• 05 maio 2020

    1º de Maio, praticamente inexistente – De quem é a responsabilidade?

4 de maio de 2020

Centrais, sindicatos, movimentos populares e partidos de esquerda, salvo exceções, colocaram-se por não organizar o 1º de Maio. Acharam um meio cômodo, que foi o de pronunciar discursos impotentes, por meio da internet. Em alguns casos, pediram que a população batesse panelas, ou colocasse cartazes nas janelas de suas casas e apartamentos.

Não poderia haver maior prova de incapacidade política e organizativa das direções, diante da gigantesca crise sanitária e econômica. Subordinadas à política da burguesia e seus governos, se envolveram na bandeira “salvar vidas” da OMS, para justificar a mais completa paralisia. Faltou apenas o agradecimento dos capitalistas e de seus governantes pelo fato de os burocratas ficarem em casa e auxiliarem na tarefa de evitar qualquer tentativa de resistência e revolta dos explorados.

A pandemia continuava e continua atingindo os mais pobres. A saúde pública não era e não é capaz de defender os mais necessitados.  Os trabalhadores, que foram confinados em suas casas, ou tiveram os salários reduzidos, ou foram demitidos. Os milhões, que sobrevivem das atividades informais, ou receberam uma miserável ajuda, ou ainda aguardam nas filas das agências bancárias. Certamente, milhões não receberão nada. Trabalhadores da saúde não contam com os equipamentos de proteção, ficando, portanto, expostos ao contágio. Milhões continuaram indo ao trabalho, em setores considerados essenciais, e mesmo nos não-essenciais. Prefeitos e governadores autorizaram a redução do número de transportes coletivos, assim a parcela da população, que obrigatoriamente tinha e tem de ir ao trabalho, se amontou e se amontoa crescentemente nos terminais e coletivos. A classe que pôde melhor se proteger com o isolamento social foi a pequena burguesia.

Esse retrato, pelo menos no Brasil, é de um realismo atroz.  No fundamental, isso se verifica no mundo inteiro. É bom tomar como paradigma o que se passou e se passa na maior e mais rica potência mundial – os Estados Unidos. Nem mesmo as denúncias de contaminação dos trabalhadores da Amazon, Taget, Instacart, Walmart, FedEx, etc. levaram os burocratas sindicais dos Estados Unidos a convocarem a manifestação do 1º de Maio. Pela primeira vez, na América Latina, não se realizou o 1º de Maio nas ruas.

Nas mais diversas situações, com maior ou menor rigidez do confinamento social, a burocracia sindical seguiu os ditames dos governos, e as correntes de esquerda, ou a seguiram, com o argumento de não expor os trabalhadores ao risco, ou se valeram do argumento da proibição. De maneira direta ou indireta, aberta ou disfarçada, ocultaram sua posição pequeno-burguesa, vestindo a máscara do perigo da pandemia. A olhos vistos, porém, a política burguesa do isolamento social não protegia os pobres e miseráveis. Não protegia milhões, que tiveram e têm de ir ao trabalho. Não era aplicável nos cortiços e favelas.  As bases materiais e sociais indicavam, antecipadamente, que a política burguesa do confinamento iria fracassar.

A impossibilidade do capitalismo de utilizar plenamente a ciência, a tecnologia médico-hospitalar, a indústria farmacêutica e os meios laboratoriais, para defender os explorados em geral e, principalmente, os pobres e miseráveis, era visível. Sem esses meios, a pandemia, inevitavelmente, atingiria as camadas sociais subnutridas e enfraquecidas, por força da superexploração, desemprego e subemprego. Não havia, portanto, como ocultar o caráter de classe da política burguesa do isolamento social. Em outras palavras, a aplicação do isolamento social, reconhecido como prática científica, protege apenas as camadas com mais recursos. Não podendo ser aplicada universalmente, divide a população entre os que serão protegidos e aqueles que ficarão à mercê da pandemia. A ciência, seus métodos e sua tecnologia são aplicáveis somente na forma de capital. Como parte das forças produtivas, estão condicionados pelas relações de produção, pelo domínio da propriedade monopolista. Essa condição econômica dita seu alcance social, inclusive nacional.

A OMS, em 11 de março, recomendou um mesmo remédio ao mundo, o isolamento social. O que é compreensível, uma vez que não se tem vacina, remédio antiviral, etc. Não considerou, no entanto, as condições de cada país. Não determinou uma forma de cooperação emergencial entre os países. Não levou em conta os países de economia atrasada, que são a imensa maioria, nos diversos continentes. Não estabeleceu uma escala de valor, para que as nações mais ricas contribuíssem ao combate mundial à pandemia.

O coronavírus se internacionalizou, mas as respostas se deram nacionalmente, cada país de acordo com suas possibilidades e interesses da burguesia. Em nenhum momento, a guerra comercial refluiu, pelo contrário, se agravou. Mesmo na União Europeia, o Norte, mais bem apetrechado, ficou por cima do Sul, alquebrado. Os Estados nacionais das potências podem aumentar suas dívidas, enquanto os Estados semicoloniais estão limitados pela dívida, que já não conseguiam pagar. É nesses marcos que se evidencia o caráter de classe e a dominação imperialista das respostas à pandemia. Ocultar ou desconhecer esse conteúdo, em nome de “salvar vidas”, resulta em desarmar o proletariado, e submetê-lo à vontade imperial dos governos. É o que se passou com a decisão das centrais, sindicatos, movimentos e correntes políticas que assumiram a tese de que a única resposta possível era a do confinamento social. Sem suas organizações de massa, e sem uma direção revolucionária, o proletariado não teve outra via, senão a apresentada pela burguesia de cada país. Fora da produção, dividido e atomizado, não teve como levantar seu próprio programa.

Era inevitável que houvesse divergências no interior da política burguesa, internacional e nacionalmente. Trump se deu ao luxo de descredenciar a OMS. Angela Merkel desdenhou os italianos e espanhóis. Boris Johnson aproveitou para dar aparência de quem cuida bem dos ingleses. Emmanuel Macron posou de humanitário fracassado aos olhos da Europa. Pedro Sánchez e Giuseppe Conte resmungaram diante da inflexibilidade do Banco Central Europeu. A classe operária e demais explorados não fizeram senão assistir às discórdias interburguesas.

O Brasil se destacou como o mais problemático entre os países semicoloniais. Não seguiu a ordem de manter a “união nacional”, em torno à orientação da OMS, apesar das divergências que ocorreriam em virtude dos interesses econômicos das distintas frações burguesas. Bolsonaro e Doria se destacaram como se fossem verdadeiros adversários. O presidente da República se postou como defensor da economia e dos empregos; o governador de São Paulo e aliados, como protetores da vida.

A classe operária e demais explorados não puderam contestar essa impostura, colocando-se em caminho oposto ao dos interesses da burguesia. As suas organizações sindicais e populares se dissolveram. As direções burocráticas, suspensas no ar, tiveram de se apoiar inteiramente na política dos governadores. As correntes de esquerda, ou se diluíram, ou se semidiluíram como organização, permanecendo à sombra das manobras da aliança burocrática entre a CUT e a Força Sindical. Refugiaram-se nos temores da pequena burguesia, que tinha condições de cumprir disciplinadamente a política burguesa do confinamento. Eis por que, sem exceção, não defenderam que as centrais convocassem o 1º de Maio. Essa atitude passiva e capituladora já havia sido apresentada, quando não reagiram ao cancelamento do “Dia Nacional de Luta”, 18 de março, pelas centrais.  A vanguarda revolucionária, ainda que, sem condição de convocar uma manifestação nas ruas, tinha o dever de denunciar as centrais, por não convocarem as manifestações, e por fraudarem o 1º de Maio com o palanque virtual. Pior ainda, foi o 1º de Maio da CUT, Força Sindical e aliados que entregaram a tribuna virtual a politiqueiros, como Lula, Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes, etc.

Era obrigatório levantar a bandeira: “Que as centrais rompam com a política de conciliação de classes, e convoquem os trabalhadores a se manifestarem em defesa de um plano próprio de emergência“.

A abolição do 1º de Maio foi decidida antecipadamente. A burocracia sindical colaborou com o governo, Congresso Nacional e burguesia, negociando acordos de redução salarial. Submeteu a classe operária e demais trabalhadores, divididos e dissolvidos, à MP 936. Essa mesma conduta teve a burocracia em várias partes do mundo.  Nota-se que, concretamente, a defesa da política burguesa de isolamento social levou as direções burocráticas a desarmarem a classe operária, diante das medidas que descarregam a pandemia e suas consequências econômicas sobre as costas da maioria oprimida. As correntes de esquerda, que não lutaram abertamente contra essa política, acabaram por se comprometer.

A inércia e a pasmaceira do 1º de Maio foi, no entanto, quebrada por mobilizações em alguns países. No Líbano e Turquia, os manifestantes foram duramente reprimidos. No Paquistão, organizações sindicais e movimentos promoveram, em Karachi,  protestos, desafiando o governo. Na Grécia, a manifestação na Praça do Syntagma, em frente ao Parlamento, não acatou o pedido do governo para que não ocorresse. Em Portugal, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) dirigiu o ato de 1º de Maio, ainda que limitadamente. Essas manifestações tiveram em comum a defesa dos empregos e salários. Via de regra, contra as medidas antioperárias dos governos. Esses protestos de rua são a prova de que era possível, em todo o mundo, a convocação do 1º de Maio. Mesmo nos países onde havia proibição expressa, como no caso da França, etc., as centrais, sindicatos, movimentos e correntes de esquerda poderiam encontrar uma forma de se manifestar, como foi feito na Turquia, onde impera uma ditadura sanguinária.

O 1º de Maio de 2020 passará para a história, não apenas por sua abolição, como também pelas tentativas classistas de romper a inércia, mesmo que limitada a alguns países. No Brasil, o Partido Operário Revolucionário (POR) fez a campanha, nos corredores fabris, com a bandeira: “Que a as centrais, sindicatos e movimentos convoquem o 1º de Maio“. Não teve como convocar um ato de rua, dado o seu caráter embrionário. Realizou um ato em sua sede, onde reuniu a militância e simpatizantes, para levantar os punhos cerrados em defesa do “1º de Maio operário, socialista e internacionalista”, bandeira do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional. O ato do POR resultou da campanha sistemática em defesa de um plano de emergência próprio dos explorados; rejeição de todas as medidas reacionárias do governo e Congresso Nacional; convocação das assembleias em todos os sindicatos, preparando-se para a volta ao trabalho; constituição dos comitês de defesa sanitária, emprego e salário; resposta à crise de governabilidade com a política de independência de classe; organização dos explorados sob a estratégia da revolução e ditadura proletárias. O ato concluiu com o hino da Internacional Comunista.

A burocracia sindical conseguiu eliminar o 1º de Maio de 2020, mas não teve e não tem como contornar as condições objetivas de desintegração do capitalismo. A classe operária e demais explorados, que já estão voltando às fábricas, ao comércio, aos bancos, etc., se deparam com a perda salarial, a precarização das condições de trabalho e a ameaça de demissões. A informalidade se agigantou. Esses trabalhadores, desgarrados da classe operária, concorrerão brutalmente no comércio de rua. O contingente de novos desempregados exigirá trabalho.  Os capitalistas e seus governos, não apenas não terão como atender às necessidades da crise social, como estarão obrigados a dar continuidade às medidas antioperárias e antipopulares.

A vanguarda com consciência de classe tem a seu favor as tendências instintivas de revolta dos empregados, desempregados, subempregados e informais. A classe operária, porém, é a única classe capaz de unificar e dirigir os oprimidos, em defesa de suas condições de existência, e contra o poder econômico e político da burguesia. Os movimentos que se vinham gestando e se manifestando antes da pandemia, interrompidos pela catástrofe sanitária e pela política de colaboração de classes, obrigatoriamente, reatarão seus elos, voltarão com mais força e impulso, chocando-se com suas direções traidoras. A vanguarda revolucionária deve dar continuidade à defesa do plano de emergência próprio dos explorados, e da estratégia de poder do proletariado.

A crise de direção, que se apresentou de corpo inteiro, no vendaval da pandemia, obriga a militância classista, que se equivocou, a rever as posições de suas direções partidárias e sindicais. A tarefa de pôr em pé o Partido Mundial da Revolução Socialista, baseado nos Primeiros Quatro Congressos da Internacional Comunista, e no Programa de Transição da IV Internacional, galvaniza as exigências históricas, que emergem da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção; que emergem do capitalismo da época imperialista, que é de decomposição econômica e barbárie social.

Que os capitalistas arquem inteiramente com a crise sanitária e econômica!
Somente a classe operária organizada pode responder à desintegração do capitalismo!
Lutemos com o programa da revolução e ditadura proletárias!
Organizemos a classe operária e demais explorados sob os fundamentos e a política do internacionalismo proletário!