• 29 fev 2020

    Massas 604 – Editorial – Responder às provocações dos bolsonaristas

29 de fevereiro de 2020

A convocação de um ato no dia 15 de março, em defesa do governo e contra o Congresso Nacional, criou alvoroço nos meios da política burguesa. De repente, apareceram “democratas” de todos os cantos, contestando Bolsonaro por ter apoiado a iniciativa de seus partidários.

Vozes do PSDB exortaram as “forças democráticas”, da direita civilizada à esquerda reformista, a constituírem uma frente ampla em defesa das instituições democráticas. Acham que o momento exige deixar para trás as “mágoas”, e se unir contra os perigos dos desatinos do presidente da República. Vozes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional, da Ordem dos Advogados e dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff ressaltaram os valores democráticos para “a paz e o desenvolvimento do País”.

O que mais se ouviu, assim que a imprensa revelou o apoio de Bolsonaro ao ato, foi que é preciso evitar confrontos, que a democracia é uma conquista dos brasileiros, que o Estado de Direito deve ser defendido contra qualquer ameaça, que não se pode transgredir a ordem político-jurídica da Constituição e as leis da República, que as autoridades constituídas devem dar o exemplo de respeito às instituições, etc. Chegou-se a aventar a possibilidade do Presidente estar cometendo crime de responsabilidade.

Se depender da reação verbal desses representantes da “democracia”, Bolsonaro e os militares que povoam seu governo vão minimizar o acontecimento. Já começaram a fazê-lo, com o “esclarecimento” de Bolsonaro de que foi uma manifestação pessoal, restrita aos seus seguidores nas redes sociais, e com a declaração do vice-presidente Hamilton Mourão, de que se está ”fazendo tempestade em copo d’água”. Os generais que aparecem em fotos na propaganda do dia 15 simplesmente disseram que não haviam autorizado a usá-las. Respostas fáceis, diante da enorme repercussão no interior da política burguesa e instituições.

Os “democratas”, atemorizados com a ousadia da ultradireita em atacar os presidentes da Câmara do Deputados e do Senado, bem como o Congresso Nacional – e até figuras do STF –, se esqueceram que organizaram um golpe de Estado que derrubou o governo de Dilma Rousseff, instituíram a ditadura civil de Temer, e aplainaram o caminho para a eleição de Bolsonaro. O golpe institucional trouxe os militares para o centro da política e da administração do Estado. Temer reativou o velho SNI da ditadura militar, com nova roupagem, e adaptado às novas circunstâncias. Bolsonaro, embalado pela “legitimidade” das eleições, foi bem mais longe no continuísmo. Aos poucos, instalou generais nos postos chaves do governo, até que, recentemente, completou a militarização de todo o andar do Palácio do Governo, que responde pela governabilidade.

O general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), se tornou o pivô do governo. Homem ligado aos Estados Unidos, orienta a militarização e a conduta do governo, diante do Congresso Nacional. Antecipando a crise aberta com o movimento do ato pró-governo, Heleno atacou o Congresso Nacional, pela tentativa de impor condições na administração dos recursos orçamentários, reduzindo a margem de manipulação do governo.

Não há, de fato, um choque entre a política geral de Bolsonaro e o parlamento. Uma prova disso foi a aprovação da Reforma da Previdência. Certamente, os parlamentares têm alterado os projetos, como o da segurança, apresentado pelo ministro Moro. Algumas das derrotas criaram animosidade de Bolsonaro ao Congresso Nacional. Ocorre que o governo militarizado não pode se sujeitar ao jogo parlamentar.

Bolsonaro pretendeu, aproveitando-se da fragilidade eleitoral dos velhos partidos, e da impotência do reformismo petista, pôr em marcha um governo bonapartista. O que implicaria subordinar o Congresso Nacional. No entanto, a permanência da crise econômica, e o rápido descontentamento dos explorados com sua política econômica antinacional e antipopular, não permitiram concluir esse processo.

A completa militarização do governo que acaba de concluir indica que as forças da ultradireita procuram criar as condições para impor o bonapartismo. A imprensa monopolista, que serviu à ascensão de Bolsonaro, refere-se aos bolsonaristas que atacam o Congresso como golpistas. Temer fracassou por não ter conseguido superar a crise econômica, embora tenha dado a valiosa contribuição à burguesia com a reforma trabalhista. Bolsonaro não tem como reverter as tendências desintegradoras da economia nacional, condicionada pela crise estrutural do capitalismo mundial. Está preso à mesma trilha da ditadura civil de Temer. A ampla militarização expressa as profundas contradições da política burguesa, submetida ao imperialismo.

Trata-se de orientar a classe operária e os demais explorados a não se sujeitarem à divisão interburguesa. Governo e Congresso Nacional vêm impondo as contrarreformas, que atingem profundamente as condições de existência maioria oprimida, e aplicando o vasto plano de privatização. A proposta de formar uma frente ampla democrática serve apenas aos interesses dos exploradores do povo. A tarefa, ao contrário, é a de impulsionar as lutas pelas reivindicações dos assalariados, camponeses e juventude. Está colocada na ordem do dia – isso sim – a constituição de uma frente única anti-imperialista.