• 10 nov 2020

    Manifesto POR – Caso Mariana Ferrer – 8 de novembro de 2020

Caso Mariana Ferrer

COMBATER A VIOLÊNCIA SOBRE AS MULHERES COM OS MÉTODOS DA LUTA DE CLASSES!

Nenhuma ilusão na Justiça burguesa! Nada de desviar  a indignação para a via eleitoral e pacífica!

Erguer um movimento nacional em defesa dos empregos, salários e direitos, que incorpore a luta pelas reivindicações das mulheres!

8 de novembro de 2020

Mariana Ferrer é uma promotora de eventos catarinense, que foi vítima de estupro, em dezembro de 2018. O criminoso é o empresário André Camargo Aranha. O caso voltou à tona recentemente, com grande destaque na mídia e redes sociais, após a divulgação, pelo site The Intercept Brasil, de aspectos do processo judicial, principalmente de um vídeo de uma das audiências, ocorrida em julho deste ano, em que o advogado de defesa Cláudio Gastão da Rosa Filho insulta a jovem, repetidas vezes. The Intercept também revelou detalhes do pedido de absolvição do réu pelo Ministério Público, em que consta o entendimento de que o empresário não teve dolo (intenção), fato que provocou uma enorme indignação, contra o que ficou conhecido como “estupro culposo”.

As evidências do crime são muito fortes. Contudo, o réu concluiu absolvido. Na sentença, o entendimento do juiz foi de que não havia provas suficientes para configurar estupro de vulnerável, pois, seria necessário comprovar que a vítima não teve condições de oferecer resistência, e que o autor do crime deveria ter ciência da vulnerabilidade dela. O juiz chegou a citar a frase, que também ganhou grande repercussão, de que achava “melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente”.

Enfim, não cabe descrever todos os detalhes do processo, dado que já foram amplamente divulgados. O que interessa realmente é desnudar as raízes do problema, e apontar a resposta política correspondente, desde um ponto de vista classista.

O caso de Mari Ferrer é um entre os inúmeros casos de estupro no Brasil, e a violência sexual é uma dentre as múltiplas formas de opressão sofridas pelas mulheres. Esta opressão, por sua vez, é uma dentre as várias manifestações específicas da opressão de classe, tal como o racismo, o ódio aos homossexuais, a xenofobia etc. Como se vê, o problema é bem mais profundo. Possui suas raízes na sociedade de classe, no capitalismo. Isso significa que as formas de opressão não pairam no ar, pelo contrário, se desenvolvem numa realidade material historicamente determinada.

É de suma importância tomar esses aspectos como pontos de partida, por três razões principais: primeiro, pela necessidade de evitar as abordagens subjetivas, centradas no sofrimento da vítima – o que não implica, de maneira alguma, ignorar essa dimensão; segundo, para não incorrer no erro cometido pela maioria dos movimentos de mulheres, quase todos de extração social pequeno-burguesa, que identifica a raiz do problema na chamada “cultura do estupro” e, terceiro, pela necessidade prática de organizar a luta pela destruição de todas as formas de opressão, atacando a verdadeira raiz do problema.

É particularmente importante a explicação sobre a questão da “cultura do estupro”. Não se trata de negar que existam padrões comportamentais considerados “normais”, de escancarado conteúdo discriminatório contra as mulheres, e que servem de amparo para todo tipo de violência sobre as mesmas. Os exemplos são tão abundantes, que não vale a pena perder tempo elencando-os. O problema é que, ao se postular que a raiz da violência se encontra na tal “cultura”, perde-se de vista justamente a sua origem. E não basta dizer genericamente que está no “patriarcado”, como muitos fazem. É preciso demonstrar como se deu o surgimento da opressão sobre a mulher, em tempos remotos, e como (e por que) a sociedade capitalista a preserva e reproduz.

Evidentemente, é preciso considerar a interrelação entre a cultura e as suas bases materiais. A tarefa, todavia, está em encontrar o termo fundamental dessa relação, que só pode ser a realidade material. E o caso Mari Ferrer demonstrou isso de maneira didática. André Aranha foi absolvido pela Justiça, a mesma Justiça que foi leniente com a atitude bizarra do advogado de defesa, que buscou imputar a responsabilidade do crime à própria vítima. E como se pode explicar a parcialidade do sistema judiciário, em favor de André? Ora, trata-se de um empresário, de uma família influente. Acaso o réu fosse pobre e negro, a conduta do juiz e o resultado do processo seriam os mesmos? Sabe-se que não, são inúmeros os exemplos que mostram que não.

Existem dois extremos que devem ser evitados na explicação: um deles é, ao situar a raiz do problema na realidade material, ou seja, na organização socioeconômica, o de acabar esvaziando o papel do indivíduo. O outro extremo é o de individualizar os casos, como fazem os liberais, como faz a mídia burguesa, etc. É a visão que busca qualificar o agressor como “monstro”, tentando extrair razões exclusivamente psicológicas para a ação criminosa. O objetivo desse tipo de pseudoexplicação é óbvio: evitar que a natureza mais abrangente do fenômeno seja percebida, o que levaria obrigatoriamente a encontrar as suas raízes sociais. O defeito prático dessa abordagem é o de levar, inevitavelmente, a “enxugar gelo”: na medida em que não se ataca a origem, o problema se manifesta de novo, e de novo e de novo.

Por essa razão, não têm o menor cabimento as soluções centradas no punitivismo (cárcere, pena de morte, etc.). É claro que ninguém deve questionar o direito da vítima de ver o seu agressor ser punido. O que não deve ser feito é a transformação do castigo em solução global. Essa é a saída considerada mais fácil de digerir e que, justamente por isso, é explorada por todo tipo de demagogo. Conclui sempre na defesa do reforço do aparato repressivo do Estado burguês, portanto, se voltando contra as massas. Além disso, é uma saída inócua, basta lembrar a experiência fracassada da Lei Maria da Penha: após aprovada, se verificou um breve período de diminuição dos casos de violência sobre a mulher, para, logo em seguida, aumentar vertiginosamente.

Algo semelhante se passa com a saída centrada na educação. Os que defendem que Mariana Ferrer foi mais uma vítima da “cultura do estupro” estão indicando, no fundo, a possibilidade e a necessidade de se construir outra cultura, em que as pessoas teriam de “desconstruir” o seu machismo, e colocar no lugar valores feministas. O erro dessa abordagem é supor que seja possível derrotar uma ideologia com outra, sem se referir às suas bases materiais. Não passa de puro idealismo. E serve igualmente aos demagogos, mais à direita ou mais à esquerda, visto que ampara propostas milagrosas de novas leis, visando a uma “nova” educação.

É bem oportuno falar sobre as saídas demagógicas, quando se vive um período de campanha eleitoral. O que não faltam por aí são os candidatos “comprometidos” com a causa das mulheres, com mil propostas para “combater o machismo”. Estão todos alimentando a ilusão de que é possível resolver essa chaga, através da via institucional burguesa. Certamente, não perderão a oportunidade de usar o caso trágico da Mariana Ferrer para pedir voto.

O Partido Operário Revolucionário rechaça esse caminho. Defende que não é possível alcançar a real libertação da mulher sob o capitalismo. A opressão sobre as massas femininas é uma brutal manifestação da opressão de classe e, como tal, só pode ser combatida através dos métodos próprios da luta de classes. É necessário erguer um amplo movimento, que una homens e mulheres em luta por suas reivindicações mais sentidas, construindo um sistema de reivindicações que integre as bandeiras de resposta aos problemas das mulheres. Essa luta deve se ligar à perspectiva mais geral de combate anticapitalista, empregando o método da ação direta e no campo da independência de classe.