• 25 mar 2020

    Contradições econômicas e políticas da pandemia – Esclarecer, para organizar a resistência dos explorados

Contradições econômicas e políticas da pandemia

Esclarecer, para organizar a resistência dos explorados

25 de março de 2020

A rápida proliferação mundial do coronavírus e suas consequências para vida humana dão a dimensão de sua extrema gravidade. O avanço do número de casos no Brasil ainda não se estancou e, segundo as informações de autoridades sanitárias, o período de maior incidência está por vir. Não é o caso de repetir os números de mortos fora e dentro do país, uma vez que a imprensa os divulga à exaustão. Interligada à pandemia, manifesta-se a crise econômica. Também nesse caso, vêm sendo divulgadas previsões sombrias, tanto para a economia internacional, quanto nacional.

Estamos diante de um fenômeno que expressa, concomitantemente, duas crises – a sanitária e a econômica. Está aí a dificuldade em separá-las e encontrar as raízes comuns. O caminho para compreender até onde vai uma e outra, e como estão imbricadas, é o de pôr às claras as contradições.

A manifestação do fenômeno natural se realiza em meio e por meio das relações sociais. Está provado que qualquer epidemia, em qualquer época histórica, se caracteriza por estar determinada pelas condições sociais. E essas se caracterizam pelas relações de produção e divisão de classes. A epidemia, por ser uma expressão da natureza, atinge todas as classes. No entanto, a base de sua proliferação se encontra nas massas oprimidas. E as consequências mais nefastas atingem as camadas mais pobres e miseráveis.  É o que se observa, desde a febre tifóide, na Grécia, no século V antes de nossa era, e a peste negra, no século XIV. No século XX, a gripe espanhola (1918-1919) se tornou um marco da pandemia mundial.  Em nossos dias, a pandemia da gripe Influenza H1N1 causou milhares de mortes no mundo e, no Brasil, centenas, somente em 2009. A dramática estatística do H1N1 não descreve as condições sociais de suas vítimas. Sabe-se, porém, que a imensa maioria é de pobres e miseráveis. Especialistas afirmam que não foi mais devastadora, porque já havia meios científicos para contê-la. O novo Covid-19, ao contrário, está livre para infectar e comprometer os organismos mais frágeis, não apenas por motivo de idade, mas também e, principalmente, por motivo de pobreza e miséria.

A notícia é de que há uma corrida para alcançar a vacina. O que deve ser resolvido pelas multinacionais da área da saúde. Cabe à maioria dos países de economia atrasada aguardar o milagre científico proveniente das potências. Certamente, essa maioria pagará caro pelo medicamento. As pandemias abrem um particular mercado para a indústria farmacêutica e médico-hospitalar. Nem todos os países têm acesso aos avanços da medicina, e poucos podem cobrir integralmente as necessidades da população. Voltamos à contradição social inicial de que os mais explorados e oprimidos arcam com as piores consequências. Isso se dá na relação entre nações opressoras (imperialistas) e nações oprimidas (semicoloniais), bem como entre a minoria burguesa, da qual faz parte a alta classe média, e a maioria oprimida, constituída pela classe operária, camponeses pobres e classe média arruinada. Estão nas mãos das potências, das multinacionais e dos governos a limitação e a superação da pandemia. As massas estão obrigadas a receber passivamente as medidas ditadas internacionalmente. E os Estados nacionais têm a tarefa de adaptá-las às suas circunstâncias econômicas e sociais. Não é necessário demonstrar a desigualdade que impera diante do fenômeno natural, que começa em um país, no caso a China, e se expande velozmente pelo globo. A burguesia como um todo e o batalhão de burocratas serviçais estão obrigados, por seus interesses de classe dominante, a ocultar e a falsear as contradições, quando estas se manifestam na forma de crise – no caso, de crise dupla.

A classe operária, desorganizada e estilhaçada mundial e nacionalmente pela crise de direção, se sujeita à política pandêmica, que aterroriza as massas, com a campanha orquestrada internacionalmente pelo imperialismo, e executada nacionalmente pelos Estados. Sem o seu partido mundial da revolução socialista, portanto, sem suas seções nacionais, o proletariado não tem como reconhecer as contradições do regime capitalista, que condicionam o curso natural das pandemias. Sem uma vanguarda internacional com elevada consciência de classe, e capaz de desenvolver o programa da revolução proletária, os explorados ficam à mercê das respostas burguesas, e limitadas aos interesses dos monopólios e do capital financeiro.

É instintivamente natural o temor que provocam as pandemias, inclusive entre os ricos e poderosos, que contam com a proteção material e científica. No entanto, o temor se transforma em terror entre as massas, quando estão sujeitas às ações políticas e econômicas da burguesia. O terror se deve ao fato da maioria oprimida não ter como reagir coletivamente ao perigo natural que as ameaça.  A individualização do problema coletivo resulta da política deliberada dos governos burgueses. A partir dessa imposição, o destino de cada um não depende de uma resposta coletiva, mas da ação político-administrativa baixada pelos governos. Noções como “solidariedade”, “cada um deve fazer sua parte”, “a proteção de um depende da proteção de outro”, “união nacional” e “patriotismo” acompanham as campanhas governamentais. Funcionam como máscara ideológica da individualização e das pressões aterrorizantes para que a população se discipline coletivamente às decisões do Estado.

A experiência indicou aos infectologistas que a redução do contato coletivo e o isolamento das quarentenas dificultavam a proliferação do vírus e, portanto, permitiam a realização de seu ciclo com menor consequência para a vida humana. Em outras palavras, tratava-se de modificar, provisoriamente, a vida social, para que o fenômeno natural perdesse o impulso da contaminação, uma medida evidentemente emergencial, que exigia uma resposta estrutural médico-sanitária. Ocorre que essa medida traz consequências econômicas. A maioria, que vive do salário e do trabalho por conta própria, não tem como cumprir o isolamento da mesma maneira que a minoria burguesa e pequeno-burguesa. A individualização entra em contradição com as relações de trabalho e as necessidades prementes da maioria. Um método científico comprovado pela experiência não tem como ser compreendido pelas massas, que temem não apenas pelo risco da contaminação, como também pelo risco da falta de recursos materiais.  Ou seja, o Estado tem de impor o isolamento pela via do pânico, criado politicamente. Um isolamento compreendido e consentido coletivamente tem de ter uma base material de sustentação. O que não é possível na sociedade de classes.

A pandemia do Coronavírus não traz nada de novo quanto a isso. A particularidade está em que vem expondo mais claramente a incapacidade da burguesia mundial e dos governos nacionais de combaterem a pandemia, sem descarregar sobre as massas a crise econômica, que já vinha despontando bem antes de suas primeiras manifestações. O surto epidemiológico não criou as tendências recessivas da economia mundial, que eclodiram em 2008, e se acirraram a partir do final de 2019. Não é responsável pela superprodução e guerra comercial. Não tem nada a ver com a lei histórica da contradição entre as forças produtivas e as relações capitalistas de produção, que, na sua fase imperialista, resulta em decomposição e barbárie social. O que não significa desconhecer que a pandemia, invariavelmente, provoca consequências econômicas negativas.

A burguesia tem responsabilizado o coronavírus muito além de sua capacidade de atingir o funcionamento da economia mundial. Os milhões de postos de trabalho destruídos, desde a crise de 2008, não foram recuperados. Estima-se, agora, uma nova onda de demissões em massa. Em toda a parte, a força de trabalho tem sido desvalorizada. As contrarreformas destroem direitos trabalhistas. A terceirização ganha terreno. Em geral, as condições de trabalho vêm sendo precarizadas. Esse ataque brutal da burguesia sobre as massas não se deve a nenhuma pandemia, mas à crise de superprodução, à tendência de queda da taxa média de lucro dos monopólios, ao agigantamento do parasitismo financeiro, e à guerra comercial. É claro que o fechamento das fronteiras nacionais, devido à pandemia, potencia a crise econômica mundial. Medidas dessa natureza transparecem a incapacidade das potências de encontrar uma solução, que não seja a da superposição dos interesses nacionais sobre os mundiais. No fundo, se encontra o choque entre as forças produtivas e as relações de produção e, consequentemente, a guerra comercial. A pandemia é mundial, mas as tragédias e soluções são nacionais. Refletem a contradição entre as forças produtivas mundiais e as fronteiras nacionais.

A utilização da pandemia como cortina de fumaça para a retomada da crise mundial desaparecerá, assim que o ciclo infeccioso perder força. O desemprego e subemprego estarão em um patamar mais alto. A massa salarial, por sua vez, estará em um patamar mais baixo. Essa contradição reflete a necessidade da burguesia de destruir parte das forças produtivas, nas condições de superprodução e queda da taxa média de lucro dos monopólios. Os países semicoloniais são os que mais arcarão com o processo de desintegração do capitalismo mundial. Os efeitos da pandemia apenas confirmarão a incapacidade da burguesia de proteger a vida das massas. A falência do sistema de saúde da Itália e Espanha – dois países mais afetados na Europa – evidenciou o declínio de velhas potências. Em toda a parte, o sistema público de saúde se encontra pauperizado. E o sistema privado, agigantado. A pandemia torna mais visível o caráter de classe da saúde.

O isolamento e a quarentena podem amenizar os efeitos da pandemia na vida humana, mas não podem evitar a tragédia que se abate sobre os pobres e miseráveis. Em contrapartida, os efeitos econômicos das medidas governamentais recairão principalmente sobre as massas oprimidas. As direções sindicais se submeteram à política de confinamento, que implica demissões, corte de salários, retirada de direitos e proibição ao trabalho informal. Via de regra, essa linha e o terror dirigido pelo Estado foram assimilados pelas esquerdas, salvo alguma exceção.  A vanguarda se viu desnorteada no turbilhão de tantas contradições. A renúncia dessas forças políticas em organizar a luta de classes, de maneira mais ou menos explícita, contra as ações do imperialismo e dos governos burgueses, expressou as poderosas pressões da burguesia. Não era difícil apresentar um plano de emergência. O difícil é intervir no seio das massas, apavoradas e encurraladas, em defesa de uma resposta proletária própria. O desmonte do Dia Nacional de Luta (18 de março) impossibilitou uma reação coletiva dos explorados contra a ofensiva da burguesia e seu governo, que em nenhum momento cessou os ataques aos empregos e aos salários. A política de colaboração de classes se fez presente por inteiro na desmobilização e no apoio à diretriz de confinamento social. A classe operária atomizada teve o curso de sua resistência às contrarreformas interrompido. A sua passividade favoreceu a arremetida das forças burguesas governistas e oposicionistas.

Tudo indica que esse profundo refluxo será usado posteriormente para o governo e a burguesia darem novos passos, contrários às necessidades mais elementares dos explorados. A vanguarda com consciência de classe deve despertar para a necessidade de retomar a resistência, por meio das reivindicações e dos métodos próprios de luta do proletariado. Tornou-se mais visível a grave crise de direção e a tarefa de construir o Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.

Somente sob o programa e a estratégia da revolução proletária, é possível erguer um movimento dos explorados contra o capitalismo em desintegração. Somente lutando pela transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social, é possível vencer a barbárie capitalista!

Somente por meio da luta de classe se imporá à burguesia um plano de emergência de defesa dos empregos e dos salários!

Que as centrais e sindicatos rompam com a política de conciliação de classes!