• 26 nov 2020

    Nota POR – Por que as esquerdas se embaraçam no 2º turno

Nota do Partido Operário Revolucionário

Por que as esquerdas se embaraçam no 2º turno

26 de novembro de 2020

O fato dos partidos de esquerda, que se reivindicam mais ou menos do socialismo, e às vezes da revolução, lançarem candidaturas próprias no 1º turno exige uma explicação inicial. Não chegaram a um acordo em torno à constituição de uma “frente de esquerda”. Houve quem desejasse uma unidade eleitoral entre correntes, não só opositoras aos partidos orgânicos da burguesia, como também ao PT. O jornal “Esquerda Diário” (MRT) aspirou reproduzir a experiência argentina da Frente de Esquerda dos Trabalhadores (FET). Os representantes brasileiros do PTS da Argentina se “esqueceram” de que houve a tentativa de uma versão abrasileirada nas eleições presidenciais de 2006. A frente constituída pelo PSOL, PSTU e PCB, tendo como candidata Heloisa Helena, acabou destroçada após o pleito, embora tivesse sido bem votada, e obtido a terceira colocação. É bom ainda considerar que a FET se constituiu, na Argentina, diante da lei eleitoral discricionária. A experiência, por outro lado, expressa a decadência da FET, dada a sua incapacidade de cumprir o papel de uma frente única de ação, e por ter se adaptado ao parlamento. Está clara a inviabilidade de se transportar mecanicamente o que se passa na Argentina para o Brasil. O PCB também almejou a constituição de uma frente de esquerda. Não podendo realizar o desejo, enfiou-se na frente comandada pelo PSOL, onde não havia como ter candidaturas próprias.

O essencial, no entanto, é entender por que, depois da malfadada a frente de esquerda de 2006, se tornou mais difícil a unidade eleitoral das esquerdas. Um dos principais motivos foi a avaliação de que apenas o PSOL se fortaleceu. Para o PCB, não foi um problema, mas sim para o PSTU. Não é preciso entrar em detalhes sobre a posição reacionária da candidata Heloisa Helena, que acabou rompendo com o próprio PSOL, e ingressando na Rede. O PCB permaneceu fiel ao PSOL, de maneira que participou nas eleições municipais de São Paulo, subordinado à candidatura de Boulos. O PSTU lançou a candidata Vera Lúcia. Os partidários do jornal “Esquerda Diário” se valeram, parasitariamente, do PSOL, para ter suas candidaturas agregadas. Caso seu desejo de uma frente de esquerda se concretizasse, estaria mais bem acomodado. O PCO nunca compôs a frente de esquerda. Isso por que sua política se mantém sob a sombra do PT. A frente de esquerda de 2006 era de oposição ao governo Lula. Um novo partido que se reivindica de esquerda, a Unidade Popular (UP), PCR, de origem estalinista, seguiu os passos do PCB, e se juntou ao PSOL, em São Paulo. Como se vê, a candidatura de Boulos foi amparada em uma frente. O PSTU se mostra mais propenso ao PSOL, e o PCO é descaradamente lulista. O número de votos obtidos por esses dois partidos foi ínfimo, confirmando sua pequenez eleitoral.

Agora, no 2º turno, essas correntes estão obrigadas a se posicionar pelo apoio, aberto ou camuflado, ou voto nulo.  Nessa situação, emerge com maior clareza o oportunismo eleitoral das esquerdas de conjunto, apesar de suas particularidades. O PSTU declarou “voto crítico” em Boulos.  Ao contrário, PCO publicou em letras maiúsculas o voto nulo. O jornal “Esquerda Diário”, por sua vez, embromou com as críticas à aliança de Boulos com partidos burgueses (PDT, PSB). Com a técnica da embromação, se negou, pelo menos até agora, a se colocar pelo voto em Boulos ou voto nulo.

O centro da discussão sobre o 2º turno acabou sendo São Paulo, devido aos êxitos eleitorais do candidato do PSOL. No entanto, a questão não se atém a esse município. Em outras capitais, como Recife, Porto Alegre, Belém e Vitória, o PT, PCdoB e PSOL concorrem no 2º turno.

O PSTU declarou voto nulo no caso de Recife e Vitória, mas voto crítico em Porto Alegre e Belém. O seu critério de voto nulo se aplica apenas ao PT, como se o PCdoB não fosse um partido tão ou mais degenerado na política burguesa que o PT. É como se as mesmas críticas que o PSTU faz ao PT e PCdoB, que estão em lados opostos no Recife, não valessem para o PCdoB em Porto Alegre.

O PCO precisou fazer uma Conferência Nacional, para decidir sobre o segundo turno. Certamente, estiveram presentes no interior do partido forças centrífugas. Uma notícia, veiculada pelo PT, foi a de que PCO havia composto uma frente com o PSOL, PDT, PSB, PCdoB e PCB, em Pelotas, Rio Grande do Sul, para apoiar Ivan Duarte, PT. Disse o candidato do PCO: “Se abrirmos apoio, será para o Ivan”. De fato, a frase está no condicional. O que resulta em uma possibilidade positiva. Ao refletir uma vacilação, indica a tendência de apoiar Ivan. PCO foi obrigado a dizer que não seria possível tal decisão, porque dependia de sua Conferência Nacional, que se realizaria logo mais. Está bem clara a embrulhada. O PCO realizou a Conferência, e não publicou imediatamente a decisão de voto nulo em Pelotas. Com o título geral “PCO decide pelo voto nulo no 2º turno em todas as cidades”, deu conhecimento do resultado da Conferência. Está claro que se posicionou pelo voto nulo, sem exceção. O que chama a atenção é o fato de seu comunicado acentuar que fará uma campanha de voto nulo em São Paulo, rechaçando a candidatura de Boulos, que “tem como intuito viabilizar uma candidatura da burguesia, pela ´esquerda´, para isolar o PT em 2022”. Está aí nítido o conteúdo da decisão quanto à disputa em São Paulo. A nota ainda se refere a Recife, batendo forte no PCdoB, por apoiar o candidato do PSB, mas poupa a candidata do PT de qualquer crítica. O motivo está em que a vitória da candidata do PT favorecerá a esperança do PCO de poder apoiar uma eventual candidatura de Lula em 2022. A nota do PCO, assim, esconde o voto nulo, enquanto, em São Paulo, o eleva às alturas. É visível que não farão uma campanha consequente pelo voto nulo.

No Rio de Janeiro, cujas candidaturas em disputa são da direita e da ultradireita, a embrulhada coube ao PSOL. O deputado federal, Marcelo Freixo, se pronunciou pelo apoio a Eduardo Paes, DEM, com o argumento de que era preciso derrotar o bolsonarista Marcelo Crivella, do Republicanos. Criou-se um alvoroço nas hostes do PSOL. Em reunião da cúpula partidária do Rio, tomou-se uma decisão de, nem apoio crítico, nem voto nulo. Mas para não parecer que lavou as mãos, aprovou-se a bandeira de “Nenhum voto em Crivella”. Assim, Freixo obteve uma meia vitória, e seus opositores arcaram com uma meia derrota. Caso o PSOL coloque em prática a bandeira aprovada, estará, envergonhadamente, chamando o voto em Paes. A corrente psolista Resistência, ex-PSTU, cisão dirigida por Valério Arcary, se alinhou a Freixo. Em seu comunicado “2º turno no Rio: derrotar Crivella e Bolsonaro, organizar a oposição de esquerda a Paes”, se posiciona pelo voto no candidato da direita, para mais tarde aparecer como oposição aos seus desmandos e ataques às massas. Esse raciocínio reacionário resulta na ideia de que é melhor apoiar a direita contra a ultradireita, porque assim se terá maior possibilidade de se fortalecer politicamente. É nisso que dá mergulhar em um partido pequeno-burguês eleitoralista, que em pouco tempo de existência se degenerou.

A política eleitoral do PCB é clássica do estalinismo, que no fundo é a mesma da do reformismo. Onde há uma disputa entre um partido burguês, classificado de esquerda e de progressista, e um de direita, deve-se votar no ‘progressista´. É o caso, por exemplo, do apoio ao candidato do PDT, José Sarto, que disputa com o direitista, Capitão Wagner, em Fortaleza. Em Recife, decidiu pelo voto na candidata do PT, Marília Arraes, ainda que a diferença política entre o PSB e PT é de grau.

Em particular, nessas eleições, a tese dos estalinistas, dos reformistas e de parte dos centristas é de que se tratava de derrotar os bolsonaristas, a qualquer custo. Esse critério de decisão eleitoral desconhece, desconsidera e oculta o caráter de classe dos partidos burgueses. É assim que historicamente o estalinismo se submeteu ao nacionalismo burguês. As disputas eleitorais sempre expressarão as frações capitalistas e as divergências interburguesas. O problema fundamental está em determinar a tática que desenvolve a consciência de classe dos explorados e sua independência organizativa e política. O estalinismo e o reformismo estão na contramão da tarefa de lutar contra toda a política que arrasta o proletariado e demais explorados a se submeterem ao Estado e à democracia burgueses.

Nota-se que esse quadro, que se convencionou genericamente de esquerda, direita e ultradireita, perde um mínimo de sentido, se não se revelar o conteúdo de classe dos partidos. No capitalismo, as duas classes fundamentais correspondem à burguesia e ao proletariado. Entre elas, está a heterogênea pequena-burguesia (classe média). Embora a pequena-burguesia seja oprimida, somente o proletariado é a classe revolucionária. A pequena-burguesia, via de regra, serve aos interesses da burguesia contra a luta de classes do proletariado.

As eleições são um instrumento por meio do qual os explorados são convocados, de tempo em tempo, a eleger o presidente, governadores, prefeitos e representantes para o parlamento. O resultado, por mais disputadas e polarizadas as eleições, por mais que estejam em choque a direita e ultradireita com a esquerda, não tem como romper a dominação da burguesia sobre a maioria oprimida. O fundamento dessa premissa se encontra na ditadura de classe dos capitalistas sobre o proletariado e demais explorados. Por mais democráticas que sejam as eleições, estão determinadas pelo poder econômico. Estão obrigadas a refletir as relações de produção e exploração da força de trabalho.

A enorme confusão das esquerdas, e as disparatadas posições eleitorais, resultam do desconhecimento ou do conhecimento apenas verbal das condições materiais em que se realizam as eleições. O denominador comum desse desconhecimento pelas esquerdas, que se reivindicam do socialismo, se acha na sua base social, que é a pequena-burguesia. A esquerda capaz de chegar ao poder do Estado, utilizando-se de eleições, e dirigi-lo, obrigatoriamente, tem de pertencer ou se sujeitar a uma das frações burguesas. A esquerda pequeno-burguesa não tem como chegar ao poder do Estado, se não se submeter a essa determinação de classe. Eis por que a esquerda pequeno-burguesa revolucionária se mostra impotente, e acaba seguindo este ou aquele partido que esteja no espectro mais à esquerda nas eleições.

Essa dinâmica de classe explica o tamanho disparate em correntes como PSOL, PSTU, PCB, PCO, etc. O esquerdismo eleitoral de uns e de outros não tem como ocultar as raízes pequeno-burguesas de suas políticas. Os condicionamentos políticos e ideológicos dessa classe social, que, como sabemos, reflete a dominação burguesa, explicam o motivo pelo qual, em última instância, se negam a constituir o programa da revolução e ditadura proletárias, e, consequentemente, deformam a tática marxista de intervenção nas eleições.

Estas eleições municipais têm uma particularidade conjuntural e uma determinação de classe geral. A particularidade está em que ocorrem em meio à pandemia. A determinação geral diz respeito ao poder das oligarquias regionais e locais. A pandemia, que já durava oito meses, se tornou um fator fundamental, ainda que circunstancial, da crise econômica e política. Inevitavelmente, se refletiria na disputa eleitoral. A divisão interburguesa entre bolsonaristas e antibolsonaristas esteve amplamente presente. No campo dos antibolsonaristas, compareceram tanto partidos orgânicos da burguesia quanto partidos de esquerda. Chegou-se a aventar a tese de que se tratava, estrategicamente, de derrotar Bolsonaro, de forma a inviabilizar sua reeleição em 2022. Esse campo esteve integralmente ditado pela divisão interburguesa, à qual as esquerdas se adaptaram. O que parecia ser um grande cavalo de batalha não foi além de um moinho de vento. O bolsonarismo se mostrou incapaz de dirigir o processo eleitoral. Suas raízes, fincadas em uma camada da pequena-burguesia, não chegaram a se estender a uma parcela importante dos poderes oligárquicos locais. Os partidos e setores liberais da burguesia respiraram aliviados.

As esquerdas, que foram arrastadas por essa disputa interburguesa, se perderam em um emaranhado de confusão, que se manifesta mais nitidamente no 2º turno das eleições. Não se deram conta – na verdade, fecharam os olhos – da influência da política de conciliação de classe sobre as massas, que pagaram caro pela política burguesa de isolamento social. O palavreado eleitoral sobre emprego, salário, direito, moradia, saúde e educação se desmanchou diante da realidade, em que imperaram as demissões em massa, a redução dos salários, o crescimento da informalidade e o avanço da miséria. O que fizeram os partidos e candidatos de esquerda no momento em que a classe operária mais precisava de sua ação, para reagir aos ataques de Bolsonaro, do Congresso Nacional e da burguesia? Estiveram submetidas à política burguesa do isolamento social, e à divisão interburguesa daí decorrente. Fecharam os olhos ou colaboraram com a aplicação da MP 936. Deixaram os explorados à mercê das demissões, agarrando-se na bandeira burguesa de defesa da vida.

O fundamental, para a classe operária e demais explorados, é que não contaram com um partido revolucionário. Que, por sua força de massa, fosse capaz de revelar a fraude burguesa da disputa entre bolsonaristas e antibolsonaristas. Traduzir as necessidades dos explorados por meio de um programa de reivindicações. Desmascarar o conteúdo de classe das eleições. Desenvolver os métodos próprios de luta do proletariado. E calar fundo na maioria oprimida a estratégia da revolução proletária, do governo operário e camponês.

O POR, por sua condição embrionária, não teve como servir de instrumento para opor uma camada dos explorados à arregimentação eleitoral levada a cabo pelos partidos da burguesia. O voto nulo foi a única opção para defender o programa revolucionário e a independência política dos trabalhadores. A experiência indica que o voto nulo somente encontra expressão nas condições em que as massas em luta se chocam com a arregimentação eleitoral. Observamos, no entanto, que houve uma grande abstenção, que, somada aos votos nulos e brancos, abarcou um significativo contingente da população. A pandemia influenciou, sem dúvida, mas não lhe tirou o significado político. O voto nulo no 2º turno permanece sob a mesma linha de defesa dos empregos, salários, direitos e saúde pública, por meio da ação direta e da organização independente dos trabalhadores.

A experiência com a pandemia e com as eleições municipais, determinadas por ela, deixa uma marca profunda nas correntes de esquerda oportunistas. Põe à luz do dia a negação histórica de construírem o partido marxista-leninista-trotskista sobre a base do programa da revolução e ditadura proletárias. Vários aspectos de suas políticas eleitorais guardam diferenças – não se pode colocar na mesma vala comum PT, PCdoB, PCB, PSOL, PSTU e PCO–, no entanto, têm em comum condicionamentos da política burguesa e da pequeno-burguesa. Eis por que o POR mantém sua posição de voto nulo, tendo a certeza de que expressa a independência de classe do proletariado.