• 20 jul 2020

    10 anos do Estatuto da Igualdade Racial

Declaração do Partido Operário Revolucionário

10 anos do Estatuto da Igualdade Racial

O seu fracasso comprova que somente por meio da luta de classes é possível combater o racismo

20 de julho de 2020

Em 20 de julho de 2010, foi sancionado, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o Estatuto da Igualdade Racial. Nesses 10 anos de vigência, a própria imprensa burguesa reconhece que pouca coisa mudou, nas condições da parcela negra da população, que é a maioria. Há que acrescentar que, em alguns aspectos, inclusive, se agravaram.

Via de regra, se descreve a discriminação dos negros, sem evidenciar suas raízes, ou, em outras palavras, a causa primeira. Ainda persiste a ilusão e a impostura de que se trata de uma discriminação de ordem puramente racial, que acaba tendo reflexos sociais. Não se admite o contrário, de que são as causas sociais que se refletem na forma de opressão racial e, certamente, assim, a discriminação racial evidencia e reforça a opressão social. Tornou-se muito bem conhecida a discussão entre classe e raça, de maneira a definir o racismo como especificamente de opressão de uma raça sobre outra. E, secundariamente, o racismo no interior das classes. Essa diferença, embora antiga e discutida exaustivamente nos meios acadêmicos, com seus reflexos nos movimentos, permanece atual.

Nos marcos da explicação sobre a relação entre raça e classe, se opõem o reformismo e o marxismo. Para os reformistas, é valiosa a tese de que a questão racial caminha paralela à questão das classes, ainda que uma se reflita na outra, apregoando a possibilidade de reformas progressivas no capitalismo, embora este esteja em sua época imperialista de decomposição.  De maneira que as particularidades do racismo podem ser tratadas e resolvidas sem alterar, no fundamental, a relação entre as classes antagônicas do capitalismo, que são, por excelência, a burguesia e o proletariado. A posição reformista, em geral, acentua a educação e coerção como instrumentos intrínsecos à defesa da igualdade racial. Advoga, por outro lado, ações econômicas do Estado, inclusive junto aos capitalistas, para reduzir as desigualdades raciais e, nesse sentido, promover gradualmente a igualdade.

A condição política para viabilizar esse programa é a de constituir um governo “democrático e popular”, como consta no ideário do PT. A classe operária e demais explorados preencheram essas condições, elegendo, para presidente, Lula. Eis que, no Brasil, se materializou o “governo democrático e popular”. O Estatuto da Igualdade Racial foi constituído, sob tal governo. Sua história e destino, portanto, estão atados ao PT reformista. Lembrar os 10 anos do Estatuto da Igualdade Racial significa relembrar o governo de Lula e a tese do governo democrático e popular do petismo. Eis por que, neste 20 de julho de 2020, o ex-presidente e o senador Paulo Paim, relator do Estatuto, em meio à brutal pandemia, que já deixou 80 mil mortes, sendo a maioria de negros, anunciaram uma discussão comemorativa on-line.

Pelos caminhos tortuosos, nem sempre previsíveis da história, os 10 anos do Estatuto da Igualdade Racial são postos à prova, no momento em que a parcela negra da população é a mais sacrificada, não só pelo volume das mortes, mas também pelo desemprego e pelo avanço da fome. Os vários títulos, capítulos e parágrafos do longo e detalhado documento se mostram vazios de realidade. Não era preciso, certamente, que se abatesse a virulenta pandemia sobre as massas, para que se verificasse, nesses 10 anos de existência, que o Estatuto da Igualdade Racial não mexeu um só dedo contra a discriminação e as condições sociais de existência da maioria negra. No entanto, é bom assinalar a coincidência da tragédia na vida dos explorados, atingidos pela pandemia, e o reconhecimento de que a maioria é de negros pobres e miseráveis. É claro que não se deve desconhecer que milhões de pobres e miseráveis brancos também padeceram e padecem da mesma carga.

Esses 10 anos do Estatuto coincidem, também, com o levante nos Estados Unidos, em resposta ao assassinato de George Floyd. Esse é o caminho para pretos e brancos oprimidos se levantarem contra a burguesia branca e seus governos. A experiência ensina que, sem uma direção revolucionária, o movimento de revolta contra a violência racial se esgota nos limites da política reformista. Essa experiência tem de ser levada em conta, na avaliação da luta contra o racismo no Brasil.

Passemos a apresentar alguns pontos do Estatuto da Igualdade Racial. Para efeito de demonstração, comecemos pelo título II – dos direitos fundamentais, capítulo I – dos direitos à saúde.  Diz no artigo 7º: “O conjunto de ações de saúde voltadas à população negra constitui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (…)”. Observa-se que vários itens estão interligados à superação da discriminação dos negros diante da saúde. Os acontecimentos revelam a falência do SUS diante da catastrófica incidência do coronavírus sobre a maioria oprimida. O sonho de dar poderes aos movimentos e representantes de negros, na “Participação e controle social do SUS”, se dissipou na forma de um grande pesadelo.

O capítulo IV, artigo 35º, sobre a moradia, diz: “O poder público garantirá a implementação de políticas públicas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra, que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida”.  O contrário dessa intenção ocorreu. Nesses 10 anos, aumentaram as favelas e cortiços. Uma das causas da mortandade de negros pelo coronavírus foi que boa parte deles se encontra aglomerada em cubículos, que, por sua vez, formam conglomerados de moradias geminadas e destituídas de qualquer proteção sanitária. Muito morreram e estão morrendo em casa, sem poderem recorrer ao SUS.

O capítulo V, sobre o trabalho, artigo 38º, diz: “A implementação de políticas voltadas para inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do poder público (…)” Artigo 39º , “O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra”. As demissões em massa, porém, começaram justamente nas atividades consideradas menos qualificadas e mais pesadas, que são em grande medida exercidas por homens e mulheres pretos. Não passa de palavreado reformista a promessa de “igualdade de oportunidade”. A maior parte de desempregados e subempregados, incluindo a juventude, é de pretos.

O capítulo IV, sobre o “acesso à justiça e segurança, artigo 53º “O Estado adotará medidas especiais para coibir a violência policial incidente sobre a população negra”. E promete, no parágrafo único, “ações de ressocialização e proteção da juventude negra em conflito com a lei e exposta a experiências de explosão social”. Durante a pandemia, se viu ocorrer o contrário. Aumentou o número de mortes provocadas pela intervenção policial. A maioria foi de jovens pretos. A população carcerária cresce ano a ano, e a imensa maioria é de pretos. Constata-se o crescimento do encarceramento de mulheres pretas.

Voltamos a assinalar que a situação da pandemia, que coincidiu com os 10 anos do Estatuto da Igualdade Racial, tão somente expôs o enorme câncer social do capitalismo, que é a opressão racial, como reflexo da exploração do trabalho. Os reformistas vão dizer que não tiveram tempo de criar as premissas materiais, culturais e ideológicas para viabilizar o Estatuto. Têm um argumento a seu favor, que são as cotas raciais. Em oito anos, (2011-2019), segundo o IBGE, o número de negros na universidade saltou de 9% para 18%. O fato de ter dobrado parece um grande feito. Mas, na realidade, se trata de uma pequena concessão admitida pela burguesia branca, principalmente a uma camada de pretos que pertence à classe média. Isso foi o máximo que alcançou o Estatuto da Igualdade Racial. Fracassou inteiramente no fundamental da discriminação sofrida pelas massas pretas.

Desde 1950, principalmente, intelectuais, parlamentares de esquerda e movimento negro defendiam o reconhecimento da discriminação pelo Estado burguês. Leis foram criadas nesse sentido. Mas é com o Estatuto da Igualdade Racial que se chega ao ponto mais alto desse reconhecimento. Não há dúvida que foi um passo progressivo. O que deveria servir apenas de instrumento, para demonstrar que os capitalistas e seus governos não tinham e não têm como cumprir a concessão feita ao movimento negro. Os reformistas fizeram o contrário. Alimentaram a ilusão na possibilidade de que o Estatuto era, de fato, um instrumento para promover a igualdade racial. Assim, reforçam a tese de que o problema é de raça, e não de classe. De maneira que as soluções vêm do parlamento e de governos. Negam, sistematicamente, que a questão da opressão sobre os pretos somente pode ser enfrentada pela luta de classes, com os métodos, meios e a estratégia revolucionária do proletariado.

O fracasso do Estatuto da Igualdade Racial comprova o acerto da tese marxista de que as discriminações contra os pretos são, primordialmente, de classe. Não se trata da luta entre raças, mas da luta entre classes. O programa da classe operária une pretos e brancos para impor à burguesia suas reivindicações, combater o racismo no campo da exploração do trabalho e desenvolver as premissas de que a revolução proletária porá fim, definitivamente, ao racismo e toda forma de opressão social.