• 22 abr 2020

    Mais um episódio da crise política – Sombra do golpe de Estado

21 de abril de 2020

Bolsonaro não conseguiria uma façanha melhor do que o comício, feito no “Dia do Exército”, para unir contra o seu governo o Judiciário, Legislativo, governadores, imprensa, direções sindicais e personalidades da política burguesa. Seus partidários de classe média alta escolheram o QG do Exército para realizar uma manifestação, sob a bandeira “Intervenção militar já, com Bolsonaro no poder”.

Os arroubos do presidente da República foram de que é a sua política que deve vigorar no País. Não teria nada a “negociar” com o Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (STF) e governadores. Certamente, não nomeou os poderes com tal clareza. Condenou a “velha política”, denunciou “a época da patifaria”, e identificou seu governo com “o povo no poder”. Não passou de retórica, uma vez que dependeu dos velhos politiqueiros e dos patifes para galgar o poder do Estado. Ocorre que essas forças, hoje, se viram obrigadas a ir para a oposição.

Bolsonaro não tem como governar sem a “velha política”, que se expressa por meio das mais variadas frações da burguesia oligárquica. Montou um governo militarista, rodeado de ideólogos da ultradireita fascistizante. Acreditou que seria suficiente assentar sua presidência sobre um núcleo de alta patente, para submeter o Congresso Nacional e demais instituições do Estado. Aspirou constituir um governo tipicamente bonapartista. A militarização de sua administração indicou a disposição presidencial de governar por cima das frações, que compõem a burguesia nacional, e se socorrer do alinhamento com o imperialismo norte-americano.

Quando parlamentar, Bolsonaro se destacou como expressão política dos setores mais reacionários da burguesia, isso como político originário das camadas mais obscurantistas da pequena burguesia. Sua trajetória esteve vinculada à condição de ex-militar, e afeito aos meios policiais. Cultiva noções políticas ditatoriais. Projetou-se na política parlamentar, defendendo o golpe militar de 1964. Liderou uma cruzada contra as denúncias de torturas e assassinatos pela ditadura militar. A sua biografia de ardoroso ultradireitista nunca deixou dúvidas. Desde sempre, evidenciou a condição de parlamentar medíocre. Passou por uma dezena de partidos de menor importância na política burguesa, a não ser o PFL, que se tornou DEM. Para se lançar candidato, teve de se abrigar na insignificante sigla PSL, rompendo após as eleições.  No momento, dedica-se à criação de um partido próprio – “Aliança para o Brasil”. Essa síntese, por si só, é suficiente para constatar que Bolsonaro é fruto de uma profunda crise política, e da decomposição da burguesia.

Não haveria o presidente Bolsonaro, sem que houvesse o golpe de Estado, que derrubou o governo de Dilma Rousseff, do PT. Boa parte dos opositores de hoje esteve na trincheira do golpe e da constituição do governo transitório da ditadura civil de Temer. A maioria da população elegeu Bolsonaro nas condições em que o reformismo do PT naufragou, e os velhos partidos oligárquicos (MDB, DEM e PSDB) estiveram à frente do golpe de Estado. Está fresca na memória, a brutal reforma trabalhista, promovida pelo governo Temer e pelo Congresso Nacional. Esses três partidos, rodeados dos demais que compõem o chamado “centrão”, serviram de pilares à ditadura civil de Temer. Não se pode ocultar que as massas rejeitaram a reforma trabalhista. É bom lembrar, também, que o PSDB, embalado pelo governador Doria, foi responsável pela vitória de Bolsonaro, no segundo turno. O fato de Bolsonaro não entregar parte da governabilidade a esses partidos, que implicava distribuir cargos ministeriais e demais escalões da burocracia, explica, em boa medida, a crise política que se manifestou desde o início de seu governo.

A pandemia tão somente acelerou e aprofundou as divisões interburguesas, cujos reflexos na governabilidade chegaram ao ponto de Bolsonaro se aventurar a participar de um ato, que pedia o fechamento do Congresso Nacional, do STF e a edição de um Ato Institucional (AI-5). A intenção de Bolsonaro era usar o dia 31 de março, data do golpe de 1964, para exaltar os feitos da ditadura militar. Não foi possível, porque a crise sanitária atingia o seu auge, e as principais forças políticas da burguesia estavam pelo isolamento social. É bem provável que os generais o tenham dissuadido. É bom assinalar que os bolsonaristas acabaram realizando o seu ato marcado para o dia 15 de março, que, apesar de sua irrelevância, contou com a presença de Bolsonaro.  A relevância desse momento, porém, recaiu sobre a decisão das centrais sindicais, que desmarcaram a manifestação do “Dia Nacional de Luta”, 18 de março. Foi um gesto dirigido à burguesia, mostrando que estavam contrárias a qualquer reação coletiva dos explorados, diante das consequências sociais que viriam do confinamento. A atitude de Bolsonaro, de comparecer às manifestações e sair às ruas cumprimentando transeuntes, foi a forma encontrada para expor a posição do governo contrária à desativação econômica, motivada pelo isolamento geral. A classe operária e demais explorados, pulverizados em suas casas, simplesmente foram relegados a joguetes dos conflitos interburgueses.

Governo e oposição, Bolsonaro e Doria, armaram uma rinha em torno ao isolamento. No entanto, ao lado, montaram um altar de proteção aos interesses do capital financeiro, industrial e comercial. A MP 936 resultou de um grande acordo, bem como os míseros R$ 600,00, destinados aos miseráveis. O governo se viu, de um lado, pressionado pelo alinhamento dos governadores e, de outro, pelos capitalistas, que exigiam garantias aos seus negócios. Ao contrário de se erguer como um bonaparte na situação da inesperada crise sanitária, capaz de reger a orquestra dos governadores com mãos de ferro, Bolsonaro se viu encurralado. As posições do Ministério da Saúde favoreciam os governadores, que passaram a agir como opositores, principalmente os de São Paulo e Rio de Janeiro. A agonia de Bolsonaro cresceu até o momento em que pôde se desfazer do ministro Luiz Henrique Mandetta. O que só foi possível quando a paralisia econômica se tornava insustentável à própria burguesia, cresciam as pressões de suas frações ligadas ao comércio e serviços, e os bolsonaristas se animavam a realizar carreatas pelo retorno à “normalidade”.

Os conflitos políticos e jurídicos, que envolviam a estrutura e o funcionamento federativo do Brasil, expuseram um alinhamento do Congresso Nacional e STF com os governadores. Aí se refletiu a fraqueza de um governo, que, constituído por um núcleo militar, esperava se impor com uma rígida centralização estatal. A crise econômica, que persistia desde a recessão de 2015-2016, agora dinamizada pela pandemia mundial, não possibilitou a Bolsonaro controlar as forças centrífugas, que se impuseram no interior da política burguesa, desde 2008. A impossibilidade do governo de concentrar em suas mãos todas as decisões sobre a crise sanitária abriu caminho para a polarização política, e formação de um novo alinhamento opositor, tendo duas figuras mais importantes à frente, o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, DEM, e João Doria, PSDB. Isso explica determinadas decisões do STF em favor dos governadores. O PT, seus aliados e as centrais sindicais se alinharam por detrás dessa polarização, procurando se reabilitar diante da burguesia, e reconstituir seu poder eleitoral. É nessas condições que os bolsonaristas veem com apreensão a falência de seu governo. O discurso de Bolsonaro em frente ao QG do Exército refletiu mais desespero do que capacidade de impor aos opositores a centralização autoritária desejada.

A repercussão do discurso de Bolsonaro provocou uma reação tão ampla, das várias forças políticas e institucionais, que o presidente se viu isolado e obrigado a juramentar a Constituição. A resposta foi tão rápida e ampla que parecia que o Brasil estava à beira de um golpe. Destaca-se a Carta assinada por 20 governadores, dos 26 estados e 1 Distrito Federal que compõem a União. Excetuando Minas Gerais, cujo governador foi comprado dias antes por Bolsonaro, e o Paraná, os demais estados não assinantes são relativamente de menor relevância econômica e política. O presidente do STF, Dias Toffoli, confabulou com o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que, por sua vez, segundo informações, convenceu Bolsonaro a não colocar mais lenha na fogueira. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, foi orientado a pedir ao STF a abertura de um inquérito, sobre quem está promovendo e financiando a campanha de fechamento do Congresso Nacional e do próprio STF. O mais provável é que se procure arrefecer a polarização.

O isolamento social está com os dias contados. Doria, inclusive, adiantou que poderá flexibilizar a quarenta a partir de 11 de maio, apesar do aumento vertiginoso das mortes. O comércio e serviços vêm rompendo gradualmente o confinamento. A Fiesp apresentou ao governador um plano de reativação. A Volks anunciou que logo retomará a produção. Essa mudança corresponde à posição do governo federal. Eliminando esse motivo da polarização, as forças burguesas terão de responder à brutal queda econômica, elevação da dívida pública, falência dos estados e municípios, e descontentamento das massas, diante das perdas salariais e desemprego. Tudo indica que o pior está por vir. O governo e o Congresso Nacional terão de sacrificar ainda mais a vida da maioria oprimida. Os capitalistas, dos maiores aos menores, recorrerão ao aumento da taxa de exploração do trabalho. O custo de vida tende a se elevar. O capital financeiro pressionará, para que se aumente a tributação sobre o trabalho. Eis por que as multinacionais e a burocracia sindical correm a fechar os acordos on-line de redução salarial.

O retorno à “normalidade” dará a dimensão precisa da diminuição dos salários na renda nacional, aumento da concentração de riqueza nas mãos da minoria, crescimento do desemprego e expansão da miséria. A burguesia e seus governos contam com a continuidade da colaboração das centrais sindicais, e com a contribuição do PT e aliados, em nome da estabilidade democrática. Se os aparatos sindicais conseguirem manter o bloqueio aos instintos de revolta dos explorados, o governo e as forças opositoras terão melhores condições políticas para negociar novas medidas antinacionais e antioperárias.  Não temos dúvida de que haverá uma unidade burguesa para materializar essa probabilidade. A ultradireita e a direita burguesas se manterão unidas quanto à implantação das contrarreformas, e à adoção de novas medidas, que recairão sobre os explorados. A luta de classes é que decide, em última instância, o desenvolvimento da crise política e as alianças no interior da política burguesa.

A vanguarda revolucionária e o destacamento do proletariado com consciência de classe terão de agir prontamente. Está colocada, desde já, a campanha pela convocação das assembleias em todos os sindicatos, e realização de plenárias abertas, convocadas pelas centrais. Todos os acordos que prejudicam os explorados deverão ser revogados. Os salários deverão ser integralizados, sem que haja qualquer perda. Que os capitalistas arquem inteiramente com a redução da jornada, suspensão dos contratos de trabalho, lay-off, etc. Os trabalhadores não deverão pagar pelo isolamento social. As demissões deverão ser anuladas, e os trabalhadores reincorporados. Os informais devem ter garantida a manutenção dos R$ 600,00, que precisam ser aumentados, de acordo com um salário mínimo real, que cubra as necessidades da família. As medidas que favorecem os grandes capitalistas têm de ser anuladas. As centrais e sindicatos devem tomar em suas mãos a saúde pública, organizando a luta pela expropriação dos grupos privados de saúde, constituindo um sistema único estatal. Os recursos para superar a pandemia devem vir do não pagamento da dívida pública, do uso das reservas cambiais, da decretação de um imposto sobre as grandes fortunas. Está colocada a unidade entre empregados, desempregados e subempregados, em torno à reivindicação de emprego a todos, aplicando a escala móvel das horas de trabalho. Esse é o ponto de partida para pôr em pé um movimento de defesa da maioria oprimida. A vanguarda com consciência de classe vincula as reivindicações mais elementares à estratégia da revolução proletária.