• 18 mar 2020

    Faces políticas do coronavírus

Faces políticas do coronavírus

Que as centrais, sindicatos e movimentos não se submetam ao plano burguês de falsa proteção aos pobres e miseráveis

18 de março de 2020

Bolsonaro concordou que a manifestação do dia 15 de março em favor de seu governo deveria ser cancelada. Em seguida, os organizadores do ato de dois anos do assassinato de Marielle, que se realizaria no dia 14, tomaram a mesma decisão. As centrais sindicais seguiram a recomendação, desconvocando o “Dia Nacional de Luta”, 18 de março. O governador do Rio de Janeiro proibiu aglomerações, incluindo manifestações. Os meios de comunicação deram voz unida ao ministério da Saúde, bombardeando a população com a campanha demagógica de um País unido contra a pandemia. Nessa circunstância, a ala mais radical do bolsonarismo rompeu a coesão política da unidade nacional, realizando atos em vários estados. Bolsonaro compareceu, saudando sua base ultradireitista.

O fato do presidente não ter se convencido de que a proliferação do vírus é séria indica que a campanha montada pelo seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com apoio do Congresso Nacional, do Poder Judiciário e dos governadores, passou à margem o núcleo governamental. O gesto teatral de Bolsonaro no ato em Brasília foi reprovado pela imprensa, partidos e governadores. Conhecidas vozes aventaram a possibilidade de abertura de um processo de responsabilização do presidente, que poderia levar ao impeachment. Em particular, o governador de São Paulo, João Doria, que serviu ao Bolsonaro, e que, agora, se declara oposição, desde já preparando sua candidatura, acusou-o de irresponsável.

Donald Trump – inicialmente criticado – passou a ser o exemplo de atitude de um governo preocupado com a contaminação e a crise econômica. O discurso de Emmanuel Macron, presidente da França, foi elogiado, por assumir o papel de dirigente do Estado. Angela Merkel restringiu a vida social e o trânsito em suas fronteiras. O que mais chamou a atenção, na atitude de Macron, foi a suspensão do trâmite das contrarreformas, entre elas, a da Previdência, que têm esbarrado no movimento de rua. Esse era o desejo das centrais sindicais no Brasil. Pediram a união nacional contra a pandemia, e suas consequências econômicas. A manifestação do dia 18, que impulsionaria greves, foi desmontada, sem que Bolsonaro e Congresso Nacional respondessem às centrais.

Ao contrário, o ato bolsonarista serviu de apoio à política antinacional e antipopular. A burguesia não cessou a pressão para que novos passos da contrarreforma fossem dados. O coronavírus não amarrou as mãos do ministro da economia, Paulo Guedes, que reafirmou a necessidade de apressar a entregar da Eletrobras a poderosos grupos capitalistas.

Em seguida ao ato prestigiado pelo presidente, o ministro apresentou o retumbante pacote de R$ 147,3 bilhões. Indisfarçável propaganda enganosa quanto à proteção dos mais pobres, como é caso do programa  “Bolsa Família”, antecipação do 13º salário, e redução do teto de juros do empréstimo consignado. O governo antipopular cortou 4% do orçamento da saúde e 16% da educação. A portaria 2.979, de 2019, do ministério da Saúde, fere o caráter universal do SUS, e sucateia ainda mais a saúde pública. Sobre as condições elementares que resguardam minimamente a maioria oprimida, o desconhecimento foi total.

Um ou outro infectologista e sanitarista lembrou que os pobres e miseráveis estão desprotegidos. As instituições do Estado e os politiqueiros demonstraram preocupação real apenas com os negócios da burguesia. A saúde voltada à maioria, que recebe baixos salários, aos desempregados e subempregados é um luxo a que capitalistas e seu Estado não se podem dar. A minoria rica conta com um sistema de rede privada. Há uma verdadeira segregação social, que se evidencia nos momentos de epidemia e pandemia.

Os cegos de bom coração seguem ou tateiam a campanha hipócrita do imperialismo e da burguesia. Acreditam que as proibições de atividades coletivas vão contornar o problema, ou vão poupar uma parte da população. A experiência, segundo médicos e sanitaristas, conhecedores e não comprometidos com a politicagem, demonstra que a diminuição do contato reduz o raio da contaminação. O método é lógico e deve ser aplicado. Mas não para ocultar, amenizar ou substituir ações de emergência de proteção das massas. Até ontem, se sabia quantos eram os internados nos hospitais privados, mas não quantos no SUS. Não se tem ideia do que acontecerá com os infectados pobres e miseráveis, se a pandemia se espalhar pelas favelas, cortiços, palafitas e populosos bairros remediados. Basta ver as estatísticas para se constatar que a maioria que morre de dengue e outras doenças coletivas é de assalariados, desempregados e subempregados.

O que é uma medida cientificamente lógica – a de evitar os elos da transmissão – está sendo usada pelo imperialismo e pelos governos semicoloniais como cobertura à total desproteção das massas, e proteção aos interesses do grande capital, atingido pela retomada da crise econômica e financeira, que não tem como causa o coronavírus. Os bilhões de dólares e euros anunciados pelos Estados Unidos e União Europeia, bem como o montante gasto pelo Japão na compra de bônus, vêm ao encontro dos financistas, que especulam abertamente nas Bolsas de Valores.

Os sindicatos, centrais e movimentos têm o dever de mostrar a verdade à classe operária e aos demais explorados. Obrigatoriamente, deveriam estar denunciando a responsabilidade do imperialismo e dos governos semicoloniais serviçais. No entanto, no Brasil, as centrais desmontaram o movimento do dia 18, sob o argumento de unidade nacional para combater a pandemia. Cessa-se a luta de classes. Acobertam-se os reais motivos econômicos e sociais, que colocam em risco a população. Falseia-se com a ideia de que todas as classes correm perigo. Que, por isso, precisariam se unir contra um inimigo da natureza. O governo, por usa vez, tem de assumir a liderança do combate, e os partidos, sindicatos, etc. se alinhar à campanha governamental.

A resolução das centrais, de 16 de março, critica Bolsonaro, por não liderar “o combate e prevenção à propagação do vírus”. O que equivale a reivindicar que o carrasco do povo cumpra um papel de defesa do povo. Na linha de uma ampla conciliação de classes, “conclamam o “Congresso Nacional, governadores, prefeitos e o empresariado nacional a constituir um canal de diálogo (…)”. E constituir “comitês, em conjunto”, dos sindicatos com o empresariado, “para acompanhar a crise, garantir transparência das ações implementadas, e promover iniciativas visando a reduzir a propagação da doença (…)”. As centrais prescrevem uma lista de medidas – parte delas corretas, como ampliação do tempo do seguro-desemprego, garantia de estabilidade, ampliação da licença maternidade, ampliação do gasto com saúde –, que, no entanto, não dependem da luta de classes, mas da colaboração de classes.

Aos eleitoreiros, vinculados ao PT, PCdoB, PSOL, Solidariedade, que controlam as centrais, não custa pedir “a suspensão do pagamento da dívida pública e a utilização dos recursos para fortalecer a seguridade social (…)”, “suspensão do teto dos gastos” e da “Lei de Responsabilidade Fiscal”. O PSTU, centrista, por meio da CSP-Conlutas, assinou a resolução das centrais, confirmando, mais uma vez, o seguidismo oportunista. Os burocratas sabem que tudo isso não passa de propaganda oportuna diante do governo ultradireitista, que afunda em contradições, e que perde apoio de importantes frações capitalistas. Os oportunistas eleitoreiros, que compõem a ala esquerda da política burguesa, não estão pela defesa da vida das massas, mas sim de seus próprios interesses aparelhistas, que dependem das possibilidades de realização da colaboração de classes.

Bolsonaro, criticado pelos meios de comunicação e pela oposição burguesa, por não cumprir seu papel de centralizador da campanha, mudou de posição. Depois de seu ministro da Economia apresentar um plano – uma fraude em nome dos mais “vulneráveis” –, Bolsonaro conclamou  a “união” para “superar o caos (que) só interessa aos que querem o pior para o Brasil”. Uma de suas decisões foi a de fechar, seletivamente, a fronteira com a Venezuela, como tinham feito a Colômbia e o Paraguai. É uma nítida retaliação ao governo nacionalista de Maduro, cuja economia do País mal se agüenta, diante do cerco econômico criminoso imposto pelo imperialismo norte-americano.

A política de conciliação de classes da burocracia sindical desarma a capacidade de luta das organizações operárias e populares para enfrentar a diretriz do governo, diante da pandemia e do aprofundamento da crise econômica. Não se podem equiparar as manifestações sindicais e políticas dos trabalhadores com festas, praias, festivais, etc. A classe operária e demais explorados têm de recorrer aos seus meios de luta, sem seguir as prescrições, ordens e proibições, uma vez que o governo e a burguesia não lhes protegerão de fato da proliferação do coronavírus. O pacote de Guedes acaba de dar prova de que, acima de tudo, estão os interesses dos capitalistas, principalmente do capital financeiro.

É preciso rechaçar o chamado à união nacional, por ser uma armadilha montada pelo poder econômico e político dos exploradores contra a maioria oprimida. A tarefa é a de retomar a luta coletiva. É preciso remarcar urgentemente o Dia Nacional de Luta, sob bandeiras claras de combate ao desemprego, subemprego, terceirização, salário mínimo de fome, bem como às contrarreformas de Temer e Bolsonaro.

Diante da pandemia, levantar bandeiras emergenciais de proteção à maioria: 1) elevar o orçamento do SUS de acordo com um plano de enfrentamento à pandemia; 2) colocar toda a rede privada médico-hospitalar sob a direção do SUS, cujo controle deve passar para as mãos dos trabalhadores da saúde e de comitês de bairro; 3) dar às famílias pobres e miseráveis um salário mínimo emergencial, que cubra todas as suas necessidades; 4) proteger a maternidade, reduzindo a jornada de trabalho da mulher; 5) colocar os laboratórios e a indústria farmacêutica sob a centralização do Estado; 6) constituir uma força tarefa médico-hospitalar voltada a atender os pobres e miseráveis; 7) estabelecer um imposto sobre as grandes fortunas, capital financeiro, multinacionais e latifúndios; 8) interromper o pagamento de juros da dívida pública. São oito medidas emergenciais, que de fato protegem os trabalhadores e suas famílias. Por serem emergenciais, são transitórias. A classe operária deve vinculá-las com o programa de expropriação do grande capital, estatização do capital financeiro e nacionalização das terras. É nas condições de crise profunda que, objetivamente, se evidencia a necessidade da revolução social, da transformação da grande propriedade dos meios de produção em propriedade coletiva, e da constituição de um governo operário e camponês.

Somente lutando com esse programa, é possível organizar um movimento pelas reivindicações emergenciais. Os sindicatos e organizações populares-estudantis devem e podem organizar comitês de base para rechaçar a falsa união nacional e a política de conciliação de classes. É com as massas nas ruas e com a greve geral que os explorados se defenderão, não apenas da pandemia, mas também da crise estrutural do capitalismo.

Por um movimento da classe operária e demais explorados, independente da burguesia, para enfrentar a pandemia e as consequências da crise econômica!

Não à política de “união nacional” com a burguesia e seu governo!
Por um plano emergencial de defesa da vida maioria oprimida!
Constituir os comitês de luta nos locais de trabalho e nos bairros!
Remarcar imediatamente o “Dia Nacional de Luta”, como dia de proteção dos explorados!