• 12 nov 2019

    Somente a classe operária, com sua política própria, pode solucionar a crise de poder na Bolívia

Declaração do POR de Brasil

Ampla mobilização popular em todo o país levou à queda de Evo Morales
Somente a classe operária, com sua política própria, pode solucionar a crise de poder

11 de novembro

A renúncia de Evo Morales, no dia 10 de novembro, concluiu uma fase da crise política, que se vem desenvolvendo desde a última eleição, de 2014, e que se agudizou ao extremo, nas eleições de outubro de 2019. Como se vê, formalmente, o ponto de partida da ruptura se encontra na divisão interburguesa, que se expressou concentradamente na disputa eleitoral entre Evo Morales e o candidato opositor Carlos Mesa.  Dizemos formalmente, porque a divisão interburguesa deu lugar à intervenção das massas oprimidas, que se generalizou por todo o país. Foi precisamente a contestação nas ruas que atingiu a capacidade política de Evo e de seu partido MAS de sustentar a vitória de Pirro, no pleito que lhe daria um quarto mandato.

Evo foi eleito presidente da República em 2005, governou por 13 anos. Sua ascensão se deveu à revolta dos explorados, que derrubou o governo de Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003. É nos marcos dessa crise que se potenciou a candidatura indígena de Evo. É preciso considerar que esse fenômeno ímpar na história da Bolívia se deu em um momento de derrocada de governos francamente pró-imperialistas, denominados de neoliberais, na América Latina. Coincidentemente, o esgotamento do governo MAS (Movimento ao Socialismo) ocorreu no quadro de declínio dos governos nacional-reformistas.

A incapacidade dos governos, identificados com o reformismo burguês, de enfrentar o furacão da crise econômica mundial, aberta em 2008, evidenciou o seu servilismo à fração da burguesia monopolista e da oligarquia local. As pretensões reformistas de alterar as tendências à crescente concentração das riquezas nas mãos da minoria e a expansão da miséria à maioria oprimida esbarraram nas condições históricas do capitalismo em sua fase imperialista de decomposição. Esses governos despertaram a ilusão nas massas, de que era possível mudar o “modelo” de concentração para o de distribuição, de inclusão dos miseráveis, e de redução das desigualdades sociais. Manobras nesse sentido foram possíveis, ainda que limitadamente, nas circunstâncias em que a economia mundial teve um desempenho favorável entre 2003 e 2008.

O que se passa na Bolívia se passou, tanto nos países latino-americanos de baixa industrialização, quanto nos de industrialização mais avançada, a exemplo do Brasil e Argentina. A Venezuela se destaca nesse processo, por constituir o epicentro da crise dos governos nacional-reformistas. A queda do preço do petróleo e o cerco econômico dos Estados Unidos potenciaram a crise do governo nacionalista, mais radical que o de Evo Morales e demais governos nacional-reformistas. Não sendo capazes de impulsionar as reformas e combater as pressões da fração burguesa pró-imperialista, acabaram se desmoralizando diante dos explorados.

Evo Morales iniciou seu governo com ares de radicalismo nacionalista, tomando algumas medidas de controle da exploração do petróleo e gás, que vinham descaradamente sendo saqueados pelas petroleiras. O ímpeto nacionalista logo se desfez, com as negociatas que atenderam aos interesses das multinacionais, ainda que tivessem de pagar um pouco mais pelo direito de exploração. Evo, também, se comprometeu com a solução das contradições da economia agrária, que mantém no atraso e na miséria as massas camponesas e indígenas. Ao contrário, a agroindústria foi impulsionada em detrimento da economia camponesa e comunal. Não por acaso, a fração oligárquica mais poderosa e reacionária está em Santa Cruz, de onde partiu o ataque da ultradireita, comandada por Luís Fernando Camacho, que se utilizou do movimento das massas para projetar a linha golpista. É necessário reconhecer que a direita e a ultradireita da política burguesa se acomodaram à sombra do governo denominado “plurinacional”. Foi assim que conseguiu conter o movimento separatista da “Meia Lua”.

O crescimento econômico facilitou a acomodação das frações oligárquicas e pró-imperialistas ao verniz do nacional-reformismo. No último período do governo, cresceu o desencanto de parcelas da população, e os direitistas se movimentaram no sentido de retirar Evo pela via eleitoral.  Articulou-se, em torno a Carlos Mesa, a candidatura oposicionista da direita. A esperança era de que Evo não se candidatasse em 2019, devido ao fato de ter concorrido a dois mandatos consecutivos como autorizava a Constituição, aprovada no seu próprio governo. Um fato decisivo para a política burguesa foi a derrota de Evo no referendo que lhe permitia alterar a Constituição, para que pudesse se candidatar pela quarta vez. O referendo foi de iniciativa do próprio governo. Com uma manobra, sob a bandeira dos direitos humanos, Evo desconsiderou o resultado do referendo. Esse jogo enfureceu a oposição, que se radicalizou no objetivo de arrancar Evo do poder. No entanto, foi incapaz de arrastar as massas para impedir a reeleição de Evo pela quarta vez. Terminada a eleição, o candidato Carlos Mesa e seus partidários se insurgiram contra o resultado, denunciando a ocorrência de fraude. A suspensão da apuração no momento em que os números indicavam que Evo não conseguiria vencer no primeiro turno fortaleceu a acusação de manipulação. A Organização dos Estados Americanos (OEA), um instrumento do imperialismo norte-americano, supervisionou o processo eleitoral. Com autorização do governo, fez a inspeção e concluiu que houve fraude. Evo acatou o veredicto. Dispôs-se a realizar o segundo turno. No entanto, a crise política havia transbordado. Chegava-se a uma ruptura institucional. Ou Evo renunciava à sua candidatura, ou a oposição partia para a sua derrubada. O que, certamente, dependia da atitude das massas. As Forças Armadas e a polícia não mostravam sinais de conspiração. Provavelmente, porém, já estava sob influência de políticos e empresários que exigiam mudança de governo. Vão intervir em favor da oposição, no momento em que se radicalizam os protestos populares, a OEA atesta a fraude, e Evo admite realizar o segundo turno. Essa sequência de acontecimentos levou os militares e a polícia a exigirem a renúncia de Evo. Sem esse pilar de sustentação, e diante de um País convulsionado, o governo de Evo perdeu toda a base de sustentação política. Não tinha como realizar novas eleições, e como promover qualquer manobra de continuísmo. Estava liquidado, em grande medida pela sua própria política.

É parte da convivência institucional dos partidos da burguesia, a regência da Constituição e das formalidades da democracia burguesa, por mais caricata que seja. A oposição direitista, que não tem nada de democrática – a ultradireita é ditatorial e fascistizante, se valeu da formalidade para denunciar, aos olhos do povo, a violação da Constituição e a fraude eleitoral. O choque interburguês influenciou a população, que vinha potenciando seu descontentamento, e provocou nela uma divisão em torno à disputa eleitoral. A política burguesa cria a esperança de que a mudança de governo pode ser a solução para seus problemas materiais. Sem que os explorados estejam lutando unidos por um poder próprio, que será conquistado pela revolução social, continuam se movendo sob a pressão da política burguesa. É o que se observa no deslocamento de parcelas crescentes para a contestação ao continuísmo do masismo. Isso quando Evo ainda contava com apoio eleitoral de uma expressiva camada da maioria oprimida.

Evo abandonou o governo – esse é o conteúdo de sua renúncia – movido pela demonstração do esgotamento de sua política. As massas se inclinaram contra sua continuidade. E a política burguesa se radicalizou. Nesta circunstância, era inevitável que a oficialidade militar e policial escaparia ao seu comando, por mais poder que lhe tenha dado no aparato do Estado. Eis por que Evo não se dispôs a resistir à exigência de renúncia. Com o abandono do posto, todo o governo caiu como castelo de cartas. Abriu um vazio na governabilidade, que deverá ser preenchido rapidamente, ou a crise se aprofundará ainda mais. Não se pode ignorar que o vazio de governabilidade, momentâneo, não se confunde com vazio de poder, que jamais ocorreu ou ocorrerá. As Forças Armadas, a polícia e a burocracia de Estado permanecem como poder.

É importante compreender como isso vem se passando. Evo orientou o MAS e seus partidários a não resistirem. Pediu a pacificação do País. Denunciou sua queda como produto de um golpe, mas se negou a resistir. Assim ocorreu porque não podia contar com uma fração das Forças Armadas e da polícia. Qualquer que seja o governo burguês, não vai se apoiar inteiramente nas massas, e não se lança à resistência baseada nelas, necessita ter um pé de apoio no aparato militar e policial. Como governo burguês, pelo conteúdo de sua política – pela natureza de classe se caracteriza como pequeno-burguês –, Evo não poderia recorrer a medidas revolucionárias em sua defesa.

Nesta segunda-feira, dia 11, os partidários do governo iniciaram uma resistência ao “golpe”, em La Paz. Evo recomendou que não partissem para a “violência” e cuidassem da “paz”, procurando resolver “qualquer diferença com diálogo”. Esse pacifismo é fruto da impotência de quem ocupou a presidência da República por treze anos, assentada na grande propriedade dos meios de produção, na brutal opressão sobre camponeses e indígenas, e no conluio com o imperialismo. Espalhou muita impostura com seu socialismo indigenista. Depois de três mandatos, já não tinha serventia à burguesia, e já não conseguia ludibriar os explorados e oprimidos. Não há dúvida de que a crise de governabilidade, portanto, será equacionada pelas forças burguesas, dirigidas pela direita e ultradireita. O próprio Evo recomenda aos seus defensores que não se lancem contra essa via, uma vez que não podem restabelecer o seu governo. A OEA está instalada por cima das forças burguesas. E com o consentimento de Evo.

Uma outra via seria a revolução proletária, que destruiria de cima a baixo o Estado burguês, e constituiria um governo operário e camponês. Esse programa esteve e está presente na luta dos explorados, que combateram pela derrubada do governo masista. O Partido Operário Revolucionário (POR) o encarna. Não teve, porém, como se destacar como dirigente do combate. Essa debilidade deve ser compreendida com o máximo de precisão. Desde a ascensão de Evo ao poder, o POR caracterizou seu governo como incapaz de servir à luta dos explorados contra a oligarquia boliviana e o imperialismo. Desmascarou sua impostura “socialista” e seu “indigenismo”. E previu que acabaria sendo rechaçado pelos explorados.   O prognóstico de que o governo de Evo concluiria como serviçal dos latifundiários e das multinacionais se confirmou em todas as letras. Está presentes na queda de Evo essa formulação programática. De maneira que os marxista-leninista-trotskistas estiveram todo o tempo na trincheira de combate ao governo nacional-reformista, e no enfrentamento às forças burguesas de conjunto, o que inclui todas as variantes da política burguesa. É necessário ressaltar que, em nenhuma situação, apoiou o governo Evo. Desenvolveu uma posição implacável, procurando orientar cada luta – e foram muitas – pela independência de classe. O governo e seus partidários, por sua vez, responderam com a repressão e com o gangsterismo da burocracia sindical. No choque das massas com o governo, o POR organizou a luta, não somente contra Evo, mas também contra as oposições burguesa direitista e ultradireitista, que, por tradição histórica, manejam os métodos contrarrevolucionários, e se apoiam no imperialismo. Nesse sentido preciso, impulsionou a luta dos explorados contra o governo Evo, desenvolvendo as reivindicações próprias da classe operária, dos camponeses e indígenas. No entanto, não havia como resolver uma contradição decisiva: os oprimidos, que se lançaram às ruas, estiveram e estão, na sua maioria, sob a influência da disputa eleitoral, das denúncias de fraude e de corrupção, que são manifestações próprias dos governos burgueses e das instituições do Estado. Onde o POR conseguiu expressar sua política, rechaçou a linha da direita e da ultradireita, expressa por Mesa e Camacho, respectivamente. Essa força, sem dúvida, recorreria ao golpe, em contraposição à via da derrubada revolucionária do governo pelas massas. Esteve e está presente, na crise de governabilidade do País, o golpismo.

A linha revolucionária, de um lado, como se constata, esteve e está em completa oposição aos métodos golpistas, policiais e militares, e, de outro, com os métodos democratizantes burgueses, na condução dos enfrentamentos com o governo. Essa distinção e separação irão se evidenciar com maior clareza na nova etapa da crise política, que se inicia com a renúncia de Evo. Nos próximos dias, os vencedores vão reorganizar a transição para um novo governo, a ser eleito. Essa é a variante mais provável, caso a tentativa de partidários de Evo não consiga pôr em pé uma resistência popular. Deve ser rechaçada e combatida toda forma de repressão e militarização da política. A burguesia e o imperialismo precisam garantir a unidade das Forças Armadas para estabelecer um novo governo burguês. Embora esteve e está presente a via do golpe, é correta a avaliação do POR de que Evo caiu devido ao movimento dos explorados, que se espalhou por todo o País. A divisão entre as fileiras da maioria oprimida vai permanecer até que entre em conflito com o governo que surgirá da crise política. Para a luta revolucionária, é fundamental restabelecer a coesão dos explorados sobre a base dos interesses comuns, opostos aos da burguesia e do imperialismo. A revolução não é possível nas condições em que a divisão interburguesa as arraste e as fragmente, como vem sucedendo.

O POR organizou e dirigiu uma fração minoritária dos explorados na luta contra o governo do MAS, no campo da independência de classe, e sob a estratégia do governo operário e camponês. Está praticamente definido que Evo e o MAS não têm como recuperar o poder. Assim, a tarefa imediata consiste em potenciar as reivindicações próprias dos explorados, que emergiram nas manifestações, e trabalhar pela superação da divisão provocada pela disputa interburguesa. Conservar e impulsionar os organismos de massa, que serviram aos protestos. As condições estão melhores para a vanguarda desenvolver a estratégia da revolução e ditadura proletárias. A crise na Bolívia, resguardadas as particularidades, faz parte da crise que se manifesta na América Latina, com destaque ao Chile. Os explorados, tanto se chocam com os governos nacional-reformistas, quanto com os direitistas, francamente pró-imperialistas. A confluência de crises políticas expressa a decomposição do capitalismo e a necessidade da burguesia atacar ainda mais os explorados, que já não suportam o desemprego, subemprego, miséria e fome. Os levantes massivos indicam a necessidade objetiva do proletariado e demais explorados de se organizarem no campo da independência de classe. É por essa via que encarnarão a estratégia revolucionária e o programa de transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social, socialista.

O Comitê de Enlace convoca a vanguarda, em todas as latitudes, a apoiar a luta independente desenvolvida pelo POR, que sai fortalecida no embate ao governo esgotado do MAS, e à oposição direitista e ultradireitista.