• 09 abr 2020

    Preparar-se para o retorno ao trabalho

Que os sindicatos convoquem assembleias gerais e por fábrica
Organizar a luta pelo plano próprio de emergência dos explorados!

8 de abril de 2020

No início de abril, o isolamento social chegou a uma média nacional de 51,8%. Houve um crescimento vertiginoso, entre o início de março e começo de abril. Segundo informações, a maior eficácia da medida seria de pelo menos de 70%.  Foi, porém, um grande feito ter alcançado mais de 50%. Surpreendentemente, o estado de São Paulo, mais populoso, industrializado, e com uma população concentrada nos centros urbanos, atingiu 54% nos primeiros dias de abril.

Nos últimos dias, acelerou o número de contaminação e mortes em vários estados, principalmente, em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. A previsão é de que, nas duas próximas semanas, serão críticas. No entanto, crescem as pressões para a volta ao trabalho. O governador de São Paulo teve de prorrogar a quarentena até 22 de abril. No final de março, verificou-se, em São Paulo, o aumento de passageiros nos transportes coletivos. As cenas de superlotação nos terminais de ônibus obrigaram a prefeitura a aumentar a frota. Estima-se que mais da metade da frota estará em circulação. É bom lembrar que, na capital paulista, o isolamento chegou a 66%, no final de março, próximo, portanto, aos 70% almejados. O estado de São Paulo se tornou o epicentro da pandemia, ao lado do Rio de Janeiro, que também constata um movimento da população na contracorrente do isolamento social.

As imagens dos ônibus superlotados trazem a ideia de que é a população que, espontaneamente, começa a romper o cordão do isolamento. As autoridades dão a entender que há um desacato da medida, que tem servido para poupar vidas. O certo é que o poder econômico retira os trabalhadores de suas casas. O comércio e os serviços não aceitaram de bom grado a desativação de suas atividades. Pequenos e médios capitalistas da indústria passaram a reclamar dos prejuízos e da dificuldade de manter seus compromissos financeiros (folha de pagamento, endividamento, etc.). Os monopólios, multinacionais e grandes capitalistas nacionais deram férias coletivas, aproveitando a situação para preparar o terreno a novos ataques aos empregos e salários, ajustando-se à crise de superprodução. Os setores considerados essenciais funcionaram normalmente, obrigando seus trabalhadores a correrem maior risco da contaminação. Essa é a base material para o êxito, semiêxito, ou fracasso do isolamento. Não se pode responsabilizar as massas trabalhadoras por absolutamente nada. A própria burguesia, por meio de seus governos, assumiu a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), de implantar o isolamento social, e, agora, iniciar sua desativação.

Em todo esse processo, as massas desorganizadas acataram passivamente, embora pressentindo os perigos de ficar em casa, à custa de perder o emprego. A parcela dos informais que não acatou a imposição se deve a que não tinha como abrir mão do pão de cada dia. Os lumpens continuaram a sua rotina diária no vaivém das ruas dos grandes centros. Nesse caso, as autoridades os deixaram por conta da sorte. Não há como ocultar, portanto, que a responsabilidade sobre o isolamento social e suas consequências são de inteira responsabilidade do poder econômico.

Está aí por que a forma e a extensão da medida indicada pela OMS provocaram atritos entre os empresários e uma crise política de grandes proporções. O governo federal se viu diante do dilema de como compatibilizar a crise sanitária com a crise econômica. Aplicar, rigorosamente e a fundo, o isolamento social implicava dilacerar a política econômica do ajuste fiscal. Teria de proteger os empresários e o capital financeiro, bem como distribuir migalhas para os miseráveis. Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, se assombraram, diante do rombo do déficit fiscal e aumento do endividamento do Tesouro Nacional, previsto em mais de R$ 400 bilhões. A Lei de Responsabilidade Fiscal, do Teto de Gastos e a Regra de Ouro caíram como um castelo de cartas. A paralisia industrial, serviço e comércio significava empurrar a economia para a recessão. Inevitavelmente, viriam as demissões em massa, e a taxa de desemprego daria um salto à frente. O subemprego e a informalidade, já insuportáveis, se tornariam um grande peso para o Estado. Mais uma vez, temos de recorrer à base econômica, para entender a divisão interburguesa, que se precipitou, e que ainda se desenvolve.

É superficial a discussão de que se tratava do choque entre os partidários da ciência e do obscurantismo.  Não há dúvida de que Bolsonaro representa um dos governos mais obscurantistas da história política do País. O que não quer dizer que seus adversários políticos, como o governador de São Paulo, Doria, não sejam obscurantistas. Diferenciam-se apenas em grau. Não é sobre esse terreno que se deu, e vem se dando, a divergência sobre o isolamento social geral (horizontal), ou parcial (vertical). O problema está em que a União, portanto, o governo federal, é que terá de arcar, em última instância, com o rombo financeiro. Os governadores e prefeitos terão de recorrer ao Tesouro Nacional para suportar as consequências da crise econômica, que atingirá os estados. Parte deles já estava quebrada, e dependia de um acordo com Bolsonaro, para manter a máquina administrativa funcionando. O estado de São Paulo, em melhor situação em relação aos demais, pleiteou a possibilidade de contrair empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI), que certamente têm de ser avalizados pelo governo federal. Anterior à pandemia, Bolsonaro negociava com os governadores e prefeitos o “Plano do Equilíbrio Fiscal”, denominado Plano Mansueto, que permitia que fizessem empréstimos, desde que se submetessem ao ajuste fiscal, ditado pelo governo federal. Essa via, porém, foi obstruída com a enxurrada de gastos de governadores e prefeitos com o isolamento social. Agora, tem de se fazer um ajuste, em torno do qual se agrava o choque de parte dos governadores e do Congresso Nacional com Bolsonaro. As oligarquias regionais necessitam se impor diante de uma situação econômica e social que se deteriorará muito mais. A exigência de que Bolsonaro coordenasse a campanha nacional do isolamento tinha por base garantir os rombos financeiros de estados e municípios.

O governo federal, ao resistir e procurar impor a diretriz do isolamento seletivo (vertical), deu margem para que a crise política se extravasasse, na forma de crise federativa, que há muito não se tinha com tamanha proporção. O fato do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, seguir as determinações da OMS provocou um desalinhamento no governo. Se não fosse pelo núcleo militar, que rodeia Bolsonaro, já teria havido sua demissão. Os governadores de oposição, apoiados em Doria, se alimentaram dessa divergência. A informação é de que o ministro da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto, garantiu a manutenção de Mandetta, contrariando a vontade do presidente da República. O que sugeriu ter havido um “golpe branco”. Observa-se, no entanto, que não é do interesse da burguesia a quebra da governabilidade. O porta-voz do Congresso Nacional, Rodrigo Maia, a despeito da campanha sórdida que tem feito os bolsonaristas contra sua figura, mantém no alto a bandeira de “união nacional”, que conta com apoio do PT, aliados e burocracia sindical.

A condição de permanência de Mandetta é de que vá gradualmente se alinhando às posições do governo Bolsonaro. Um primeiro sinal foi admitir a flexibilização do isolamento social. Um passo foi dadoàs nesse sentido, com a distinção entre as áreas menos e mais afetadas. O governador do Rio, Wilson Witzel, adotou essa nova orientação. Doria, ao contrário, teve de manter a bandeira “Fique em casa”. A manutenção da quarentena até 22 de abril é explicada pela estimativa de que 227 mil pessoas poderão morrer dentro de seis meses, caso não se cumpra o isolamento social. Mesmo com a estarrecedora previsão, os setores do comércio e serviços forçam passagem ao retorno às atividades. Está claro que a quebra do confinamento é de responsabilidade das forças econômicas, e não da população.

Começa a prevalecer a tese do governo Bolsonaro, de que é melhor que morra mais gente contaminada, do que se destroce a economia. Trata-se de uma premissa de um governo que se bate em meio à dupla crise – – sanitária e econômica -–, cuja sobrevivência está prematuramente ameaçada. Eis por que a discussão, no interior da política burguesa, sobre se primeiro se defende vidas, e depois a economia é completamente falsa. Ocorre que a crise sanitária tão somente impulsionou o ritmo da crise econômica, que é mundial. É claro que a burguesia necessitava e necessita envolver as massas, contando com sua passividade e desorganização. O maior problema está por vir. O fechamento massivo de postos de trabalho e o aumento do desemprego resultarão em crescimento exponencial da miséria estrutural.

Os explorados foram joguetes e continuarão sendo, caso não se levantem coletivamente contra a burguesia, seu governo e seu Estado. Não há como enfrentar o desemprego, subemprego, informalidade e a fome sem se sublevar. As condições objetivas para isso estão dadas. O problema reside na ausência de uma direção revolucionária. A burocracia sindical, que serve à política de conciliação de classes, imediatamente se adaptou ao isolamento social, apoiando as medidas de proteção aos capitalistas e de migalhas para os miseráveis, e fechou os olhos às demissões e redução de jornada e salário. Seu primeiro gesto de colaboração foi desmontar o “Dia Nacional de Luta”, 18 de março. O que inviabilizou uma primeira resposta coletiva das massas, e sua organização para enfrentar os passos seguintes das crises sanitária e econômica. No caudal da pandemia, e com o isolamento social, os burocratas aproveitaram para negociar a flexibilização capitalista do trabalho com as multinacionais, a exemplo da GM.

Agora, o problema já não se circunscreve ao isolamento, mas também à sua quebra. É previsto um retorno massivo, caso a pandemia não cause surpresas dramáticas. O governo federal passa a ter iniciativa em suas mãos. Os governadores, endividados, vão ter de se submeter. A crise federativa não pode se aprofundar. A velha centralização ditatorial, de uma maneira ou de outra, voltará ao seu lugar. A burguesia e seus politiqueiros preveem dias difíceis, com a queda econômica, e a violenta carga descarregada sobre as costas da maioria oprimida. A volta à normalidade tem de contar com a disciplina e a sujeição da classe operária, que constitui a coluna vertebral dos explorados. A burocracia sindical, por sua vez, se inclina a seguir um rearranjo nas fileiras da política burguesa.  Tudo fará para evitar que a classe operária tome consciência coletiva do desastre que se abateu sobre ela e demais oprimidos. É nesse terreno que a vanguarda revolucionária travará a luta contra os aparatos burocráticos e a política de conciliação de classes.

Assim que a classe operária iniciar o seu retorno, terá necessidade das assembleias sindicais, para fazer um balanço dos estragos e organizar a luta pelos empregos e salários. É o momento em que poderá se levantar em defesa de seu próprio o plano de emergência, que não teve como ser empunhado. Poderá rechaçar o plano de emergência da burguesia, que antes não tinha como ser feito, devido ao esvaziamento das fábricas, e sua pulverização como indivíduos. A vanguarda tem de fazer uma ampla campanha pela convocação de assembleias, pelo plano de emergência, e pela constituição dos comitês de luta. Tem de dar continuidade à bandeira de rompimento das centrais sindicais com a política de conciliação de classes.

Somente a classe operária organizada pode dirigir o movimento contra as demissões, desemprego, subemprego e redução salarial!
Somente a classe operária organizada pode lutar por um plano próprio de emergência!
Que os sindicatos passem a convocar as assembleias!
Abaixo as negociatas da burocracia sindical com o patronato!
Derrotar a política de conciliação de classes da burocracia sindical!
Pela independência política e organizativa dos explorados!