• 03 jun 2020

    Levante nos EUA reflete as convulsões sociais que emergem em meio à crise capitalista

Levante nos EUA reflete as convulsões sociais que emergem em meio à crise capitalista

2 de junho de 2020

O levante nacional das massas oprimidas dos Estados Unidos teve por estopim o assassinato de George Floyd, homem negro, que morreu asfixiado pelo policial branco Derek Chauvin, em Minneapolis, estado de Minesotta. Chama a atenção a participação significativa de brancos em meio à multidão de negros, que tomou as ruas das principais cidades do país.

As manifestações se transformaram em levante popular, que continua, apesar do policial Chauvin ter sido preso por assassinato (culposo – “sem intenção de matar”). Sua magnitude e radicalização (queima de prédios policiais, destruição de patrulhas, saques, e enfrentamento com as forças repressivas) lembram os protestos pela morte de Rodney King, em 1992, as mobilizações contra a violência racial da polícia em Ferguson (Missouri), em 2014, e um ano depois, em Baltimore (Maryland).

Na capital, Washington, milhares protestaram diante da Casa Branca, e queimaram prédios, dentre eles, a sede da AFL-CIO (Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais). Assim, se manifestou a raiva instintiva dos explorados contra a maior central sindical dos EUA, que não moveu uma palha em defesa da vida das massas na pandemia, e se constitui em uma agência do governo, traindo as mais recentes greves em defesa dos empregos e salários.

Milhares de manifestantes não respeitam o toque de recolher, decretados em mais de 25 estados, contínuos saques, enfrentamento de massas contra a repressão, e a crescente ofensiva política da burguesia para esmagar os protestos, militarizando o país, formam a imagem dos Estados Unidos, que atravessa a pior recessão de sua história.

 

Bases materiais do levante

Milhares de negros são submetidos todos os anos à violência policial e institucional. Dezenas morrem, sem serem parte das estatísticas dos chamados “crimes de ódio”. O risco de um negro morrer nas mãos da polícia é mais de 22 vezes maior que o de um jovem branco. Por sua vez, os brancos, em média, ganham 50% a mais que os negros. A maioria dos desempregados é de negros. Quadro que se agrava com os milhões de empregos destruídos durante a pandemia.

As massas negras suportam as mais altas taxas das mortes e problemas de saúde decorrentes da pandemia, embora constituam 25% da população dos EUA. A sua maioria não tem um seguro médico. A saúde norte-americana é totalmente privada, e muito cara. Os negros, mais pobres e miseráveis, estão impedidos de acesso a tratamentos emergenciais e crônicos.

Os estragos da pandemia à vida, salários e empregos, a violência racista que caracteriza o capitalismo norte-americano, e o fracasso das medidas legais para reduzir a discriminação e opressão sobre os negros desencadearam agora, na atual fase da crise, o levante nacional.

 

Racismo nos EUA

O levante contra a violência racista não é um fenômeno conjuntural. Diferentemente, expressa as contradições do passado escravista e a integração das camadas negras à economia e à política, sem nunca lhes garantir igualdade real com os brancos.

Sobre essa base, ergue-se a política burguesa, que tem um marcado caráter segregacionista entre negros e brancos; e que perpassa todas as manifestações da vida econômica, civil e política. São inúmeras as lideranças políticas negras. Obama foi o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Nada mudou de substancial para os explorados negros. É notável como os policiais negros são adestrados a tratar os pobres e jovens negros como pré-dispostos ao crime.

Não surpreende o fracasso da política burguesa em contornar as periódicas crises e levantes populares de negros com medidas conjunturais, a exemplo das prisões e condenações (ainda que ultralimitada) de policiais brancos, acusados de “crimes de racismo”.

A ação policial expressa a estruturação histórica e social do país, refletindo as violentas contradições que decorrem da formação do capitalismo nos EUA, na base da superexploração da força de trabalho negra, de sua brutal opressão social, e da contínua segregação racial na vida civil e política. As campanhas da imprensa para descaracterizar a violência e as práticas segregacionistas da polícia, como sendo “uso excessivo da força policial” e “falta de preparo”, procuram ocultar essas raízes sociais.

 

Não é possível reformar o estado

Para setores da intelectualidade acadêmica, da imprensa burguesa, e grande parte das lideranças do Partido Democrata, o assassinato de Floyd demostrou que uma “mudança na sociedade norte-americana” é necessária. O que começaria reconhecendo o “racismo estrutural”, e definindo políticas e medidas sociais para avançar em sua extinção. Mas, não é possível reformar um Estado cuja classe dominante branca recorre à violência racista, nas suas relações econômicas e políticas.

Nada será resolvido por meio da legislação, da democracia e do jogo parlamentar. A experiência histórica do movimento negro, que lutou consequentemente em defesa dos direitos civis e políticos, chocou-se contra essa estrutura e as instituições que se elevam por cima dela. Apesar de aprovada a Lei dos Direitos Civis, que eliminou da jurisprudência a segregação racial, em 1964, essa vitória democrática não alterou, no entanto, as travas econômicas e sociais, que impediam a ascensão social massiva de negros para a classe média – reservada aos brancos –, ficando assim submetidos ao embrutecimento, que resulta da superexploração assalariada, do desemprego, do crime, da miséria e da fome.

Em outras palavras: a luta permanente dos explorados negros pela igualdade real de direitos com os brancos evidencia quanto o racismo é uma manifestação da opressão de classe. É contra a existência da grande propriedade privada e da superexploração assalariada, que os protestos dos negros se chocam e batem constantemente. De forma que a eliminação da odiosa discriminação racial e a aplicação da real igualdade será conquistada tão somente pela revolução proletária. As denúncias contra a discriminação e violências raciais devem servir para impulsionar a luta de classes pela derrubada do poder burguês.

 

A militarização é a resposta burguesa à crise

Diante da revolta nacional, que começa a reunir as reivindicações econômicas e políticas mais amplas, Trump ameaçou enviar as Forças Armadas para conter os protestos, caracterizados de “atos de terrorismo doméstico”, organizados por “anarquistas profissionais”, “hordas violentas”, etc.

É parte da politicagem trumpista associar a “ineficácia repressiva” em alguns estados e cidades aos interesses eleitorais de prefeitos e governadores democratas, que, segundo Trump, deixam rolar os protestos e os saques. Mas, o certo é que todas as forças burguesas coincidem em esmagar a revolta das massas. Não há dúvida que há interesses eleitorais em meio à crise sanitária e social. Mas, o fundamental está em que a repressão desmedida pode intensificar a luta de classes, coisa que governadores e prefeitos não pretendem.

Governos democratas e republicanos seguem a mesma cartilha de descarregar a crise e desagregação capitalistas sobre os explorados. Certamente, o carácter nacional e radicalizado dos protestos alertou os governos, de que poderiam superar seu caráter reivindicativo inicial, e começar a colocar um programa de defesa emergencial da vida das massas, fortemente atingidas pela pandemia e a destruição de seus empregos, salários e condições de existência, bem como pela repressão em vários níveis. A militarização do país é uma reposta preventiva da burguesia para enfrentar um choque de classes, o que exige aumentar o aparelhamento do Estado policial, e agir repressivamente para impedir a projeção da luta das massas.

 

Crise de direção

Segundo um manifestante, “os protestos são por George Floyd”, mas “para muita gente isso foi apenas o ponto de ebulição”, uma vez que os negros estão “acostumados a ver a violência” , de forma que não restava outra opção, senão reagir. Outro manifestante, afirmou: “Levamos anos, tentando fazer as coisas de forma pacífica, desde Martin Luther King, e fizeram-no pagar, esta é a única maneira, e temos provado de muitas”.

Visando a desmobilizar os revoltados, jornalistas e especialistas assinalaram o perigo do contágio pelo Covid-19. Evidentemente, trata-se de uma manobra discursiva, que prega a moral burguesa da “responsabilidade social”, para favorecer a “desmobilização pacífica”. Objetivamente, servem à burguesia, em sua ofensiva repressiva, que pretende esmagar os levantes e impor a militarização, prevendo novos confrontos de classes.

O essencial da situação está em que as massas em luta tendem a romper a quarentena e recorrer à organização multitudinária para impor suas reivindicações, apesar da paralisia e das traições da burocracia sindical e do pacifismo das direções religiosas. E mostram o artificialismo de conter a luta de classes, sob indicações de prescrições médicas e científicas, inaplicáveis na sociedade burguesa.

Assim, se manifesta a explosão espontânea da luta de classes nos Estados Unidos, no momento em que a maior potência imperialista mergulha na recessão, destruindo milhões de empregos, e empurrando as massas à barbárie. Está aí também por que as manifestações foram respondidas por governos estaduais e municipais, desde democratas até republicanos, com a mesma receita: a repressão.

Os levantes das massas negras dos últimos anos, bem como a experiência da longa resistência dos movimentos pacifistas, põem de relevo que não há outra via para combater o racismo, senão os métodos dos levantes e insurreições. Instintivamente, essas condições são assinaladas em cada novo protesto e levante nacional das massas negras. Mas, o problema reside em que tendem a se esgotar, dentro do quadro democrático-burguês, e logo refluem, porque não conseguem se traduzir em programa das transformações revolucionárias, uma vez que não contam com o partido revolucionário do proletariado.

 

Opressão de classe

Qualquer crime racial cometido pelos agentes do aparelho repressivo do Estado burguês reflete a sociedade de classes. Esse é o motivo pelo qual, quanto mais avançar a desagregação econômica e mais se destruírem as condições de vida dos explorados, mais se agrava a violência racial, expressando requintes de barbárie. Descarrega-se brutalmente sobre as massas negras, que compõem o setor mais oprimido e miserável do proletariado e demais explorados.

O ponto de partida da política proletária reside em compreender que a opressão e discriminação que recai sobre o negro é uma marca distintiva do capitalismo. Veja-se o que se passa no Brasil, ou na África do Sul, onde o fim da escravidão e do Apartheid não pôs fim à opressão da minoria branca sobre a maioria negra. A raiz da opressão dos negros não se encontra na cor da sua pele, mas no fato de constituírem um destacamento dos explorados que carregam o passado escravista, com suas profundas manifestações nas relações econômicas e sociais. De forma que se trata de esclarecer os vínculos reais entre a discriminação racial e a opressão de classe, para assim organizar os movimentos contra a discriminação, como parte da luta do proletariado pela expropriação revolucionária da burguesia, e transformação dos meios de produção em propriedade coletiva, socialista.

 

Programa da revolução proletária

O percurso da crise econômica nos Estados Unidos e a desagregação do regime político burguês, sem nenhuma dúvida, exporá às massas a necessidade de superar as lutas reivindicativas imediatas, e desenvolver um programa comum em defesa de suas vidas. Tais condições favorecem a tarefa da vanguarda de penetrar no movimento de negros, e ligar sua luta pelo fim da violência racial às reivindicações que unificam explorados negros e brancos contra seus opressores comuns.

Sem a unidade de negros e brancos explorados e oprimidos pela minoria capitalista branca, não é possível sequer conquistar reais direitos, que apontem no sentido da eliminação total do racismo, que somente ocorrerá no socialismo. Partindo dessa premissa e das leis da revolução proletária na época de decomposição do regime capitalista, é que se forjará o partido proletário nos Estados Unidos, cuja construção e consolidação terá, sem dúvida, importância decisiva para a luta pela revolução socialista mundial.

É a convulsiva situação que exige dar passos significativos e urgentes na construção partido marxista-leninista-trotskista entre o proletariado norte-americano e as massas negras em particular. Durante esse percurso, com avanços e retrocessos, a vanguarda ver-se-á perante a necessidade de superar criticamente as experiências dos movimentos pan-africanos e dos direitos civis, que terminaram institucionalizados ou completamente impotentes para acabar com o racismo. Mas, também, com as nefastas experiências dos partidos revisionistas do marxismo-leninismo-trotskismo, que não conseguiram sentar as bases de um movimento revolucionário, alicerçado na estratégia da revolução e ditadura proletárias, e que, assim, acabaram na trincheira do reformismo. O levante motivado pelo assassinato do negro George Floyd abre caminho para a vanguarda com consciência de classe trabalhar pela construção do partido do proletariado nos Estados Unidos, e contribuir para o objetivo de reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista.