• 27 dez 2019

    Argentina – Por trás das expectativas criadas por Fernández, se esconde uma política de saque

Publicamos abaixo a posição programática do Partido Operário Revolucionário (POR), seção Argentina do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional, diante do novo governo peronista, Alberto Fernández.

 

Por trás das expectativas criadas por Fernández, se esconde uma política de saque

 

Dezembro de 2019 – Extraído do Jornal Massas, nº 362, órgão do Partido Operário Revolucionário da Argentina

 

Assim como fez Macri, em relação ao governo anterior, Fernández também dirá que recebeu um país destroçado, para indicar as dificuldades que terá para “colocar a economia em marcha”.

É importante o balanço do governo anterior para analisar o caráter do novo governo. Vai desfazer o saque realizado contra o país e os trabalhadores? Que características terá o regime político?

É falso o slogan de “nunca mais o neoliberalismo”. As imposições do neoliberalismo não foram afetadas. Não se trata de uma batalha “cultural”, pois, é bem material. Enquanto não se acabar com essas bases materiais, não se liquidará o neoliberalismo. A corrupção e o saque são bandeiras utilizadas para desmoralizar o opositor, mas nunca para efetivamente combatê-lo. No regime capitalista, os burgueses expropriadores retêm tudo que expropriaram dos trabalhadores.

 

Alberto Fernández pede para não ser julgado pelo que não prometeu, pois, somente cumprirá aquilo que promete

Fernández, como todo governo, o julgamos pelo seu caráter de classe, burguês. Não apenas pelo que promete, que é pouco ou nada. Mas, pelas tarefas que historicamente correspondiam à burguesia, mas nunca as cumpriu. Não haverá soberania nacional, bandeira central do nacionalismo burguês.

Fernández quer apresentar como ato de soberania a afirmação de que “não queremos que nos emprestem mais dinheiro”, que “não queremos mais dívida”, que “vamos pagar quando pudermos”. E o coro de bajuladores bate palmas a esse palavreado.

Fernández vai reconhecer a dívida perante o FMI, responsável por ter financiado a quebra de Macri, à custa do país (dinheiro que se evadiu). Sequer promete investigar onde este foi parar. Quem são os saqueadores. VAI PAGAR-LHE TODA A DÍVIDA, uma vez que foi contraída por um governo democrático. Uma mentira para justificar uma terrível capitulação ao imperialismo, isso porque esse endividamento sequer cumpriu as legalidades formais. A dívida, desde que se pague, será uma sangria para a economia nacional. Precisamos de todas essas divisas, para o desenvolvimento da economia! Que não ocorra de novo como no governo da Cristina Kirchner, em que de dilapidaram as divisas, pagando ao FMI, Clube de Paris, REPSOL.

É bem provável que não ficará claro que a dívida contraída por Macri foi um crime contra a nação, como já ocorreu no passado. Pagá-la será a consumação desse crime.

Também vai pagar aos especuladores da dívida privada, apenas pedirá um prazo maior, um desconto, e que lhe deem um tempo a mais, mas, as pagará. Inclusive nomeou Daniel Marx à frente de uma equipe de negociadores da dívida externa: um homem do ex-ministro Cavallo e do capital financeiro.

O novo governo não está disposto a desconhecer os acordos com o FMI, nem tampouco com os dos tribunais extorquidores do CIADI (tribunais fora do país), aos quais o país se submete.

Tampouco haverá “Justiça Social”, nem industrialização do país, nem se recuperarão os recursos naturais. Pelo contrário, se dará toda a segurança jurídica às multinacionais, para que explorem as riquezas petrolíferas de Vaca Morta. O governo aposta que daí sairão os dólares para pagar a dívida externa.

As multinacionais, os grandes capitais nacionais, os bancos, a oligarquia latifundiária que concentram os principais meios de produção do país, não serão molestados, no máximo, limitarão seus lucros.

 

Alberto Fernández fará demagogia com a política externa para se mostrar diferente de Macri

Já está fazendo, mesmo que limitadamente a respeito de Evo Morales, Venezuela, Grupo de Lima, Bolsonaro, Lula, etc. Não se deve deixar que Fernández coloque a máscara de progressista. Age como pássaro que canta num lugar, mas vai pôr os ovos em outro, bem guardado. Quer que prestemos atenção a essas questões, para não ver sua política concreta diante das multinacionais, dos bancos e do FMI.

 

Alberto Fernández começa seu governo atritando com a oligarquia

O setor que mais ganhou nos últimos quatro anos não quer ceder nada. Sabe que é inevitável que lhe apliquem mais impostos ou retenções e, por isso, esperneia antecipadamente para pressionar e diminuir o impacto, ou para conseguir outros benefícios em troca.

A política covarde da burguesia é não se meter com a grande propriedade no campo, não se meter com os agroexportadores, nem com o agronegócio. O máximo que pretende é cobrar um pouco mais de impostos. Não haverá nenhuma solução de fundo, enquanto a grande propriedade da terra continuar nas mãos de um pequeno grupo de latifundiários. Não deixemos que esse conflito engane a população, com a ideia de que o governo briga com “o campo” na “defesa do pão para a mesa dos pobres”.

Fernández afirma que não aumentou as retenções ao campo, mas que eliminou as limitações que Macri estabeleceu. Efetivamente, ainda que o projeto de lei aumente um pouco, Fernández consagra uma redução de impostos para os latifundiários. Comparados com 2015, as retenções à soja passam, de 35%, para 33%; o trigo, de 23%, para 15%; o milho, de 20%, para 15%.

Não desconhecemos os atritos mais ou menos importantes, mas o essencial não está em disputa. O peronismo faz décadas que abandonou suas bandeiras originais e sequer faz demagogia com elas. Para desenvolver o país, é imprescindível acabar com o poder da oligarquia latifundiária, expropriando sem indenização e estatizando toda a terra.

 

O governo de Fernández não mexerá nos bancos

Os bancos são os maiores parasitas da economia. É uma piada dizer que baixarão gradativamente as taxas de juros, e que serão obrigados a emprestar às pequenas e médias empresas.

No seu discurso inaugural, diz que lançará créditos não-bancários para apoiar as pequenas e médias empresas. Para que servem os bancos, se não querem emprestar sequer valores irrisórios?

O que está colocado é a nacionalização sem indenização do sistema bancário, para monopolizar as divisas, a moeda, o crédito, e não ficar prisioneiros de um pequeno grupo de especuladores, que tiveram ganhos extraordinários, às custas de enterrar a economia.

 

As petroleiras multinacionais serão as principais beneficiárias

Já em meados de novembro, o agora presidente da YPF, Guillermo Nielsen, anunciou um plano para as petroleiras. Esse plano consiste em “garantir a estabilidade fiscal” (prometendo uma “compensação automática além de juros compensatórios”), “garantia cambiária” … incluindo, sem limitação, o direito de livre disponibilidade da totalidade das divisas, decorrentes da exportação sem obrigação de repatriação de divisas, o acesso a divisas e giro de utilidades ao exterior”, outros benefícios impositivos, redução a 0% dos direitos de importação, eliminação das retenções nas exportações de gás líquido, estabelecimento das regalias em 5% para os primeiros dez anos, possibilidade de dirimir conflitos entre as petroleiras e o Estado, em tribunais internacionais.

Como se vê, Fernández continua com a política de entregar o petróleo ao imperialismo, seguindo as pegadas de Macri, porém, também as de Kirchner (não esqueçamos o decreto 939 e suas cláusulas secretas para garantir benefícios extraordinários a Chevron). Agora, tentam transformar em lei, para todas as petroleiras, os benefícios que Cristina Kirchner havia outorgado.

Não é casual a nomeação de Alberto Hensel como secretário de Mineração Nacional. Hensel ocupou o mesmo cargo na Província de San Juan, destacando-se como o maior representante da Barrick Gold, e já avisou que vem com tudo: acabar com a lei dos glaciares, e romper com toda resistência à mega mineração. Dois dias depois de assumir, convocou as províncias de Chubut e Mendoza, para avaliar como levantar as restrições à mega mineradoras.

As multinacionais que se apropriam dos nossos recursos são o imperialismo. Não haverá libertação nacional, se não se acaba com seu poder. Os que governam para eles sempre terminam de joelhos perante o amo imperial. Esses compromissos revelam com clareza que Alberto Fernández garantirá o saque do país. Para que os recursos naturais estejam a serviço do povo, e não de um pequeno grupo de empresas, é imperativo impor o monopólio estatal do petróleo e da mineração, expropriando sem indenização, e estatizando todas as multinacionais.

 

A reforma educacional e da saúde da ditadura e do menemismo continuarão intactas

Por mais demagogia que se faça falando da universidade pública e da saúde, a realidade é que o novo governo, assim como o dos Kirchner, não está disposto a reverter as reformas em matéria de saúde e educação, que realizaram a última ditadura militar e o peronismo dos anos 1990.

O processo de esvaziamento e desmantelamento da saúde e da educação públicas é uma política de Estado da burguesia decadente, implementado por todos seus governos. Esta é a ordem do imperialismo. Só se pode privatizar, se antes se destrói o que é estatal.

A única forma de garantir a educação e a saúde para todos é liquidando todos os negócios, estatizando as escolas, universidades, clínicas e hospitais, acabando com a descentralização menemista, renacionalizando o sistema educacional.

 

A grande bandeira do novo governo será o combate à fome

Não é um assunto menor, pois, o drama alimentício cresceu extraordinariamente. Mas, a origem do problema é estrutural. As medidas que se estão anunciando têm um baixo custo fiscal, e são de efetividade limitada.

Todos os edifícios públicos, escolas, correios, casa de governo, municipalidades devem ser habilitados como refeitórios públicos, atendidos por funcionários públicos, com provisões adquiridas pelo Estado a melhor preço, para evitar qualquer intermediação. Não queremos que ninguém lucre com a fome da população.

Que solução é essa de entregar um cartão individual com uma carga de dinheiro? Para continuarem adquirindo seus mantimentos no comércio? Entendemos que a melhor forma é abordar coletivamente a solução, o que facilita, por sua vez, a organização social do setor mais atingido, podendo, assim,  enfrentar outros aspectos da vida social, tendo como ponto de partida a solução da fome.

É uma impostura afirmar que com o crescimento da economia se criarão mais empregos. Sob o governo de Kirchner, verificou-se uma taxa histórica de crescimento da economia, por  um longo período, e, no entanto, não se resolveu o desemprego, nem o trabalho informal, que não ficou abaixo de 30%.

A resposta estrutural é que exista trabalho formal a todos. Que ninguém fique sem seu emprego. A solução é repartir todo o trabalho disponível entre todos os trabalhadores imediatamente, aplicando a escala móvel das horas de trabalho. O salário mínimo deve ser o que efetivamente custa para viver, nem um peso a menos.

 

Os revolucionários perante o novo governo

O papel dos revolucionários é falar claramente, partindo do reconhecimento de que a maioria tem grandes ilusões em que este governo poderá resolver muitos dos problemas que se padece. Alertar sobre os limites de classe deste governo, sobre as tendências mundiais que agravam a guerra comercial e a crise econômica internacional, que tende a descarregar sobre os trabalhadores toda a crise capitalista. Dizer com toda clareza que os problemas estruturais não serão resolvidos por um governo burguês por mais discursos que faça. Sua incapacidade para resolver os problemas o levará a se chocar, mais cedo ou mais tarde, com as massas.

Claro que não é o mesmo que Macri, que não é um governo abertamente vinculado ao imperialismo, mas, ao mesmo tempo, não ataca essa forte estrutura de subordinação, que construíram a ditadura e o governo de Menem.

A única resposta possível, a única saída progressiva para a sociedade, é derrubar o capitalismo e seu Estado, impor um verdadeiro governo operário-camponês (da maioria oprimida da cidade e do campo), a ditadura do proletariado, acabando com a grande propriedade privada dos meios de produção, transformando-a em propriedade social (de todos em geral, e de ninguém em particular).