentar, daqui para diante, a derrota e as novas ofensivas de Bolsonaro.

As Teses do POR atribuem, como causa das duas derrotas, as traições da direção sindical. O fator fundamental se concentra na frente burocrática das centrais. Os movimentos, de abril de 2017, e de maio-junho deste ano, não estiveram sob uma frente única classista. É obrigatório distinguir a frente burocrática da frente classista. Não se pode ocultar ou disfarçar o caráter burocrático da frente com a bandeira de frente unitária classista. A direção da CSP-Conlutas não foi capaz de se diferenciar e combater a orientação da direção burocrática hegemônica. No Congresso, deve explicar aos delegados sua conduta política.

As Teses do POR mostram que a direção da CSP Conlutas se adaptou à frente burocrática das centrais, anulando-se como possibilidade de se erguer como um polo classista. A cisão com a CUT tão somente serviu ao divisionismo burocrático, que se ampliou. A frente burocrática é expressão política da negação da tarefa histórica de organizar a classe operária e os demais oprimidos em uma única central, democrática, classista e independente da política burguesa. É necessário combater o divisionismo em todos os aspectos, assim como combater o frentismo burocrático pró-capitalista. Estamos convencidos de que assim se passou, mas cabe aos delegados discutir criticamente a nossa certeza. Para isso, é essencial considerar se houve derrotas, se a principal causa se encontra em sua direção, e se tal frente foi burocrática ou não. De nossa parte, afirmamos que houve derrotas profundas, causadas principalmente pela orientação política da direção das centrais, e que a frente que dirigiu o movimento foi inteiramente burocrática.

Houve um acordo, tácito ou negociado, de que o limite da luta era o Congresso Nacional. E de que o objetivo das mobilizações era o de apoiar os deputados da oposição, que apresentariam emendas ao projeto original, como parte das discussões na Câmara dos Deputados. Isso era o máximo que se poderia fazer, de maneira que as centrais não poderiam ser acusadas pela burguesia, pelo governo e pelo parlamento, de bombardearem a democracia. Não se tratava de abrir caminho por uma grande mobilização que colocasse as massas em choque, não só com o governo recém-eleito, mas também com o Congresso Nacional. Esse foi o limite pré-estabelecido para a greve geral de 14 de junho.

Não é o caso, aqui, de detalhar a sabotagem havida no interior da própria frente. Mas, bastou que fosse parcial e menor que a greve de 28 de abril, para a burocracia atribuir a responsabilidade aos trabalhadores. E, assim, justificar a passividade posterior. A greve organizada, cuja presença da espontaneidade é pequena, depende dos explorados confiarem nos propósitos e na firmeza da direção. Depende de utilizar de todo o potencial e meio existentes para organizar o combate e alcançar o máximo de unidade da classe operária e demais explorados. Essa é a condição para minimizar o peso de outros fatores contrários à luta, como as ilusões de uma parte dos explorados no governo que ajudou a eleger, o alto desemprego, as ameaças de demissões, a pressão do Estado contra os sindicatos, etc.

Os marxistas procuraram reconhecer e considerar todos os aspectos favoráveis e desfavoráveis à greve geral, forma elevada de luta de classes. A greve geral de 28 de abril de 2017 foi mais potente, certamente contou a seu favor com a rejeição generalizada da população ao governo Temer. Tinha tudo para ser o ponto de partida pela derrubada das contrarreformas da ditadura civil, originada do golpe de Estado. Mesmo assim, a direção burocrática desmontou o movimento, já no 1º de Maio. A reforma trabalhista e a lei da tercerização foram aprovadas na mais abjeta pasmaceira social. Essa derrota marcou as massas. Já não tinham confiança de que sua ação direta derrubaria o projeto de Bolsonaro. Certamente, sem compreender que o problema não residia na ação direta, na greve geral, mas nos limites impostos pela direção traidora. O conteúdo político de tais limites precisa ser exposto neste Congresso, sem atenuantes e volteios.

As direções das centrais estão comprometidas com os partidos no Congresso Nacional, principalmente com o PT e Solidariedade. O PT se constitui como oposição reformista; o Solidariedade, como uma nomenclatura, que é governista ou oposicionista, conforme a situação e interesse do momento. No caso das contrarreformas, as centrais se viram obrigadas a se juntarem, para enganar as massas e servirem à oposição parlamentar. Os burocratas partiram da avaliação de que a crise econômica e a necessidade de crescimento do País tornaram necessárias as reformas. O problema está, portanto, em como distribuir as consequências entre o capital e o trabalho.

,A meta de amenizar os ataques aos explorados, sem contrariar os interesses da burguesia, levou ao desarme do movimento. A subordinação da luta ao Congresso Nacional impossibilitou e impossibilita a independência da classe operária diante da política burguesa. Nota-se que a frente burocrática se caracteriza por ser expressão, no seio dos explorados, da política dos partidos adaptados ao capitalismo e serviçais da democracia formal. Inevitavelmente, a política de conciliação de classes levaria à traição do movimento, e à derrota das massas. A experiência com essa direção traidora foi bem clara, sob o governo de Temer. Voltou a se repetir, sob Bolsonaro. A CSP-Conlutas tinha a obrigação de combater abertamente a tática e estratégia de conciliação de classes da frente burocrática.

A vanguarda tem pela frente um longo e árduo caminho de luta pela independência política e organizativa do proletariado. Não pode avançar, sequer um milímetro, sem um claro balanço das duas traições e das duas profundas derrotas. O sentido dessa tarefa é o de preparar um novo momento de luta, provavelmente em situação muito mais difícil que a de abril de 2017 e maio-junho de 2019. Daqui para diante, pesará ainda mais a desconfiança dos explorados na direção conciliadora, pró-capitalista e venal. Os embates contra as reformas trabalhista e da Previdência não deixaram uma base organizativa independente e classista. A  burocracia se dedicará à preparação das eleições municipais, apostando eleitoralmente na crise econômica e política, que continuarão a vigorar. A posição do pouco que resta das direções classistas deve ser diametralmente oposta.

Bolsonaro pretende concluir seu governo com uma virada na política econômica, trabalhista e previdenciária, que nenhum governo pós ditadura militar conseguiu. O golpe de Estado de 2016 e a ditadura civil de Temer pavimentaram o caminho das radicais contrarreformas e do entreguismo pró-imperialista, encarnados pelo “bolsonarismo”. Nem bem a reforma da Previdência passava por seus últimos trâmites no Senado, aprova-se a Lei da Liberdade Econômica, que vai mais fundo na reforma trabalhista. O ministro Paulo Guedes está empenhado em “desonerar a folha de pagamento” dos capitalistas, livrando-os de encargos trabalhistas e previdenciários. Trabalha por extinguir o reajuste automático do salário mínino de acordo com a inflação, por facultar aos governos a redução salarial do funcionalismo, por eliminar o abono salarial, e outras “bondades” exigidas pelo capital financeiro e credores da dívida pública. O Congresso deve, não apenas aprovar uma plataforma de reivindicações, como dar expressão organizativa à continuidade da luta. Que se defina pela frente única classista, contraposta à frente burocrática. Que impulsione à formação dos comitês de base. Que aprove uma campanha nacional em defesa dos empregos e dos salários, e pela derrocada das contrarreformas.

A direção burocrática e o reformismo se mostraram serviçais diante do capital financeiro, quando estavam no poder, e, impotentes, na condição de oposicionistas ao golpe e aos governos ditatoriais. Estão contribuindo para a burguesia impor seus planos antinacional e antipopular ao País. Somente com a libertação da classe operária dessa política, constituindo uma direção que empunhe o programa da revolução proletária, é possível derrotar a ofensiva da burguesia em decomposição. O Congresso da CSP-Conlutas deve discutir e aprovar a estratégia de poder próprio dos explorados, da tática assentada na luta de classes, da luta por um governo operário e camponês e pela libertação do País do domínio imperialista.