• 14 abr 2020

    Unidos ou divididos, os governantes descarregam a crise sobre os explorados

Unidos ou divididos, os governantes descarregam a crise sobre os explorados

14 de abril de 2020

A pandemia, ao acelerar a queda econômica, e desorganizar as contas do Estado, aprofundou a crise política. Desde o início, se manifestou a discordância entre o governo federal e os governadores. O Congresso Nacional se tornou caixa de ressonância ampliada das dissenções no seio da burguesia.

A primeira fase da crise sanitária correspondeu à campanha burguesa, de impor o isolamento à população, sem nenhuma garantia de manutenção dos empregos e salários. Aterrorizada pelos riscos de infecção, quase 60% acataram as recomendações do Ministério da Saúde. Nesta fase, se gestaram as divergências internas e externas ao governo federal, bem como os acordos em torno às medidas emergenciais, votadas pelo Congresso Nacional. Dentre as medidas, o miserável auxílio de R$ 600,00 aos trabalhadores informais; ao lado disso, a autorização do patronato de reduzir a jornada e suspender o trabalho, diminuindo os salários. Calcula-se que um milhão de trabalhadores já tenham sido submetidos à redução salarial. É bom frisar que os capitalistas mantiveram suas mãos livres para demitir.

A divergência quanto à forma do isolamento promoveu um alinhamento oposicionista, diante das posições do governo Bolsonaro, tão amplo, que abarcou governadores distintos, e vários partidos burgueses, entre eles os da esquerda reformista, PT, PCdoB e PSOL. As centrais sindicais, indistintamente, incluindo a CSP-Conlutas, seguiram o alinhamento oposicionista, cujos principais expoentes são o governador de São Paulo, João Doria, PSDB, e o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, DEM. É ainda nessa fase que o governo e o Congresso Nacional armaram as diretrizes de apoio aos capitalistas.

No início de abril, a primeira fase evidenciou sinais de esgotamento. Regredia o isolamento social, embora continuasse crescendo o número de infectados e mortos em vários estados. Em São Paulo, que se mantinha como epicentro da pandemia, o isolamento de quase 60% caia para menos de 50%. O comércio e serviços deram os primeiros passos de retorno às atividades. A indústria, tendo as multinacionais à frente, continua retardatária, mantendo o maior índice de desativação da produção. Tudo indica que, no final desse mês, quando terminar a prorrogação da quarentena no estado de São Paulo, crescerá a pressão de setores industriais, que têm menor capacidade de se manterem inativos. Nota-se, portanto, que a tendência geral é a de retorno às atividades, o que começará com a volta ao trabalho de setores da classe operária, como já ocorre em alguns países da Europa. Bolsonaro, agora, se acha em melhor posição política. O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, passou a considerar a aplicação do isolamento seletivo.

Bolsonaro tem conseguido, em certa medida, conter a projeção nacional do governo de São Paulo, e trabalha pelo seu enfraquecimento. Pouco a pouco, o comércio e os serviços vão impondo a quebra do confinamento nos estados mais importantes do Sudeste.  O provável é que esse processo avance mais rapidamente, a não ser que o surto pandêmico assuma proporções devastadoras. O problema continua, principalmente, nas mãos dos governos de São Paulo e Rio de Janeiro, devido à possibilidade da pandemia se alastrar nas favelas e cortiços. Apesar dos meios de comunicação continuarem com a campanha de que a única solução é ficar em casa, as forças econômicas vão se impondo.

Esse momento de agravamento das contradições por que passa o Brasil tem, no fundo, a necessidade das potências de reagirem à queda econômica, e evitarem o comprometimento do sistema financeiro mundial. As potências assistem, da noite para o dia, a elevação extraordinária das demissões e desemprego. Isso, apesar dos trilhões de dólares que começam a ser injetados na economia pelos Bancos Centrais e governos. O nível de endividamento mundial é uma bomba de pavio curto. A carga anterior à pandemia já era considerada insuportável. O Produto Interno Bruto (PIB) mundial corresponde a cerca de US$ 90 trilhões, e a dívida pública e privada atinge US$ 260 trilhões.  A grandeza do problema é tal que os organismos internacionais do imperialismo (FMI, Banco Mundial, etc.) se batem com a imprevisibilidade do desmoronamento, que está por vir.

O Brasil, possivelmente, arcará com uma queda de pelo menos 5% no seu crescimento. Já se comenta que, se confirmada essa previsão do Banco Mundial, será a maior recessão em 120 anos. Para um país continental, populoso, e marcado pelo desemprego, subemprego, informalidade, miséria e fome estruturais, uma recessão desse tamanho, que se segue à recessão de 2015-2016, e ao crescimento vegetativo de 2017 a 2019, será um desastre para as massas.  As velhas contradições virão à tona de maneira a expressar a falência da burguesia nacional e de seu Estado. Incapaz de impor a independência nacional diante do imperialismo saqueador, e de resolver as tarefas democráticas próprias do país de economia atrasada – necessárias para superar a miséria e fome endêmicas–, a burguesia empurra a classe operária e a maioria oprimida, a procurarem a via da revolução proletária.

Mundialmente, a combinação da pandemia com as tendências objetivas da crise econômica projeta a sombra das revoluções socialistas do século XX, que tiveram como ponto de partida a Revolução Russa. A quebra inevitável da União Europeia, que já se vinha processando antes da pandemia, e a retomada das barreiras nacionais, potenciam o choque entre as forças produtivas e as relações de produção. Os Estados Unidos vêm perdendo capacidade de responder hegemonicamente à maior crise do pós-guerra, precisamente, por serem o principal fator do parasitismo e da subordinação das forças mundiais aos interesses parasitários do capital financeiro. As condições objetivas para a revolução proletária estão mais do que maduras, refletindo, portanto, a crise de direção mundial do proletariado. O seu destacamento mais avançado deve elevar a compreensão histórica e programática da necessidade de reconstituir o Partido Mundial da Revolução Socialista.

Na América Latina, as massas operárias, camponesas e classe média arruinada são empurradas para uma situação insustentável de pobreza e miséria, sem que nenhum dos governos possa responder à pandemia, sem destroçar ainda mais a economia. A crise de direção também comparece como um grande obstáculo a ser removido.

É nesses marcos que se desenvolve a crise no Brasil. Bolsonaro se bate por salvar o seu governo a qualquer custo. A oposição se vale da pandemia para comparecer como humanitária e salvadora dos pobres e miseráveis. Estabeleceu-se um divisor, entre aqueles que seguem as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), e aqueles que trabalham contra e sabotam o isolamento social. Esse divisor, porém, desaparece quando se trata da proteção aos capitalistas, e ataque às condições de trabalho e de subsistência dos explorados. Todos estão unidos em volta do plano de redução da jornada com redução salarial. Não por acaso, os R$ 600,00, destinados a milhões que não têm fonte de sustento, resultaram da negociata entre as duas alas burguesas. As direções sindicais, que colaboram com a aplicação da Medida Provisória 936, querem fazer crer que essa mísera quantia foi uma vitória dos trabalhadores. A votação, quase por unanimidade, da MP 930, por sua vez, resultou de um grande acordão, para proteger o capital financeiro e os grandes capitalistas da indústria e comércio.

Como se pode ver, o enfrentamento público entre o governo federal e os governos estaduais oculta a premissa econômica comum, de que os empregos e os salários seriam garantidos pelas MPs 936 e 930. Em outras palavras, de um lado, dá opção aos capitalistas de reduzirem a jornada e suspenderem o trabalho, usando como contrapartida a redução salarial, e, de outro, atribui ao Banco Central a capacidade de favorecer o capital financeiro, com a compra de títulos que perdem valores, e se tornam impagáveis. Essa conjugação de interesses em favor da burguesia e contra os explorados constituiu o verdadeiro plano do isolamento social, na primeira fase da pandemia.

O retorno à normalidade, ou quase normalidade das atividades econômicas, previsto com o rompimento gradual do confinamento, colocará a crise interburguesa em um patamar superior. É o que evidencia o conflito federativo, que esteve na base da divergência entre o governo federal e os governos estaduais. Rodrigo Maia, presidente da Câmara de Deputados, foi acusado por Bolsonaro de favorecer o estado do Rio de Janeiro, com o projeto de socorro emergencial a estados e municípios. Não aceita um substituto ao Plano Mansueto, que vinha sendo negociado antes da pandemia. Importantes estados, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, estão falidos, ao ponto de não conseguirem cumprir a folha de pagamento dos servidores públicos. Diante da acusação do capital financeiro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que se tratava de uma “bomba fiscal”, Maia recuou na votação, e procura um acordo com Bolsonaro. O governo aproveitou o recuo para oferecer um montante aos governadores, condicionado ao congelamento salarial do funcionalismo e demissões. É a forma encontrada pelo ministro Guedes para pôr em prática o Plano Mansueto.

A centralização autoritária, que caracteriza o Estado brasileiro, não tolera qualquer autonomia federativa. A crise sanitária reascendeu, sob novas circunstâncias e conteúdo, velhos problemas federativos. O estado de São Paulo, por ser o carro-chefe da economia nacional, se destacou, ao contestar a diretriz do presidente da República, apoiando-se no ministro da Saúde. Bolsonaro e seu núcleo militar agiram para retomar as rédeas da centralização. Os estados dependem do Tesouro Nacional, não podendo se arvorar com a autonomia, por menor que seja. É na segunda fase da crise pandêmica, quando comércio e serviços rompem o isolamento, que o conflito federativo se agrava. Bolsonaro aciona seus poderes para afirmar que somente o presidente da República poderia e pode decidir sobre as medidas restritivas ao isolamento.

Decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, contrariando as ações centralizadoras do governo federal, indicaram a fraqueza do governo Bolsonaro, e o aprofundamento da crise política. O Procurador Geral da República (PGR), Augusto Aras, nomeado pelo presidente da República, movimentou uma peça do tabuleiro, reconhecendo que a autonomia dos estados não pode violar o direito do governo central de determinar as condições do isolamento social. Diante da resistência do governo de São Paulo em acatar a disciplina exigida por Bolsonaro, ampliando a quarentena, e ameaçando o uso da força, a Advocacia-Geral da União indicou que poderia valer-se de medidas judiciais, para “garantir a ordem democrática e a uniformidade das medidas de prevenção à Covid-19”. Por incrível que pareça, o governo militarista refere-se à ameaça de Doria de manter pela força o isolamento como arbitrária e autoritária. Demagogia à parte, o retorno à normalidade depende, em última instância, do estado de São Paulo.

Bolsonaro tem conseguido jogar setores do comércio e serviços contra Doria. As carreatas bolsonaristas, nas ruas de São Paulo, pressionam o governador a seguir as determinações do governo federal. O que dificulta impor medidas judiciais e policiais contra a população, que retorna ao trabalho, evidentemente, forçada pelos empregadores e pelas dificuldades de obter o sustento da família. A pandemia vem ganhando força, sobrecarregando as unidades de saúde, e aumentando as mortes. De 1.532 óbitos em todo o país, 695 estão em São Paulo. Está aí a dificuldade de Doria em acatar as ordens de Bolsonaro. Será o último estado a relaxar o isolamento.

Os acordos e desacordos, no interior da política burguesa, se desenvolvem por cima da classe operária e demais explorados, com estes completamente dispersos, desorganizados e temerosos. Ao voltarem ao trabalho e ao mercado informal, estarão mais pobres, mais endividados, e com maior dificuldade de sustentarem suas famílias. Pior ainda, milhões não terão seus postos de trabalho. Vão se deparar com a recessão e com as pressões dos capitalistas, para que aceitem empregos precarizados e salários reduzidos. Na segunda fase da pandemia, as montadoras anteciparam o objetivo de varrer empregos, e impor um contrato baseado na mais ampla flexibilização capitalista do trabalho. As centrais sindicais, criminosamente, aceitaram negociar, por meios eletrônicos, a redução de jornada e salário. Capitalistas e burocratas se valem do isolamento social para conspirar contra os interesses do proletariado. O PT e aliados se esforçam por se mostrarem confiáveis ao grande capital, e imprescindíveis para canalizar a revolta dos oprimidos para a política de conciliação de classes.

Na volta ao trabalho, os explorados sentirão a dramática situação para a qual foram empurrados pela burguesia e pelas direções sindicais colaboracionistas. A diferença é que a classe operária retomará seu lugar na produção social e terá como reagir. A vanguarda com consciência de classe e a militância de esquerda que não sucumbiu à política burguesa do confinamento devem lançar uma campanha nas fábricas e demais locais de trabalho pela convocação das assembleias. Eis as principais tarefas: 1) rechaçar qualquer acordo de redução dos salários e demissões; 2) desautorizar os acordos feitos com as multinacionais durante o período do isolamento social; 3) organizar um movimento nacional em defesa do plano de emergência que unifique os explorados; 4) levantar, como bandeira de linha de frente, a defesa dos empregos e dos salários; 5) constituir os comitês de empregados e desempregados; 6) preparar as condições organizativas e políticas para as jornadas de luta e para a greve geral.

Somente a classe operária organizada e mobilizada pode se defender do desemprego, subemprego, pobreza e miséria.