• 26 jun 2020

    Plano dos governos de volta às aulas

Plano dos governos de volta às aulas

Oposição das direções sindicais

Que as assembleias decidam

Unir estudantes, professores e funcionários aos demais trabalhadores

26 de junho de 2020

Vários estados anunciaram um plano de volta às aulas. Cada um segue suas particularidades. Há em comum a avaliação de que a pandemia está se arrefecendo. Faz parte dessa avaliação, a flexibilização do isolamento social e, portanto, a abertura do comércio-serviço e as atividades industriais. No mais poderoso estado da federação, São Paulo, o governador Doria e o prefeito Covas anunciaram a data de 8 de setembro, a depender da prevalência da cor amarela, que indica um nível de controle das infecções e mortes, compatíveis com a flexibilização.  Isto quando a maioria das regiões do Estado está voltando para a cor vermelha, por conta de São Paulo bater cinco recordes em mortes numa única semana, três seguidos.

Notamos que tem havido uma reação da Federação Nacional de Escolas Particulares (FENEP), que pretende ter um calendário próprio de retorno. Sete capitais estão diante da polêmica sobre as condições de normalização das atividades escolares. Segundo a FENEP, Manaus, João Pessoa, Fortaleza, Goiânia, Curitiba, São Luís e São Paulo, a escolas particulares estariam prontas para cumprir o calendário de retorno, uma vez que criaram as condições protocolares de segurança sanitária. De forma que os governos não deveriam atrelar a rede privada à rede pública. O presidente do SIEE-SP, Benjamin Ribeiro da Silva, chegou ao ponto de dizer que “se a rede pública não consegue se capacitar, nós não temos culpa”. Está claríssima a pressão do poder econômico sobre a linha adotada e desenvolvida pelos governadores.

As universidades públicas estaduais, a exemplo da Unicamp, USP, etc., indicaram que iniciarão o segundo semestre em agosto, com aulas remotas. Aulas presenciais, somente em 2021. Os professores universitários temem a contaminação pelos estudantes, e aniquilam a educação pública superior. Os reitores se apoiam na portaria do MEC, que determina aulas remotas até 31 de dezembro. Os estabelecimentos privados querem o ensino presencial, já em agosto. Os negócios da educação falam mais alto que os riscos da pandemia. Estão em jogo as matrículas do segundo semestre, que garantem o pagamento das mensalidades. Às universidades públicas, não existe esse problema. Podem estender por mais um semestre as aulas virtuais, desde que seja assegurado o término do curso para um contingente de alunos do último semestre, e garantidos, assim, os vestibulares que alimentam os cursinhos. As aulas presenciais, na forma de rodízio, são uma possibilidade no ensino médio estadual e municipal, desde que o quadro pandêmico seja reduzido. É bom deixar claro que tanto os governos quanto os capitalistas da educação agirão para perpetuar o ensino a distância.

Essa discussão ocorre no momento em que a curva ascendente do coronavirus está em alta, os mortos ultrapassam 55 mil, e os infectados, 1,25 milhão. Sabe-se que é muito mais, devido à subnotificação. Se fosse para seguir o isolamento social, professores, estudantes e funcionários teriam de ficar em casa. Ocorre que não há como desvincular as atividades do ensino das demais atividades econômicas. Os governadores romperam a campanha do isolamento social, isso em todos os estados, mesmo quando a pandemia se mostrava e se mostra ofensiva. Acabaram convergindo com a posição do governo Bolsonaro, que se opôs ao isolamento “horizontal”. Em outras palavras, assumiram a “verticalidade” bolsonarista. Doria, ao fazer a mudança, chegou a dizer que passaria para um “isolamento criativo”, sem se dar conta de que qualificava depreciativamente a forma anterior. De repente, já não imperava a voz da ciência e o slogan “salvar vidas”. Imperava a necessidade dos capitalistas, do comércio, serviço e indústria.

A resistência dos empresários da educação ao plano que retarda a volta da normalidade é o eco tardio dos interesses gerais da burguesia, para a qual nunca a vida da população subordinou seus negócios e lucros.  Não é agora, com a pandemia, por mais mortífera que seja, que a lei econômica da exploração do trabalho será modificada, mesmo que por alguns segundos. A forma do isolamento social, concebida por médicos e cientistas, é aplicada por meio de uma política, que envolve necessariamente cálculos econômicos e financeiros. Trata-se da política burguesa de isolamento social, que foi obscurecida em seu fundamento de classe. Até onde chega o nosso conhecimento, somente o Partido Operário Revolucionário (POR), no Brasil, a qualificou com absoluta precisão. O que permitiu prever o seu limitado alcance, e o seu fracasso em defender os explorados, entre eles, os mais pobres e miseráveis.

Os professores e todo o funcionalismo puderam cumprir a quarentena, até o momento em que se impôs a flexibilização e, portanto, a diretriz de Bolsonaro. É o que demonstra o dilema entre permanecer em casa, ou voltar ao trabalho. Certamente, há que se considerar a particularidade desse setor, uma vez que envolve milhões de estudantes da educação básica ao ensino superior. Era intenção dos governantes reduzirem salários, sob o argumento do esgotamento orçamentário. Foi necessária uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor do funcionalismo público. Certamente, em primeiro lugar, em favor da burocracia estatal, que forma uma aristocracia salarial. É questão de tempo para que o governo e o Congresso Nacional retomem a reforma administrativa, para sacrificar a maioria do funcionalismo. Em São Paulo, o governo cortou o adicional noturno e o vale alimentação dos professores. Os aposentados pela SPPREV terão redução salarial, devido à aplicação de uma alíquota de imposto sobre os vencimentos acima de um salário mínimo. Esse ataque foi desfechado em plena pandemia. Na rede privada, criou-se uma celeuma jurídica, se a MP 936 seria aplicável ou não. Não se sabe ainda o alcance de sua aplicação. Mas, se sabe que os empresários recorreram às demissões, a exemplo da Uninove, em São Paulo. As implicações materiais da pandemia sobre os trabalhadores foram duras.

Não há como desvincular os professores do ensino público e privado da situação geral, embora a imprensa tenha qualificado de setores protegidos, no caso do funcionalismo público. O mais provável é que tenham de voltar às salas de aula, antes que a pandemia esteja controlada. Só não voltaram ainda, devido à particularidade de envolver milhões de crianças e jovens. Essa particularidade também não é passiva. Uma importante parcela das famílias de explorados necessita dos filhos nas escolas, para poder trabalhar. Essa pressão social é considerável, apesar dos perigos da pandemia.

Os sindicatos de professores do estado de São Paulo, tanto público como privado, lançaram uma campanha contra o plano de Doria de retorno às aulas em setembro. Não é preciso repisar o argumento lógico de que se estariam expondo professores, estudantes e funcionários à contaminação. Em especial, distintamente da escola particular, a burocracia sindical argumenta que a precariedade da escola pública impossibilita a aplicação do chamado protocolo sanitário. Em seu manifesto, os sindicatos ameaçam recorrer à greve. Parlamentares ligados à educação anunciaram a intenção de ir à Justiça contra a medida de Doria. O bom senso diz que o mais seguro é todos continuarem com a quarentena. No entanto, nem sempre o bom senso corresponde às forças materiais da realidade. Os professores da rede estadual, esmagados nas condições de trabalho e salariais, não têm a mesma influência no governo que os mestres universitários.

As pressões para o retorno às aulas vêm, principalmente, dos capitalistas da educação. As pressões desse setor se tornam mais fortes, devido à quebra do isolamento social de maneira geral. O recurso da greve não passa de ameaça, intenção e retórica. Isso por que os professores ainda estão em isolamento social, e cumprem a exigência de ministrar as aulas remotas. Se a proposta das direções sindicais é iniciar a greve no dia do retorno, o risco de fracasso é grande, uma vez que foi uma decisão tomada pela cúpula burocrática, sem que houvesse uma decisão dos três setores que compõem a educação. O correto é encarar o problema de frente.

Não é possível manter o isolamento social dos professores à parte do conjunto da economia e da retomada dos trabalhadores aos seus postos de trabalho. O que se passa, agora, com os professores, é reflexo da ausência de uma política da classe operária e demais explorados diante da pandemia, e da política burguesa do isolamento social. Essa ausência permitiu que os governantes decidissem quem iria cumprir a quarentena, e quem ficaria exposto ao contágio. Permitiu que os trabalhadores informais não suportassem o rigor da quarentena, não tendo fonte de renda, senão vendendo suas mercadorias nas ruas (os R$ 600,00 de auxílio emergencial não deram para nada, além de excluir milhões do sistema). Quem não acompanhou o drama do transporte coletivo superlotado? Quem não viu as favelas e bairros operários empobrecidos formigarem de gente nas vielas? Quem não viu as enormes filas de pessoas aguardando receber o auxílio emergencial, ou então, à espera de uma cesta-básica?

O fato é que a burguesia e seus governos não podiam e não podem assegurar as prescrições médicas do isolamento social. Não por acaso, o sistema privado de ensino, que controla a maior parte da educação superior, é o carro-chefe das pressões pela volta às aulas. Pretender manter o isolamento social a despeito da volta geral ao trabalho, é o mesmo que fazer a água do rio correr no sentido contrário ao seu leito. Somente uma férrea unidade da maioria oprimida, sob a direção da classe operária, poderia reagir à impotência da burguesia em proteger a população da pandemia e da crise econômica, que já vinha avançando desde 2008. Ocorre que essas mesmas direções sindicais e políticas, que ameaçam quixotescamente com a greve, não só renunciaram a estabelecer uma política própria dos explorados, como seguiram piamente a política burguesa do isolamento social.

A tarefa colocada é a de preparar política e organizativamente a volta de professores, estudantes e funcionários. Os sindicatos e organizações estudantis devem convocar as assembleias universitárias, sindicais e populares (nos bairros, onde as famílias devem também participar e decidir). É por meio da democracia das massas que se pode responder ao fracasso da política burguesa do isolamento social. O mesmo dissemos no momento em que os operários começaram a voltar às fábricas e demais trabalhadores ao comércio e serviços. É um imperativo da situação catastrófica sanitária e econômica, pôr em pé um movimento nacional, que unifique as universidades e as escolas às fábricas, ao comércio e aos serviços. Que unifique empregados e desempregados, trabalhadores formais e informais. As assembleias e a constituição de comitês de base podem cumprir esse objetivo, colocando de lado toda sorte de corporativismo, incentivado pela burocracia sindical. O uso da greve se tornará viável, com os trabalhadores na produção social e a juventude nas escolas, possibilitando que, a partir da discussão e decisão coletivas, se organize a luta nas ruas. No momento, a pandemia continua sendo um grande problema. Eis por que um movimento das massas é fundamental para defender as condições sanitárias em favor da maioria oprimida.

Quem não viu a necessidade de submeter a rede privada médico-hospitalar às necessidades dos pobres e miseráveis? Quem não viu que o SUS sucateado não podia atender aos mais necessitados? Quem não viu a corrupção se valendo da pandemia para desviar dinheiro público? Quem não viu os empresários do sistema de transporte reduzirem a frota para proteger seus lucros? Quem não viu Bolsonaro e o Congresso Nacional imporem as MPs antioperárias e antipopulares? Quem não viu os sindicatos negociando a aplicação da MP 936?

Se a classe operária e demais explorados tivessem sido organizados, imediatamente, ao anúncio da pandemia, para estabelecer uma linha própria e um plano de emergência, tudo isso seria visto e combatido com os métodos da luta de classes. Como não foi o que passou, os trabalhadores foram arrastados de volta às atividades, não importando se a curva da epidemia havia atingido ou não o famoso “platô”. E, agora, os professores, estudantes e funcionários estão pagando com a mesma moeda.

O dilema entre permanecer em quarentena, ou voltar às aulas, é extemporâneo. O problema concreto é a de como se organizar coletivamente para combater a política burguesa do isolamento social, com um programa de reivindicações, que una a maioria oprimida, para se defender das condições de desintegração do capitalismo e da barbárie social.