• 14 maio 2020

    Poder econômico decide a política do isolamento social

14 de maio de 2020

Está claro que a política de isolamento social se esgotou. Inicialmente, a orientação da OMS se generalizou, em meio a divergências interburguesas. Ganhou projeção, impulsionada pela rápida disseminação da pandemia na Europa, e diante do quadro catastrófico da Itália e Espanha. A previsão de que os Estados Unidos se tornariam o epicentro do coronavírus, na medida em que foi se confirmando, potenciou a divergência em torno ao alcance que deveria ter o afastamento social. A disputa eleitoral entre Republicanos e Democratas acirrou as posições, envolvendo a capacidade dos governadores de suportarem as pressões das crises sanitária, econômica e social. Sobre a base de diferentes atitudes, de maior ou menor empenho na aplicação do isolamento social, os Republicanos, encabeçados por Donald Trump, e os Democratas, por Joe Biden, procuraram convencer a população norte-americana de que se tratava da discussão entre salvar vidas e manter a normalidade econômica. Os Democratas acusam os Republicanos de dividir a população, quando se deveria unificar o País diante da devastadora pandemia. Os Democratas entendem que os mais de 80 mil mortos se devem à posição de Trump. De sua trincheira, Trump responde com os 26 milhões de demitidos, nesse período de pandemia.

A disputa entre Republicanos e Democratas baliza, em certa medida, o que se passa em outros países, em que os governos não seguiram ao pé da letra a orientação da OMS, em especial o Brasil. De forma geral, esse embate vem perdendo sentido, uma vez que as leis econômicas do capitalismo e as necessidades do poder econômico fazem pender o prato da balança em favor da quebra do isolamento social. Isolamento esse que, sem exceção, teve de ser parcial.  Em última instância, o poder econômico decidiu até onde poderia ir o isolamento e até quanto e quando poderia suportá-lo. Na prática, indicou a incapacidade da burguesia de proteger, às últimas consequências, a vida da maioria explorada.

A explicação não se limita ao reconhecimento de que os interesses da classe burguesa se sobrepõem às necessidades vitais da classe operária e demais oprimidos. É preciso recorrer às leis econômicas que regem a produção, circulação de mercadorias, exploração do trabalho e apropriação capitalista do produto social. O confinamento é uma resposta empírica à transmissão viral, que se choca com as leis econômicas de funcionamento do capitalismo e, portanto, com os interesses da burguesia. Eis por que não tem aplicabilidade universal, como exige o pressuposto do método científico. E sua aplicabilidade parcial, como tal, é socialmente seletiva, e limitada no tempo. O fundamento da seletividade é de classe. Observa-se que divide os trabalhadores, entre a parcela que é afastada das atividades, e a que tem de continuar como força de trabalho ativa; entre aquela que pode permanecer por mais tempo no confinamento, e a que é empurrada a abandoná-lo. Na medida em que o ciclo pandêmico resiste ao confinamento parcial, e se estende no tempo, as leis econômicas ditam, por sua força material, a impossibilidade de a burguesia manter o choque introduzido pela medida, que desativa parte da força de trabalho, destrói valores, provoca demissões, etc.

As nuvens ideológicas, que se acumularam em volta da defesa da vida, aplicação da ciência, humanitarismo filantrópico, igualitarismo, etc., vão se dissipando com as consequências da crise econômica. As forças materiais passam por cima das ilusões burguesas e pequeno-burguesas de que os capitalistas podem ceder parte de seus interesses, momentaneamente, para salvar a humanidade da catástrofe. Os esquerdistas, apegados às fraseologias socialistas, mas adaptados na prática aos temores da pequena burguesia, gritam de suas trincheiras virtuais, para que, não só se mantenha a quarentena, como também que seja universalizada. Os sociais-democratas e a burocracia sindical pedem uma solução negociada diante da persistência da contaminação e mortes. Todos, de uma maneira ou de outra, seguem amarrados à política burguesa do confinamento social.

A dicotomia entre quem está contra e a favor da vida e, portanto, contra ou a favor do isolamento social, paira por cima das classes sociais. A classe operária e demais explorados, assim, não existem como força social, capaz de ter uma resposta própria. Têm de se sujeitar a essa dicotomia, que, aparentemente, não tem uma fisionomia de classe. Os explorados são levados à cegueira política e ideológica, diante das profundas contradições do capitalismo em desintegração, cujos resultados se convertem em impulso à barbárie social. Os hospitais que não conseguem atender a maioria infectada e a montanha de mortos são seu retrato.

É completamente falsa a ideia criada de que uma parte dos governantes está pela proteção da vida da população, e a outra, pelo seu genocídio. O fundamental consiste que a burguesia, de conjunto, que envolve, portanto, as mais variadas tendências políticas, é responsável, não só pela mortandade causada pelo vírus, como pelas demissões em massa, aumento do subemprego e avanço da miséria e fome. A falsificação de que uns estão pela vida e outros pela morte oculta o caráter de classe das respostas à crise pandêmica. Essa impostura traz a ideia de que floresceu no seio da burguesia e de sua política geral uma força progressista, que reage a uma força reacionária. O que obrigaria as organizações operárias, sindicais e políticas a se alinharem em torno àquela que está pelo confinamento social, portanto, progressista. A classe operária e demais explorados, no entanto, não têm como levantar uma política própria, uma vez que estão divididos pelo confinamento e aterrorizados pela campanha burguesa ao redor da pandemia. Já se passaram mais de dois meses, e o resultado das políticas burguesas foi completamente adverso à população trabalhadora, principalmente às suas camadas mais pobres e miseráveis.

O Brasil atravessa o momento mais difícil da pandemia. Contabiliza, neste momento, 13.276 mortes, atingindo 192.000 casos de infecção confirmados. Sabe-se que esse número é muito inferior à realidade, devido às subnotificações.  Essa terrível situação continua obscurecendo um outro lado da tragédia, que são os “acordos” de redução salarial, de um lado, e as demissões, de outro. Milhões de trabalhadores, ou tiveram os salários reduzidos, ou perderam os empregos. As frações da burguesia e governantes se digladiam, hipocritamente, em torno ao número de mortes, e, objetivamente, dos recursos para arcarem com a saúde pública em colapso. Estão em concórdia, porém, quanto à redução dos salários e à carta-branca, para os capitalistas que destroem postos de trabalho.

A separação entre as consequências sanitárias do coronavírus e as consequências sociais da crise econômica é própria da política burguesa e dos interesses dos capitalistas. Para os exploradores, é conveniente passar a tempestade da inevitável pandemia, empurrando os explorados à mais completa fragmentação e paralisia. O que lhes permite impor medidas econômicas e sociais de proteção aos seus interesses gerais, tendo claro que a redução dos salários e as demissões são válvulas de escape aos seus negócios, atingidos pelo confinamento social. Observa-se que, em meio à pandemia, se implanta a reforma trabalhista. Nesse marco, a crise sanitária obscurece a crise de superprodução pré-existente e a sua tendência a destruir parcelas das forças produtivas. São parte desse processo, as medidas burguesas de desvalorização da força de trabalho e redução dos gastos sociais pelo Estado. Essa é a função das contrarreformas, que vêm sendo aplicadas nos mais variados países.

Para a classe operária e demais explorados, a crise sanitária e a crise econômica são um só acontecimento, que não pode ser separado. Têm de ser respondidas com uma só política, e com um plano de emergência próprio de quem é golpeado pelas duas crises interligadas. A luta das massas pelas reivindicações emergenciais – caso tivessem condições de reagir organizadamente e com seus métodos próprios de luta – evidenciaria a necessidade do programa da revolução proletária, cuja essência consiste em expropriar a propriedade privada dos meios de produção, e transformá-la em propriedade social, socialista. As condições objetivas do capitalismo em desintegração exigem que a classe operária lute pelo poder. Somente assim torna possível o combate consistente por seu plano de emergência, que, de fato, defende a vida das massas. Os verdadeiros marxistas, portanto, comunistas, se guiam pelo programa da revolução e ditadura proletárias, pela política internacional da classe operária.

É visível o vínculo entre a política burguesa de isolamento social com a falência da saúde pública. O menos visível é o vínculo com o monopólio da ciência, laboratórios e indústrias farmacêuticas. No entanto, esse vínculo é o mais importante, porque corresponde ao monopólio geral da produção e do comércio, que se enfeixa nas mãos dos Estados imperialistas.

Não é certo que a pandemia do coronavírus tomou o mundo de surpresa. A sequência de epidemias e pandemias, causadas pelos vírus Influenza e Covid, há algum tempo, evidenciou mutações que indicaram novas possibilidades, cada vez mais resistentes e mortíferas. A solução depende da descoberta das vacinas, que, por sua vez, depende dos interesses econômicos dos monopólios. Em plena pandemia do Covid-19, o mundo se depara com notícias de que vários laboratórios estão em disputa concorrencial para lançar a primeira vacina, que, certamente, virá com o preço monopolista. Não se vê, portanto, o esforço coordenado para se ter uma vacina comum, a preço de custo da produção, bem como na forma de valor subsidiado, que esteja ao alcance dos países de menor capacidade financeira.

A ciência e a indústria, sob a forma de monopólio, estão em contradição com as necessidades mundiais das massas, principalmente da maioria oprimida. O programa da revolução proletária conduz à expropriação sem indenização e estatização dos monopólios. Sem essa transformação, não é possível defender a vida dos explorados, mesmo que se tenham métodos e meios superavançados da ciência e da indústria no capitalismo. É desta base que decorrem as limitações das conquistas científicas. É preciso extrair da ciência e da tecnologia a sua forma condicionante de capital, substituindo-a pela forma social. O que exige a destruição da apropriação privada da produção social, que virá da transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social, socialista. Essas premissas conduzem à conclusão de que, no capitalismo em decomposição, a burguesia não tem como defender as massas diante das pandemias, que se proliferam entre os explorados, entre os mais pobres e miseráveis, e entre os organismos humanos mais debilitados.

Assistimos à impotência e à capitulação dos reformistas de esquerda, que se colocaram por detrás de uma das frações da burguesia, que se arvorou defensora da vida e da ciência. Isso quando, pior ainda, essa mesma fração se unia com a outra, que resistia ao confinamento social, em torno às medidas de redução salarial e destruição de direitos trabalhistas. A flexibilização capitalista do trabalho, que vinha sendo implantada gradativamente a partir das multinacionais, sob a pandemia, se generalizou. As direções sindicais colaboraram com o isolamento social, aceitando negociar a redução dos salários, sem que a classe operária pudesse dizer sim ou não. Reforçaram o argumento burguês, comum ao governo Bolsonaro e oposição, de que é melhor perder parte dos salários e manter os empregos. Eis por que a Força Sindical e a UGT anunciaram que estão dispostas a tornar a Medida Provisória (MP 936) em definitiva. A central de esquerda, a CSP-Conlutas, fez coro com as demais centrais pela bandeira do isolamento social, e acabou fazendo o mesmo percurso da burocracia colaboracionista.

A divisão interburguesa, tendo como referência, de um lado, o presidente Bolsonaro e, de outro, o governador Doria, entrou em uma nova etapa, no momento em que o grande capital pendeu para as posições de Bolsonaro. O poder econômico decidiu que já não pretende garantir a permanência de milhões de trabalhadores em suas casas, e que não suporta a continuidade da queda do consumo. A burguesia do comércio e serviços foi a primeira a resistir a essa forma de enfrentamento à pandemia. Agora, conta com a indústria de transformação e construção. A ocupação do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 7 de maio, por uma comitiva de empresários, formada pelas mais poderosas associações do grande capital, liderada por Bolsonaro e Guedes, representou um ultimato aos demais poderes da República, de que já passou a hora de flexibilizar ainda mais o isolamento social, e se dirigir à “normalidade”. Essa exigência ocorreu justamente no momento em que a pandemia avançava na curva ascendente e deixava atrás de si uma pilha de cadáveres. Passada uma semana, o número de mortos chegava a 13.276. A promessa de alguns governadores de voltar a recrudescer o isolamento social colide com a volta das atividades em vários setores, e com a resistência do poder econômico. No final das contas, os explorados, os mais pobres e miseráveis, pagam caro pela pandemia. As centrais sindicais podem gastar saliva, que de nada vale diante da vontade soberana da burguesia.

A maior parte das mortes indica a invasão do coronavírus às favelas, cortiços e bairros miseráveis. Indica, também, a incapacidade do SUS de acolher e tratar as vítimas. O estado mais rico da federação, São Paulo, informa que já não tem leitos suficientes, e muito menos UTIs. O prefeito, Bruno Covas, fez um convênio com os hospitais particulares, que têm meios excedentes. Informou que pagará uma diária de R$ 2.100, 00 por paciente, quando a diária antes do coronavírus paga pelo SUS ao leito de UTI era de R$ 800,00 por paciente. É um bom negócio para os capitalistas da saúde. Vão alugar 800 leitos. Receberão por dia R$1.680.000,00. Cinicamente, a CUT tem divulgado o “Manifesto Leitos para todos + Vidas Iguais”. Pede que o setor privado da saúde colabore com o esforço do SUS em tratar os infectados sem distinção de classe, pois, considera que a vida é igual a todos. O Manifesto da igualdade burguesa pressupõe o pagamento da “colaboração” dos hospitais privados. A CUT, dezenas de associações e movimentos, que assinam o Manifesto, devem bater palmas ao prefeito de São Paulo. A resposta emergencial da classe operária é a de que o SUS passe a controlar imediatamente o sistema privado de saúde, e o coloque inteiramente à disposição da população, sem indenizar e sem subsidiar os capitalistas. Nessa luta, coloca-se a bandeira de expropriação do sistema privado, e constituição de um sistema único de saúde estatal, sob o controle das organizações operárias e populares.

Apesar da dificuldade de avaliar a durabilidade da pandemia e a possibilidade de voltar com força nos países e regiões em que o pior já passou, tudo indica que a via do isolamento social está esgotada, ou prestes a esgotar. Como analisamos, o esgotamento foi determinado pelas leis econômicas, e não pelas leis naturais da pandemia. O que está posto a partir desse momento é o seguinte: 1) reorganizar o movimento dos explorados; 2) estabelecer as bandeiras emergenciais, que permitam a reorganização, a retomada da democracia coletiva, e o impulso instintivo do proletariado contra as consequências da crise sanitária e econômica; 3) combater pela independência política das organizações operárias, e movimentos populares e estudantil; 4) enfrentar as manifestações da crise econômica e política com o programa da revolução proletária e da estratégia revolucionária, voltada a derrubar a burguesia do poder e expropriar o grande capital; 5) lutar pela unidade da classe operária e demais explorados contra as medidas antinacionais e antipopulares dos governos burgueses; 6) aproveitar as novas condições da desintegração do capitalismo e da luta de classes que sobrevirão, assim que os explorados sentirem o peso do desastre social, se libertarem do terror da pandemia e perceberem o tamanho da traição praticada pelas suas direções sindicais e políticas; 7) desenvolver a tática revolucionária da frente única anti-imperialista, tendo por estratégia os Estados Unidos Socialistas da América Latina; 8) trabalhar com afinco para superar a crise de direção internacional e nacional, dando passos programáticos e organizativos na reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista.