• 03 set 2020

    Manifesto do Partido Operário Revolucionário – 82 anos da fundação da IV Internacional

Manifesto do Partido Operário Revolucionário

82 anos da fundação da IV Internacional

Viva o internacionalismo proletário, marxista-leninista-trotskista!
Reconstruir a IV Internacional – Partido Mundial da Revolução Socialista

3 de setembro de 2020

Três de setembro de 1938, a IV Internacional era fundada, nos arredores de Paris, na mais absoluta clandestinidade. Hitler chegou ao poder em 1933, em meio à profunda crise econômica, que se manifestava desde 1929. Nos anos seguintes, se potenciaram as tendências militaristas, e se tornou mais claro que o imperialismo caminhava para a segunda guerra mundial. É nessas condições que a derrota da revolução espanhola, para o fascismo franquista, em 1939, apoiada pela Inglaterra e França “democráticas”, assinalou o avanço da contrarrevolução em toda a linha. Na Alemanha, o partido comunista, seguindo a orientação da III Internacional estalinizada, oscilou entre o ultraesquerdismo e o oportunismo, de maneira que o proletariado alemão não teve como se emancipar do controle da política da socialdemocracia, cuja impotência diante da projeção do nazifascismo se evidenciava. Sem a direção revolucionária, o fascismo cumpriu sua função de acabar com as organizações operárias, e liquidar fisicamente as direções. Na França, o governo burguês de Léon Blum (1936-1938), assentado na frente popular, constituída pelos partidos socialista, comunista e radical, bloqueava o desenvolvimento da revolução proletária, e servia às forças contrarrevolucionárias na Espanha. O pacto de Stalin com Hitler – efetuado pelos Ministros dos Negócios Exteriores, Viatcheslav Molotov e Joachim von Ribbentrop, em agosto de 1939 –  facilitou a ofensiva militar da Alemanha, que invadiu a Polônia. A divisão da Polônia entre a Alemanha e a União Soviética marcou o início da segunda guerra mundial. O que parecia ser uma manobra de defesa da União Soviética acabou colocando-a por detrás da guerra imperialista, que concluiu com uma nova partilha mundial, muito mais ampla que a da primeira guerra. O que aparentou ter fortalecido o país da revolução proletária, na realidade, serviu à imensa projeção dos Estados Unidos. Esse aclamado farol da democracia se elevou à condição de potência hegemônica, aumentando a capacidade do imperialismo de submeter a ferro e fogo as nações oprimidas. Imediatamente, a burguesia norte-americana alinhou por trás de si a Europa e Japão capitalistas, portanto, vencedores e vencidos, lançando um cerco à União Soviética e aos países que expropriaram a burguesia. É na situação de avanço do fascismo e da preparação para a segunda guerra mundial que a política de Stalin evidenciou, sem atenuantes, apesar do palavreado de defesa do comunismo, a ruptura com o programa e os métodos bolcheviques do internacionalismo proletário.

O VII Congresso da Internacional Comunista, agosto de 1935, sob a direção de Geórgi Mikhaïlov Dimitrov, esvaziou toda a caracterização da guerra imperialista, formulada por Lênin, e assumida pelos Primeiros Quatro Congressos da Internacional Comunista (1919-1922), apresentando a grande conflagração como se fosse o confronto entre a democracia e o fascismo. Os agentes de Stalin, na III Internacional, vão adotar uma tática estranha ao marxismo-leninismo. As frentes populares seriam a forma de defender a democracia e derrotar o fascismo. Consistia em apoiar e se integrar nos governos burgueses, que estivessem a serviço da democracia. Assim, a classe operária foi submetida a coligações burguesas, que acabaram servindo à contrarrevolução, na França e na Espanha. Nos países semicoloniais, como na América Latina, amarraram os explorados por detrás do nacionalismo burguês, que não foi capaz de reagir à dominação do imperialismo norte-americano.  As frentes populares foram ditadas pela burocracia estalinista aos partidos comunistas do mundo inteiro, tornando-os apêndices de uma fração burguesa. Essa panaceia, extraída da caracterização do confronto entre democracia e fascismo, que pressupunha a existência de uma fração burguesa progressista, que deveria ser apoiada pela classe operária, levou os partidos comunistas a se desviarem, e a renegarem a estratégia da ditadura do proletariado, e a substituírem a tática revolucionária, pela tática da colaboração de classes. Do esquerdismo do terceiro período, momento em que o estalinismo caracterizou a socialdemocracia alemã como irmã gêmea do fascismo, e se negou a organizar a frente única contra a ascensão de Hitler, se saltou para o oportunismo com as frentes populares. O VII Congresso da Internacional Comunista resultou na revisão e abandono do programa dos seus Primeiros Quatro Congressos, que estiveram sob a orientação geral de Lênin e Trotsky.

O desarme teórico e político da III Internacional, nas condições de crise, guerra, revolução e contrarrevolução, comprometeu definitivamente o estalinismo com a guerra imperialista. Estavam dadas, assim, todas as premissas da liquidação da III Internacional. O que significou a destruição do Partido Mundial da Revolução Socialista. Resguardadas as diferenças, Trotsky se viu diante de uma situação parecida com o que se passou com a II Internacional, que se degenerou com a capitulação de sua direção, diante da política de guerra do imperialismo. Operou-se uma radical revisão das posições marxistas, que estiveram na origem da II Internacional. Lênin e os bolcheviques combateram o chauvinismo dos socialistas capituladores, e levantaram a bandeira da III Internacional, assim que ficou claro o desarme teórico e político da II Internacional. Esse embate se processou em meio à revolução, que avançava na Rússia, e à contrarrevolução, que se erguia na Alemanha. A III Internacional nasceu programática e ideologicamente antes da Revolução de Outubro de 1917, fruto da luta contra o desarme teórico, político e programático. Foi concebida como instrumento da revolução mundial, que tinha como seu destacamento mais avançado o proletariado russo e seu partido bolchevique. O triunfo da revolução proletária possibilitou erguer, organizativamente, a III Internacional, realizando seu primeiro Congresso, em março de 1919. Seu manifesto e documentos estabeleceram a natureza da III Internacional como Partido Mundial da Revolução Socialista, baseado nos princípios e fundamentos do centralismo democrático.

O capitalismo da época imperialista, que se distingue da época liberal, quando foi fundada a I Internacional, por Marx e Engels, havia amadurecido todas as premissas para a materialização do internacionalismo, na forma do Partido Mundial da Revolução Socialista.  A II Internacional, que se edificou em meio ao processo de transição e de florescimento da democracia burguesa na Europa Ocidental, não foi capaz de compreender as profundas mudanças do capitalismo monopolista, em que predomina o capital financeiro, e, assim, romper com sua adaptação ao parlamentarismo e ao pacifismo pequeno-burguês. Originou-se e se organizou como uma federação de seções. Sobre a base dessa experiência, que se esgotou com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a III Internacional se ergueu como partido mundial, regido por um programa e por um estatuto centralista e democrático. A revisão estalinista dos Primeiros Quatro Congressos da Internacional Comunista liquidou o partido mundial centralista-democrático. A burocratização do partido bolchevique (Partido Comunista russo) e a degeneração da ditadura do proletariado na URSS se refletiram na forma de revisionismo do caráter da III Internacional. Os partidos comunistas, que emergiram em todo o mundo, impulsionados pela revolução socialista na Rússia, foram submetidos a uma orientação centralista-burocrática e autoritária. Já não faziam parte do Partido Mundial da Revolução Socialista, centralista-democrático, mas sim de uma burocracia, que emanava as ordens do Kremlin. A estalinização no seio do Estado operário, primeiramente, deformou a democracia proletária, em seguida, esmagou-a definitivamente. A III Internacional não poderia escapar a esse processo, a não ser que rompesse com a direção estalinista.

A política capituladora de Stalin, em 1933, indicou a Trotsky e à Oposição de Esquerda que já não havia como recuperar a III Internacional de seus Primeiros Quatro Congressos. A ossificação dos partidos comunistas e a perseguição policial aos marxistas-leninistas-trotskistas inviabilizaram qualquer luta interna. É nesse momento que Trotsky orienta a Oposição de Esquerda Internacional a colocar a tarefa de constituir a IV Internacional. Não lhe fugia à compreensão de que se tratava de uma situação completamente adversa. A vitória do estalinismo levava à restauração, e servia à contrarrevolução. A guerra imperialista ressurgia das profundas contradições do capitalismo da época dos monopólios e do capital financeiro. Era inevitável um massacre de povos, para se chegar a uma nova partilha do mundo. Os partidos comunistas estavam incapacitados de reagir ao revisionismo estalinista. As expulsões, processos e assassinatos de opositores foram os métodos com que a burocracia estalinista combateu a possibilidade de a oposição marxista-leninista potenciar a defesa do partido centralista-democrático. O esmagamento da revolução espanhola fechava um capítulo de resistência, que poderia realinhar as forças proletárias na Europa. Os agrupamentos que se desprendiam do reformismo socialdemocrata, por sua vez, tendiam ao centrismo.

Diferentemente da III Internacional, a IV Internacional se erguia na contracorrente dos acontecimentos do período de guerra imperialista, do avanço da burocratização estalinista, e das vitórias da contrarrevolução. Nas fileiras da Oposição de Esquerda, emergiu um polo de resistência à criação da IV Internacional, sob o argumento de que não existiam os partidos organizados no seio do proletariado. Não compreendiam que se tratava de preservar as conquistas da III Internacional, materializadas nos seus Primeiros Quatro Congressos, de lutar pelo internacionalismo em defesa das conquistas da Revolução Russa, e responder aos novos problemas do grave momento histórico. Não se podia dar continuidade à luta contra o revisionismo estalinista, sem expressar o internacionalismo marxista-leninista, na forma de uma Internacional. Não se podiam esperar mudanças nas condições mundiais, em que se invertesse a correlação de forças em favor do proletariado. Esperar significava assumir passivamente a destruição programática da III Internacional, e contribuir para a manutenção do vazio de direção mundial. Os enfrentamentos da Oposição de Esquerda Russa, entre 1923 e 1929, e, em seguida, da Oposição de Esquerda Internacional com o estalinismo e as diretrizes desenvolvidas por Trotsky, nas condições concretas da luta de classes mundial, constituíram a base programática, política e ideológica da preservação do internacionalismo.

Em 3 de setembro de 1938, pouco antes da eclosão da segunda guerra mundial, se aprovou o Programa de Transição para da Revolução Socialista. Duas premissas o alicerçam. De um lado, afirma que “os requisitos econômicos da revolução proletária atingiram o mais elevado grau de maturidade que pode ser atingido sob o capitalismo”. De outro, que “a situação política mundial no seu conjunto se caracteriza, sobretudo, pela crise histórica da direção do proletariado”. Estabelece como objetivo que “a tarefa estratégica do próximo período – período pré-revolucionário de agitação, propaganda e organização – consiste em superar a contradição entre a maturidade das condições objetivas da revolução e a não maturidade do proletariado e de sua vanguarda (confusão e desencorajamento da velha geração, falta de experiência da jovem)”. E recorre ao método marxista-leninista: “é preciso ajudar as massas no processo da sua luta cotidiana a encontrar a ponte entre as suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Essa ponte deve consistir em um sistema de reivindicações transitórias, partindo das condições atuais e da consciência atual de grandes camadas da classe operária, e conduzindo invariavelmente a uma só e mesma conclusão – a conquista do poder pelo proletariado”. A estratégia do Programa de Transição é a ditadura do proletariado, o método é o da ação direta. O seu fundamento geral é o da expropriação revolucionária da burguesia e a transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social. O Programa de Transição reconhece as particularidades da luta do proletariado nos países imperialistas e nos países semicoloniais. Assinala a necessidade da aliança operária e camponesa nos países de economia atrasada. Aliança que levará à constituição do governo operário e camponês, que exercerá a ditadura do proletariado sobre a burguesia derrotada. O internacionalismo está na base do Programa de Transição, que considera que a revolução em um país somente pode se sustentar e avançar em sua transição ao socialismo nas condições de triunfo da revolução em outros países e mundial.

No VII Congresso, de 1935, a burocracia estalinista liquidou programaticamente a III Internacional. Esse passo indicou que a Internacional perderia qualquer função, diante da política de coexistência pacífica com o imperialismo, e da participação de Stalin no acordo de uma nova partilha do mundo, ditado pelos Estados Unidos. Depois de oito anos, em 15 de maio de 1943, Stalin ordenou a dissolução da III Internacional, sem que precisasse sujeitar a decisão liquidacionista a um congresso. A passividade dos partidos comunistas expressou a sua mais completa integração ao capitalismo, como havia ocorrido com os socialdemocratas da II Internacional. Trotsky foi assassinado dois anos após a fundação da IV Internacional, e três anos antes da eliminação da III Internacional. A sua luta, para que o enfrentamento ao nacionalismo estalinista – que se sintetiza na fórmula da possibilidade de construir o “socialismo em um só país” – se materializasse na forma do programa, exigiu constituir uma nova Internacional. Abria-se um novo período histórico, em que o proletariado mundial estava obrigado a travar o combate contra o imperialismo e o processo de restauração capitalista em curso. Qualquer que fosse o movimento revolucionário, tinha de se colocar pela defesa das conquistas da revolução proletária. Essa orientação dependia da constituição de partidos revolucionários, que aplicassem o Programa de Transição, nas condições particulares de seus países. A vanguarda construiria as seções da IV Internacional, elaborando o programa da revolução proletária, de acordo com as particularidades econômicas, sociais, culturais e desenvolvimento do proletariado. Assim se aplicaria o Programa de Transição de forma concreta. Estava claro que teria de vencer poderosos obstáculos, para constituir o partido no seio do proletariado. E a IV Internacional se potenciaria, sobre a base da confirmação dos prognósticos sobre a desintegração do capitalismo e da luta contra a burocratização estalinista e as forças restauracionistas.

A IV Internacional padeceu de uma contradição na sua origem, uma fortaleza programática e uma fraqueza organizativa. A justeza do programa possibilitava superar a debilidade da vanguarda, que despontava em vários países, inclusive na América Latina. Trotsky empreendeu uma luta para formar quadros bolchevique-leninistas, que assimilassem o Programa de Transição e o combate ao revisionismo estalinista. Deparou-se com o sério problema do centrismo e do oportunismo nas fileiras da IV Internacional. As crises nas duas principais seções – a dos Estados Unidos e da França – obstaculizaram o fortalecimento organizativo da nova Internacional.  Seus reflexos no Brasil resultaram na desintegração da Liga Comunista. Os acontecimentos posteriores à morte de Trotsky indicaram que não se havia consolidado uma direção revolucionária, programática e teoricamente consistente. Não foi capaz de dar continuidade às conquistas do marxismo-leninismo-trotskismo, diante da guerra imperialista e das capitulações de Stalin. O fortalecimento do aparato estalinista, no imediato pós-guerra, alimentou na direção da Internacional uma tendência revisionista, que passava a considerar o estalinismo como progressista, impulsionador do comunismo. Essa posição direitista, dirigida por Michel Pablo, desencadeou a desintegração da IV Internacional, nos anos de 1950-1960. A fração que rechaçou o revisionismo pablista, no entanto, se mostrou incapaz de manter a direção baseada no Programa de Transição. As rupturas e estilhaçamentos desmoronaram organizativamente a IV Internacional. Nenhuma de suas tendências escapou ao centrismo. Esse fenômeno demonstrou que, se a vanguarda não forma o partido como programa, e não penetra no proletariado, inevitavelmente, tem de expressar o esquerdismo e o oportunismo pequeno-burguês.

A desintegração da IV Internacional atingiu profundamente a vanguarda latino-americana. Dividida e estilhaçada, cedeu às mais diversas pressões da crise capitalista e da luta de classes. Não foi capaz de combater o imperialismo, e se distinguir do nacionalismo burguês mais radical, bem como das roupagens vestidas pelo estalinismo. A Revolução Cubana se ergueu como uma prova decisiva. Confundiu-se a obra revolucionária das massas, que derrubou o governo e expropriou os grandes proprietários, com sua direção pequeno-burguesa, que acabou se sujeitando ao estalinismo. Confundiu-se a necessária defesa de Cuba diante dos ataques dos Estados Unidos com a política do castrismo. Sujeitou-se ao método foquista de Guevara, como se fosse expressão da luta internacionalista pela revolução latino-americana. Afastou-se, definitivamente, da tarefa de construir o partido-programa no seio do proletariado. As várias expressões do centrismo, não só haviam se afastado do marxismo-leninismo-trotskismo, como se ergueram como obstáculos à IV Internacional.

Em meio a essa profunda crise de direção, o Partido Operário Revolucionário da Bolívia (POR), sob a direção de Guillermo Lora, se destacou como pilar da IV Internacional. Foi o único partido que forjou o Programa de Transição, de acordo com as particularidades do país, e conseguiu se construir no seio do proletariado boliviano. As Teses de Pulacayo, aprovadas no Congresso dos mineiros, em 1946, pavimentou a construção do partido como expressão da IV Internacional. A condição insular e de profundo atraso econômico do país pesaram em favor do isolamento do POR. O fato de não ter podido intervir amplamente no processo de desintegração da IV Internacional, em certa medida, favoreceu a projeção do centrismo, confundido com o trotskismo. O combate cerrado de todas as variantes centristas ao POR serviu para recrudescer seu isolamento, ao mesmo tempo em que indicou o reconhecimento de sua importância para o trotskismo e a IV Internacional. O empenho do POR boliviano de organizar o Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional tem auxiliado a construção das seções no Brasil, Argentina e Chile. A sua constituição, regida pelo Programa de Transição, aplicação nas condições particulares de cada país, e funcionamento centralista-democrático, se distingue das correntes centristas, que continuam a se reivindicar do trotskismo e da IV Internacional, mas que de fato abandonaram a tarefa de reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista. O Comitê de Enlace se esforça por assimilar e aplicar os métodos e a concepção organizativa, que se assentam na experiência da III Internacional, da época de Lênin e Trotsky.

Estamos a 80 anos do assassinato de Trotsky e 82 anos da formação da IV Internacional. As ilusões do pós-guerra, de que o “socialismo em um só país” se mostrava correto, e que, por meio da coexistência pacífica entre capitalismo e comunismo, se fortaleceria a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, se tornaram insustentáveis. A hegemonia do imperialismo norte-americano e a reconstrução do imperialismo europeu e japonês minaram as conquistas revolucionárias do proletariado da Primeira Guerra e do pós-Segunda Guerra. Os avanços do proletariado e das massas oprimidas foram contidos mundialmente. O curso ascendente da restauração capitalista refletiu os enormes retrocessos provocados pelo fortalecimento da burocracia estalinista e da política de colaboração de classes. O proletariado mundial se tornou órfão, sem a III Internacional, e sem a possibilidade da IV Internacional substituí-la com a força organizativa que aquela teve.

Os desmoronamentos dos governos burocráticos, nos anos de 1980 e 1990, golpeados pelo esgotamento econômico e pelo descontentamento das massas, serviram aos objetivos do imperialismo. Sem os partidos revolucionários, para conduzir a classe operária à revolução política, o desmoronamento do velho aparato estalinista cedeu lugar à nova burocracia restauracionista. O retrocesso foi tão profundo, que países como a Polônia, Hungria e Ucrânia, deram lugar a governos ultradireitistas e fascistizantes. A Rússia cedeu lugar à forma de governo bonapartista de direita. Na China, o partido comunista se tornou um pilar do capitalismo de Estado, abrindo caminho à restauração pela via da penetração dos monopólios imperialistas. O período revolucionário de transição do capitalismo para o socialismo, iniciado com a Revolução Russa, foi interrompido. De maneira que a derrota das revoluções, e a recuperação do terreno perdido para a burguesia mundial, possibilitaram um longo período do pós-guerra, em que a burguesia manteve as rédeas da situação, e o proletariado permaneceu desorganizado e incapacitado de retomar os patamares anteriores da luta pelo socialismo. No entanto, em algumas décadas, se esgotou a reconstrução do capitalismo do pós-guerra, e cresceram, irresistivelmente, as pressões do imperialismo no sentido de impulsionar a restauração capitalista. O desmoronamento da velha burocracia e a restauração abriram válvulas de escapes ao capitalismo em decomposição. A reacomodação da Rússia e China na ordem mundial, ditada pelas potências, não foi suficiente para atender, integralmente, aos objetivos do imperialismo, uma vez que as conquistas revolucionárias do passado lhes possibilitaram manter certa independência do domínio norte-americano e administrar o processo de restauração.

Desde os anos de 1970, a crise mundial vem em uma escalada de agravamento. As forças produtivas mundiais foram repostas, e entraram em flagrante contradição com as relações de produção capitalistas na forma monopolista. Eis por que a crise aberta em 2008, nos Estados Unidos, se generalizou mundialmente, e alcançou os patamares da crise de 1929. A restauração em curso na China, sob a forma de capitalismo de Estado, a potenciou economicamente, em detrimento dos Estados Unidos e das demais potências, que enfrentam o declínio. O cálculo do imperialismo se baseava no objetivo de que o ingresso da China na ordem mundial, traçada pelos Estados Unidos e sustentada no pós-guerra, iria desintegrar a burocracia governante e o partido comunista, e levaria, assim, a uma relação de franca subserviência.  A potenciação econômica, baseada em uma poderosa força de trabalho, na estatização dos ramos fundamentais, no aproveitamento tecnológico das multinacionais, e na centralização ditatorial burocrática, abriu um novo período de choque com o imperialismo e, em particular, com os Estados Unidos. Não se trata mais de derrotar o comunismo, mas de impor, às últimas consequências, a restauração, que implica romper o capitalismo de Estado e submeter o país ao capital financeiro.  Isso se passa também, apesar das diferenças, com a Rússia. O declínio econômico dos Estados Unidos, no último período do pós-guerra, e emersão da China, deram lugar à retomada aberta da guerra comercial. A economia mundial não pode continuar dependendo do crescimento chinês.

As forças produtivas, de conjunto, não têm como se desenvolver, sob a estrutura monopolista ultraconcentrada, e sob o gigantesco capital financeiro ultraparasitário. É o que explica o fracasso das tentativas do imperialismo de superar a crise aberta em 2008. A eclosão da pandemia, que tomou conta do mundo, se tornou um fator de precipitação da recessão mundial, que já vinha dando sinais. Eis por que a tendência geral é a de acirrar o confronto dos Estados Unidos com a China e Rússia. É nesse marco que se coloca a urgência de a vanguarda construir os partidos revolucionários, e reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista.

A impossibilidade de impulsionar as forças produtivas mundiais resulta em sua desintegração. Formas parasitárias do capital se agigantam, enquanto que as formas produtivas perdem vigor. O crescente desemprego, subemprego e a precarização dos empregos são reflexos do bloqueio às forças produtivas.  O que, por sua vez, conduz à redução do valor da força de trabalho. Desde os anos de 1970, a burguesia passou a se utilizar da destruição de antigas conquistas trabalhistas e sindicais. As contrarreformas se tornaram a principal diretriz a ser seguida por qualquer que seja o governo. Os países semicoloniais foram sendo alinhados por detrás dessa orientação mundial. Conjugaram-se os ataques à força de trabalho com os voltados a aumentar o saque das nações oprimidas. A imigração tornou-se um problema explosivo para as potências. A pobreza, e mesmo a miséria, mostraram seu rosto nos países capitalistas mais civilizados do mundo. O que deixou de ser um monopólio dos países atrasados. As chagas sociais do capitalismo se manifestam por toda a parte, sem exceção. A classe média, que se expandiu enormemente no pós-guerra, agora, está em declínio, e pressionada pelo empobrecimento. Os assalariados em geral, principalmente, o proletariado, são empurrados para o precipício do desemprego. É sobre esse terreno que a burguesia retoma a militarização mundial, e potencia os focos de guerra. E tende a reviver as formas ditatoriais e fascistizantes de governabilidade. De nada adianta a gritaria dos reformistas de que é preciso impedir a total destruição do “Estado de bem-estar social”; de que a democracia é um bem civilizatório que precisa ser protegido. No fundo, cresce o temor do proletariado se erguer e potenciar sua vanguarda revolucionária. Observam-se, com preocupação, os levantes protagonizados por camadas empobrecidas da classe média urbana. É visível o acúmulo de crises, manifestações e enfrentamentos com o Estado burguês, que indicam as tendências gerais de agravamento da luta de classes. Situações pré-revolucionárias e revolucionárias vêm se gestando, em várias partes do mundo. São sinais inconfundíveis de que as massas estão obrigadas a se defender a qualquer custo. O que caracteriza a situação mundial é o aumento dos desequilíbrios e instabilidades políticas, que têm em sua base a decomposição das forças produtivas e a luta de classes.

O reformismo e a burocracia sindical são os principais muros de contenção da luta de classes e da organização independente do proletariado. A estatização dos sindicatos, que, no capitalismo, é a condição de sobrevivência da casta burocrática, se elevou ao extremo. Os partidos reformistas, socialdemocratas e nacionalistas têm sido fiéis serviçais da burguesia, em geral, e da fração considerada democratizante, em particular. Conservam a capacidade de canalizar a revolta das massas para as manobras parlamentares. É a burocracia sindical, no entanto, a principal barreira à organização independente diante do Estado burguês. Funciona como agente do reformismo, ou, inclusive, do liberalismo.  As divisões interburocráticas cessam, diante do objetivo de conter o descontentamento e a revolta das massas. De traição em traição, a burocracia sindical alimenta a desconfiança, a exasperação e o descrédito das massas na capacidade de luta de suas organizações. Ao submeter os sindicatos à política dos partidos burgueses, o aparato burocrático se contrapõe às necessidades e às reivindicações mais elementares das massas. Sabe que a mobilização da classe operária em defesa dos empregos, salários e direitos se choca com as tendências do capitalismo, de fechamento de postos de trabalho e redução do valor da força de trabalho. Até mesmo a bandeira do salário mínimo necessário à vida da família operária deixou de ser reconhecida, ainda que no palavreado. O programa de reivindicações vitais, se defendido com os métodos da ação direta e por meio da democracia operária, leva os explorados a combaterem a burguesia e seu governo. Na pandemia, a burocracia, nas suas variadas tendências, colaborou abertamente para se aplicarem as medidas de redução salarial e demissões. A luta implacável contra os bloqueios e os desvios da luta de classes é a condição para a vanguarda com consciência de classe organizar o partido marxista-leninista-trotskista no seio do proletariado. O que não significa se negar a aplicar a tática da frente única, sempre que as condições exigirem. É nas entranhas da luta que se criam as melhores condições para combater as direções conciliadoras e ajudar os explorados a concluírem suas experiências com as direções traidoras.

A crise de direção revolucionária é o grande problema da humanidade, que se manifesta, objetivamente, nas crises e luta de classes em cada país, e mundialmente. O profundo retrocesso, provocado pelo estalinismo, pela restauração capitalista e pela desintegração da União das República Socialistas Soviéticas, faz parte do processo histórico da transição do capitalismo para o socialismo, e deste para o comunismo. A interrupção da transição aberta pela Revolução Russa de outubro de 1917, e impulsionada pelas demais revoluções, principalmente na China, representa uma dura derrota do proletariado mundial.  Baseado em suas lições e nas novas condições de decomposição do capitalismo, é que se reerguerá e retomará o curso inevitável das revoluções socialistas. Cabe à vanguarda com consciência de classe encarnar essa tarefa, e trabalhar incessantemente, bravamente, pela reconstrução da IV Internacional, Partido Mundial da Revolução Socialista. Esse objetivo estratégico se resolve pondo em pé os partidos-programas, como seções do Comitê de Enlace.