• 04 mar 2020

    Manifesto do POR – regional Ceará – Fim da greve da PM

Fim da greve da PM:

Isolamento e frente unitária das frações burguesas derrotam o movimento

Regional do POR-Ceará, 3 de março de 2020

A assembleia dos policiais militares, realizada na noite de domingo (01/03), no 18º BPM votou, por maioria, pelo fim da greve e retorno ao trabalho. Foram 13 dias de paralisação, iniciados na tarde do dia 18/02. Acossada por todos os lados, atacada pela imprensa, reprimida com veemência pelo governo, isolada pela burocracia sindical reformista, e minada, por dentro, pelas lideranças derrotadas nas negociações de fevereiro, a tropa se dividiu e abriu caminho para o fim do movimento. A proposta, aceita na assembleia e apresentada por parte da liderança (Cabo Monteiro, vereador Sargento Reginauro e deputado Soldado Noélio), foi o resultado de uma costura, realizada no interior da Comissão Especial, integrada pelos três poderes, bem como pela OAB, Exército, Força Nacional de Segurança, Defensoria Pública, e constituída com fins de passar uma corda no pescoço dos grevistas.

Seu teor é o de uma rendição disfarçada. O governo não alocará um centavo a mais aos R$ 495 milhões, destinados à reestruturação, conforme o acordo de fevereiro, mas estará aberto a uma “rediscussão da tabela salarial”. Rediscussão puramente ilusória, uma vez que deslocar recursos de patentes mais altas para as mais baixas esbarra na vontade soberana dos oficiais, que não permitirão a retirada de um níquel de suas gordas remunerações. A anistia administrativa, a segunda pauta vital do movimento, foi integralmente rejeitada pelo governo, que cedeu apenas na proclamação de que haverá “o devido processo, o contraditório e a garantia de defesa”, na aplicação do código de processo penal militar, na abertura de inquéritos policiais militares (IPM), e nos processos administrativos disciplinares (PAD). O que é a obrigação legal do Estado – a isenção nos processos movidos pela Corregedoria – foi apresentada como uma concessão piedosa! Não pode haver prova maior, e explícito reconhecimento, dos abusos e perseguições sobre as tropas, com a cobertura do governo! Dentro deste espírito de enfeitar o machado com flores antes de partir a cabeça dos amotinados, o misericordioso governo petista se compromete a não enviar nenhum grevista para o interior no estado (forma  comum de perseguição), antes de 60 dias, contados a partir do encerramento da greve! E toda essa carnificina administrativa será devidamente acompanhada por “respeitados” representantes da OAB, Defensoria e MPF.

O governo venceu; impôs a desocupação dos batalhões, manteve afastados 230 policiais por motim e insubordinação, suspendeu seus salários por 90 dias, e encarcerou 47 PMs, acusados de deserção e outros delitos. Nada indica que a revisão dos processos disciplinares abertos possa servir de tábua de salvação.

O procurador-geral do Estado, Juvêncio Vasconcelos, que representou o governador Camilo Santana nas audiências da comissão especial, liderou o coro de rejeições à presença do Cabo Sabino (dirigente da greve com ordem de prisão em aberto por motim) na mesa de negociações. O afastamento de Sabino das negociações, assim como da associação das esposas de policiais (ASSEPEC), serviu para enfraquecer a titubeante ala grevista, e abrir caminho aos líderes antigrevistas. Os 18 pontos de pauta, apresentados no dia 26, caíram para apenas 3, no dia seguinte. O governo continuava firme na pretensão de cercar os grevistas. No dia 01/03, já não havia proposta alguma, apenas luta para amenizar as punições. O Coronel Aguinaldo de Oliveira, bolsonarista e chefe da Força Nacional de Segurança, ficou livre para fazer demagogia com a tropa, no 18º BPM, chamando os policiais de “corajosos”, e pedindo o fim da greve que ele mesmo combatera nas ruas, ao dirigir a Força Nacional. Ao lado dele, Sabino, que soube captar o instinto de revolta da tropa para iniciar a greve, mas teve, em contrapartida, pouca habilidade em fortalecê-la e dirigi-la, foi tragado pela derrota do movimento, e reconheceu que o recuo sem anistia era fatal: “vocês acabaram de assinar minha demissão”, desabafou ao final da assembleia.

Toda a rica experiência da greve mostrou como a luta de classes se projeta até mesmo no seio das forças repressivas do Estado. Uma corrente revolucionária sabe do papel estratégico do proletariado na era do capitalismo em decomposição. O programa da revolução proletária nos impõe ganhar uma fração das massas oprimidas, mas implica, também que se deva trabalhar no seio das tropas com as bandeiras democráticas. Somente o proletariado poderá assegurar a correta direção política à greve das baixas patentes da PM e levá-la à vitória!

 

A consolidação da frente burguesa para esmagar os grevistas

A autorização de Sérgio Moro para o uso da Força Nacional de Segurança no Ceará, e a assinatura do decreto da GLO, por Bolsonaro, liberando 2.500 homens do Exército, não podiam deixar lugar a dúvidas quanto à ampla unidade burguesa que se formava para esmagar os grevistas. Diante da ruptura da ordem estatal, com a rebelião da PM, por salário, a burguesia precisa recuperar a centralização férrea sobre o aparato do Estado. Diante da ameaça grevista em outros estados, as frações burguesas se uniram em bloco, para combater a greve, e arrastaram consigo seus serviçais reformistas e estalinistas. Camilo Santana, do PT, e a burocracia sindical cutista se viram numa aliança informal com Bolsonaro, STF, Congresso, Assembleia Legislativa, imprensa, Forças Armadas e os partidos burgueses em geral, contra policiais e suas famílias. O gesto de Moro e Bolsonaro de evitar, a princípio, declarações contra os grevistas, não vale nada como argumento em favor de que os bolsonaristas estavam por trás da greve para desestabilizar o governo petista, ou de que se tratava de um movimento de bandidos milicianos. Os papagaios petistas e pecedobistas não se dão ao trabalho de verificar que atos concretos valem mais que mil palavras. E, no campo dos atos concretos, a vinda da Força Nacional e do Exército implicou precisamente no enfraquecimento dos grevistas, seu isolamento, e menor capacidade de pressão sobre o governo. Eis porque Camilo pode sustentar durante tanto tempo a recusa de negociar com a polícia, e endurecer medidas contra ela. Por detrás das ações de Camilo, esteve o amparo do Governo Federal, ainda que titubeante e a contragosto. Moro, que, a princípio, silenciou sobre o caso, declarou, por fim, que a greve era ilegal, e que teria de acabar. O mesmo fizeram o Vice Mourão (PRTB) e o senador Major Olímpio (PSL). Bolsonaro, ameaçado, não apenas por governadores do nordeste, mas especialmente do sudeste, de romperem a centralização federativa, com o envio de tropas ao Ceará, prorrogou a GLO em mais uma semana. As ações, mais do que as simples declarações, são o que conta, no final das contas.

Para vencer, a greve da PM necessitava do apoio ativo da classe operária, ou de se entroncar com a greve geral do funcionalismo, que pudesse cercar o governador e forçá-lo a negociar as reivindicações. Estas condições estiveram ausentes, em razão do controle da burocracia cutista-petista sobre os aparatos sindicais. Pode-se dizer, sem medo, que a crise de direção revolucionária determinou a derrota do movimento salarial da PM.

 

A hipocrisia burguesia sobre a violência

Os mais de 220 assassinatos, ocorridos durante a greve da PM no Ceará, foram e continuam a ser usados pelos porta-vozes da grande burguesia, imprensa monopolista e das correntes pequeno-burguesas para condenar os policiais grevistas e sua insensatez extremada. A mortandade assustadora do período foi logo colocada na conta dos grevistas. Ocorre que a grande burguesia jamais esteve preocupada com quaisquer destas mortes, que, em sua maioria, são de jovens negros, desempregados, moradores de favelas, etc. Interessa-lhes exclusiva e hipocritamente usá-la como arma política contra o movimento da tropa. A burguesia e seus governos não podem reconhecer a decomposição de seu sistema e a barbárie que impera por todos os lados. Com ou sem polícia nas ruas, o número de assassinatos, roubos e agressões está fora de controle. Apenas os mais miseráveis reformistas e os lacaios de primeira ordem podem pretender obscurecer a barbárie social que mata todos os dias, com a ausência dos policiais grevistas nas ruas.

 

Com ajuda do PSOL, governo Camilo Santana impõe PEC do fim da anistia para perseguir policiais

Enquanto Camilo combatia a greve da PM, solicitando a presença de tropas federais, do Exército, e prendendo grevistas, o governo atuava, paralelamente no ataque às associações policiais, com uma CPI, e na aprovação da PEC da proibição da anistia. O presidente da Assembleia Legislativa, José Sarto (PDT), figura da claque dos Ferreira Gomes, declarou, no início da tramitação da PEC, que “não haverá anistia para esse tipo que não é PM, é bandido“. Uma ampla frente partidária, dirigida pelo PDT e PT, passando por MDB, PL, SD, PCdoB, PSD, PSB e Republicanos, assegurou sua aprovação, por 34 votos a favor, 2 contra, e 4 abstenções. A surpresa ficou por conta do PSOL, dep. Renato Roseno, que votou com o governo Camilo, e em favor da repressão sobre os grevistas. Roseno, que milita em favor dos direitos humanos, com seu voto, ajudou a pôr uma lápide sobre o direito democrático de greve aos policiais. Era demais, exigir do PSOL a defesa do programa militar do proletariado, uma vez que rechaça o marxismo-leninismo-trotskismo, mas o voto contrário a um direito democrático elementar, sua negação, à polícia, da conveniência de lutar por salários com greves, se assim o desejarem, mostra que seu futuro está na ala esquerda da frente burguesa antidemocrática.