• 07 maio 2020

    Duas crises concomitantes: sanitária e econômica – Enfrentar a política de conciliação de classes

Duas crises concomitantes: sanitária e econômica

Enfrentar a política de conciliação de classes
Impor a independência política e organizativa da classe operária

7 de maio de 2020

Estamos a quase dois meses de pandemia, e agora cresce assustadoramente o número de mortos. Em apenas 24 horas, 615 brasileiros perderam a vida. Segundo dados oficiais, as vítimas do coronavírus chegaram a 8.536, no dia 6 de maio. Infectologistas reconhecem que esses números são muito superiores. A denominada subnotificação oculta parte significativa do desastre humano. A pandemia que se manifestou, inicialmente, em alguns estados do Sudeste, finalmente, abrangeu todo o País. A situação catastrófica de estados do Norte e Nordeste expôs, cruamente, o atraso econômico e a brutal precariedade do sistema público de saúde. Diante da calamidade, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, admitiu que talvez seja necessário o isolamento total (lockdown), em alguns casos. As discussões entre governo, governadores, politiqueiros e especialistas, agora, se dão sobre o fracasso da política burguesa do isolamento social em proteger a vida dos pobres e miseráveis. A elevação exponencial do número de mortes se dá entre a população faminta, enfraquecida pela subnutrição, superexplorada, desempregada e subempregada. Segundo os infectologistas, é preciso uma margem de isolamento que atinja pelo menos 70% da população. Isso apenas para reduzir o impacto da pandemia. Há que considerar que os 30% que não se isolam correspondem a milhões que ficam expostos ao contágio. O vírus se espalhou em todo o território nacional, sendo que o isolamento está em uma média de 45%. O que quer dizer que a maioria está entregue à sorte.

A essência do problema, no entanto, não está no método do isolamento social, que é inaplicável no sentido universal, sob o modo de produção assentado na exploração do trabalho assalariado, mas sim na incapacidade do capitalismo de garantir uma saúde pública à altura da época em que avançam os desastres naturais. Não é necessário relatar a sequência de epidemias e pandemias, dos últimos tempos. Juntamente com a ausência de proteção sanitária a milhões de brasileiros, está a pobreza e a miséria. Uma importante parcela da força de trabalho está obrigada a subsistir como desempregada e subempregada. As favelas, cortiços e bairros operários empobrecidos, onde se formam grandes conglomerados humanos, são carentes de esgoto, água potável, etc. Retratam a face do capitalismo decadente e impossibilitado de desenvolver as forças produtivas, que se chocam com a propriedade monopolista dos meios de produção. Impossibilitado de desconcentrar a gigantesca riqueza, que permanece em poder da minoria burguesa e da alta classe média. É sobre essa realidade econômica e social que o coronavírus se instala e se espalha.

Não há dúvida de que a pandemia acelera e aprofunda a quebra econômica mundial. O Brasil, que já vinha se arrastando, se afundará ainda mais. Os explorados são os que arcarão com as consequências. O governo Bolsonaro, governadores e Congresso Nacional lançaram um primeiro plano de proteção ao grande capital. À classe operária e demais explorados, se levanta a enorme tarefa de se proteger, defendendo um plano emergencial e com os métodos e a estratégia próprios de luta.

Desde meados de março, os trabalhadores foram divididos. Uma parcela continuou na produção, e outra foi colocada no isolamento social. Estabeleceu-se um conflito entre os governantes, a ala vinculada a Bolsonaro e a que se aliou a Doria. Criou-se uma divergência entre aqueles que eram contra o confinamento e os que se diziam defensores de “salvar vidas”. Ao mesmo tempo, havia, principalmente, por parte dos meios de comunicação monopolistas, a enorme campanha de que era preciso “pacificar” o Pais, a estabelecer “união nacional”. De que o coronavírus atingia a todos, pobres e ricos, trabalhadores e aposentados. E de que todos seriam sacrificados com a desativação da indústria, comércio e serviços.

Dia e noite, coube aos governadores e aos meios de comunicação a tarefa de divulgar a curva do contágio, as dificuldades de atendimento nos hospitais, a lista ascendente de mortos, e a incapacidade dos cemitérios de enterrar os corpos. O objetivo era e é o de criar o terror entre os explorados, deixá-los impotentes e submissos ao miserável auxílio de R$ 600,00, e à filantropia das cestas-básicas e materiais de higiene, praticada pelos governantes, ONGs, igrejas e sindicatos. Situação essa que causou aglomerações nas portas dos bancos e ao redor dos caminhões, que traziam um número limitado de cestas-básicas. O auxílio miserável e a cesta-básica insuficiente acabaram gerando um enorme descontentamento entre os explorados, que não conseguiam sacar o auxílio do governo, e não pegavam a caixa de alimentos. E aqueles que tiveram o auxílio e a cesta-básica logo viram que não podiam permanecer no isolamento social.

A população explorada, além da campanha governamental, se deparou e se depara com o fardo das igrejas, que procuram diariamente “pacificá-la”, discipliná-la nas crendices religiosas e submetê-la ao ordenamento burguês. E, ainda, com a conduta serviçal da burocracia sindical, que age como porta-voz da política dos governadores, expressa na bandeira “FiqueEmCasa”.

Apesar dos atritos entre as frações burguesas em torno à política do isolamento social e ao esgarçamento do governo Bolsonaro com o avanço da crise política, há uma única diretriz à violenta crise econômica, que se abate sobre o País. Essa resposta é ditada pelo capital financeiro, e imposta pelas multinacionais e os grandes capitalistas nacionais. Bolsonaro decretou a MP 936, em 2 de abril, e coube ao Congresso Nacional aprová-la, cuja essência é a redução e suspensão dos contratos de trabalho, com corte de salário.

Em pouco mais de um mês, estima-se que 4,41 milhões de trabalhadores, em todo o país, tiveram seus salários reduzidos. No Sudeste, região mais industrializada, cerca de 3,04 milhões, ou seja, 68,8% do total de trabalhadores foram atingidos por essa brutal medida. A falsa justificativa dos governantes e dos capitalistas é a de que o sacrifício é compensado, porque mantêm-se os empregos. A MP 936 não garante a estabilidade. Os empregadores continuam com as mãos livres para demitir, após o prazo de vigência da redução salarial, geralmente dois meses. Os governantes escondem a curva ascendente do desemprego e subemprego. Dizem que não é possível estimar o montante de assalariados que foram demitidos em março e abril. Alegam que o Caged (organismo estatal que informa o número de contratações e demissões) está fechado, desde 30 de março, e o IBGE parou de coletar os dados.

Tendo em vista as críticas acima citadas, o Dieese demonstrou que, de um total de 239.534 demissões, nesse período da pandemia, 32,4% ocorreram no setor calçadista, 27%, serviços, 18,8%, metalúrgicos, 10,3% comércio, 7,4%, transportes, 1,7%, petroleiros, 2,3%, outras atividades. O Sudeste foi a região com maior número de demissões, com 29,9%.  Esses dados, embora limitados, permitem mostrar o quanto os trabalhadores estão arcando com a crise sanitária e econômica. E evidenciar a tendência ao agigantamento do desemprego com o retorno do comércio, serviços e setores fabris, que estavam paralisados.

Na aplicação da MP 936, teve um papel predominante a política das direções sindicais. Logo que Bolsonaro decretou a medida, houve uma ofensiva por parte das multinacionais e grandes empresas em impor a redução salarial. Aproveitaram as férias coletivas e o isolamento social compulsório, para ditar o percentual dos cortes salariais, criando as faixas por salário. Dando a entender que aqueles que recebem mais, terão perdas maiores. O humanitarismo dos capitalistas é, na realidade, a desgraça para quem tem salários menores. Isso por que o peso da perda de 25% dos salários, que já são minguados, é muito superior em relação aos altos salários. Lembremos que, na faixa de trabalhadores que recebem até R$ 3.135,00 (três salários mínimos), o patrão poderia e pode reduzir o salário a partir de uma notificação individual, sem sequer precisar da colaboração das direções sindicais. Aí está a brutalidade cometida pela burocracia sindical em aceitar fazer acordos de redução salarial, criando uma suposta democracia por meio das “assembleias virtuais”. Os trabalhadores, isolados em suas casas, foram chamados a responder SIM ou NÃO à proposta patronal.

Os burocratas fecharam as portas dos sindicatos e se colocaram em quarentena. Reclamaram no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de negociação em todos os casos de redução e suspensão dos contratos com cortes salariais. A Justiça, que é patronal, deu as costas à burocracia sindical, e o Congresso Nacional legitimou a MP 936 bolsonarista, dorista, etc. As direções sindicais lastimaram a ação da justiça, dizendo que os trabalhadores devem ter o direito à negociação coletiva, para “assegurar condições menos prejudiciais do que as dispostas na MP 936”. São ou não verdadeiros criminosos?

Os resultados das negociatas entre os sindicatos e os patrões abarcaram todo tipo de burocracia, direitistas, reformistas e centristas. O estrago foi grande. Aos trabalhadores do comércio, foram impostos as férias individuais, coletivas, trabalho remoto, banco de horas, cumprimento de aviso prévio e redução salarial. O setor patronal, como se vê, tinha à disposição inúmeros recursos para descarregar o peso das perdas sobre os trabalhadores. Os banqueiros, que ganham rios de dinheiro com as especulações, a exemplo do Itaú, reduziu o horário de atendimento ao público, e obrigou a grande maioria dos bancários a executar o trabalho remoto (office home). O governo ordenou que a Caixa Econômica Federal colocasse 70% dos trabalhadores em home office. O Santander e Itaú anunciaram que não demitirão durante o período da pandemia. Certamente, o farão, assim que a economia voltar à “normalidade”. Nas montadoras, foram utilizadas a chamada “parada técnica”, de 22 a 27 de março, seguida de férias coletivas, 30 de março a 20 de abril, a exemplo da Renault, JEEP, Nissan, Toyota, Mercedes, Scania, GM, Peaugeot e Volks. Nesse período, essas multinacionais abriram negociações com os sindicatos. Os resultados foram desastrosos para os metalúrgicos, que tiveram os salários reduzidos, variando de empresa a empresa, e sem garantia de estabilidade. Essa diretriz das multinacionais foi usada pela Embraer e por setores químicos, como a Petroquímica Brasken e Oxiteno. O setor hoteleiro, restaurantes e outros dessa natureza, também não escaparam da MP 936. No caso dos transportes coletivos, em São Paulo, que tiveram a frota reduzida, os condutores afastados compulsoriamente tiveram apenas 50% dos salários, e 50% do valor do vale-alimentação. Esse quadro de desgraça não se limitou a algumas atividades econômicas. É sabido que a extensão da MP de Bolsonaro, Maia, Alcolumbre, Doria e outros governadores abrangeu metroviários, aeroviários, têxteis e funcionários públicos, sejam federais, municipais e estaduais.

O fundamental é compreender que a classe operária e demais trabalhadores estavam desorganizados e dissolvidos pela política burguesa do isolamento social. O proletariado fora da produção social (coletiva) está à mercê da campanha dos humanitários burgueses, das igrejas e dos meios de comunicação monopolistas. Não pôde contar com as direções sindicais, que ficaram embevecidas pelos discursos em favor de “salvar vidas” e se colocaram por acatar as orientações que vinham da OMS, organismo do imperialismo, e dos governadores. Governadores que há muito vem destruindo a saúde pública, por meio das privatizações e terceirizações, e, agora, exigiam que a população faça a “sua parte”, ficando em casa e aguardando os auxílios. Ainda mais, parte da classe operária, principalmente dos grandes centros urbanos, vive nas favelas e cortiços. E, desgraçadamente, se deparou com as associações e suas lideranças comunitárias, que serviram de agentes para a efetivação da filantropia, distribuindo cesta-básica, fabricando máscara, etc. Está aí por que o proletariado foi conduzido a enxugar o seu próprio suor, permitindo que cortassem seu próprio salário. Ouvir de uma burocrata direitista ou reformista que o resultado das assembleias virtuais foi favorável à redução salarial, é coisa corriqueira. Mas, é escandaloso ouvir do burocrata Cristiano Rodrigo, do sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos, dirigido pelo PSTU, que “os trabalhadores aprovaram a proposta, mas não por concordarem com ela. Ninguém quer ter o salário reduzido. O problema é que o governo federal não foi capaz de garantir a renda total dos trabalhadores em meio a esta crise. A MP 936 é insuficiente para proteger os salários e empregos da classe trabalhadora”. O burocratismo apodrece da mesma forma o burocrata centrista, como apodrece o burocrata reformista .  

As centrais e sindicatos não convocaram assembleias para decidir sobre um plano próprio de emergência para enfrentar as crises sanitária e econômica e, inclusive, sobre como se daria o isolamento social, recomendado pela OMS. Era de conhecimento de todos que as frações burguesas, que se posicionaram pelo isolamento social, acataram essa orientação, unicamente como forma de não colapsar repentinamente o sistema de saúde público. O POR não suspendeu suas atividades. O boletim Nossa Classe foi distribuído nas fábricas e setores que estavam trabalhando. Cartazes foram colados nos corredores fabris. Reuniões e cursos foram mantidos. E se dirigiu às centrais, sindicatos e movimentos por meio de uma Carta-Aberta, propondo manifestações em todo o pais no 1º de Maio. Ao contrário, as burocracias sindicais mantiveram sua política de “assembleias online” e “1º de Maio virtuais”, como descrevemos neste jornal Massas.

A política burguesa do isolamento social não foi capaz de defender os pobres e miseráveis do avanço da pandemia, apesar dos politiqueiros dizerem que conseguiram reduzir as mortes. O poder econômico aturou, apenas por um breve período, que uma parcela de trabalhadores ficasse em casa. Há dias, o confinamento vem se rompendo. Os governadores e a imprensa culpam a própria população, como se essa não estivesse sob o temor da pandemia e a pressão dos capitalistas para que retomem o trabalho. As atividades econômicas vêm sendo reativadas crescentemente. As direções sindicais, no entanto, continuam na quarentena, como os paxás ficam nos cercados. Os explorados suportam dupla carga, a da mortalidade crescente, e a da perda de empregos e redução salarial. Já passou da hora de reagir à altura. Mas, a classe operária e demais trabalhadores dependem de suas organizações sindicais, que se acham anestesiadas pela colaboração de classes das direções sindicais. Está colocada a campanha pela convocação de assembleias nas fábricas, outros locais de trabalho. Estão colocadas, também, as assembleias populares. Cabem às assembleias aprovarem um plano próprio de emergência, e constituírem os comitês de defesa da vida, dos empregos e dos salários. Somente com a organização e luta coletiva, os explorados enfrentarão as crises sanitária e econômica.