• 15 jan 2021

    Declaração do Partido Operário Revolucionário – FORD

Declaração do Partido Operário Revolucionário

O fechamento de fábricas deve ser respondido com  o programa, os métodos de luta e a organização independente da classe operária

15 de janeiro de 2021

A destruição de postos de trabalho afeta negativamente as forças produtivas do país, e agrava a situação da classe operária e demais trabalhadores, que já não suportam o desemprego e o subemprego. É próprio do capitalismo, a liberdade do patronato de proteger seus interesses, diminuindo o número de trabalhadores, ou até mesmo fechando fábricas.

As mudanças tecnológicas reduzem a quantidade de força de trabalho contratada. É o que se passa mundialmente. O aumento do desemprego, causado pelo aperfeiçoamento tecnológico, sofre um maior impulso nas condições de crise de superprodução, que também é mundial. A anarquia da produção social capitalista se converte em maior penúria e miséria das massas. Os monopólios e o capital financeiro já não podem manter o desenvolvimento das forças produtivas e, assim, acabam por percorrer o caminho inverso, destruindo maciçamente parte delas. Nesse percurso, a força de trabalho é, mais e mais, mutilada.

As altas taxas de desemprego e o aumento do exército crônico de desempregados marcam a situação mundial, ainda que em graus diferenciados de país a país. O baixo crescimento, o estancamento e a recessão passaram a predominar, desde os anos de 1970, marco em que mais nitidamente se identifica a retomada do processo de destruição de forças produtivas no pós-Segunda Guerra. Os momentos de volta do crescimento mundial são logo seguidos de profundas quedas. Com a eclosão da crise nos Estados Unidos, em 2008, e sua disseminação em toda a parte, transformando-se em recessão mundial no ano seguinte, abriu-se um período, em que se alonga o processo de destruição de forças produtivas e mutilação da força de trabalho.

Os países de economia atrasada e semicoloniais seguem subordinados às condições ditadas pelas potências. Sobre eles, é descarregado o maior peso da decomposição mundial. As burguesias nacionais e os seus governos não são capazes de dar respostas próprias em defesa da economia nacional e da população trabalhadora. De uma maneira ou de outra, acabam aplicando medidas antinacionais e antipopulares, que reforçam ainda mais os fatores da crise estrutural do capitalismo. Impotentes, se sujeitam aos monopólios e ao capital financeiro.

O controle ostensivo dos ramos fundamentais da economia pelo capital imperialista favorece as tendências destrutivas da crise, gestadas nas entranhas da contradição entre as forças produtivas altamente desenvolvidas, e as relações de produção capitalistas arcaicas. A gigantesca capacidade de produção se tornou incompatível com o sistema de propriedade privada dos meios de produção capitalista. Os enormes excedentes de força de trabalho e de capacidade de produção resultam em maior atraso das economias semicoloniais, em relação às potências imperialistas, e aumento da pobreza e miséria mundiais.

A pandemia, que perdura um ano, vem causando um grande estrago na economia mundial. As potências reagem, emitindo gigantescas somas de dólares e euros. Mesmo assim, não têm conseguido evitar as demissões em massa, o aumento do desemprego e o crescimento da pobreza. Os países semicoloniais são os mais duramente afetados, aumentando seu endividamento público e limitando ainda mais a capacidade de recuperar parte do terreno perdido neste período. A pobreza, miséria e fome estruturais se potenciaram.

O Brasil se destaca como um dos países mais afetados pela pandemia e suas consequências econômicas e sociais. É preciso, no entanto, assinalar que não foi a pandemia que provocou a crise econômica, que já vinha mundialmente se prolongando, desde 2008-2009. O País não havia conseguido se recuperar da recessão de 2015-2016, quando a pandemia se manifestou no início de março de 2020. Os longos períodos de baixo crescimento e estagnação, desde meados dos anos de 1970, expressaram as tendências de quebra e retrocesso das forças produtivas nacionais, como parte das contradições mundiais.

É nessa situação que se identificou a denominada “desindustrialização”. Os sintomas foram a diminuição de sua participação no Produto Interno Bruto (PIB), pouca inversão na abertura de novos parques industriais, crescente monopolização dos ramos chaves, lentidão nas inovações tecnológicas, atraso na produtividade, e limitada capacidade de exportação. Em contrapartida, se agigantaram os setores de serviços, e se alavancou a agroindústria exportadora. Está em curso um processo de reversão da edificação industrial do País, que tomou forma a partir de 1930, ainda que concentrada na região Sudeste. O fato da industrialização no país semicolonial se constituir, em grande medida, na dependência dos monopólios e do capital financeiro internacional, acaba sendo limitada como carro-chefe do desenvolvimento geral das forças produtivas nacionais. A alta concentração no Sudeste, em particular no estado de São Paulo, é um dos sintomas estruturais da industrialização baseada na penetração dos monopólios.

O fechamento de todas as fábricas da Ford no Brasil colocou à tona as tendências desintegradoras da industrialização. A multinacional norte-americana esteve no assentamento dos primeiros impulsos industrializantes. Despertou nos comentaristas a lamentação de que se trata de uma empresa centenária no País. De fato, a Ford se ergueu como um pilar da implantação do sistema industrial automobilístico, seguindo os ditames dos interesses do capital norte-americano. Esse sistema, ao estabelecer uma grande influência no quadro da industrialização, condicionou sensivelmente os parâmetros do desenvolvimento das forças produtivas internas. Impossibilitou a indústria ferroviária, impondo a supremacia da rodoviária. As consequências para o desenvolvimento integrado do País foram adversas, no sentido de concentrar a industrialização em um polo do imenso país.

O crescimento do mercado interno e a expansão da classe média possibilitaram a instalação de 26 montadoras e 65 fábricas. A capacidade de produção estimada é de 5 milhões de unidades anuais. As vendas foram sendo reduzidas, desde o agravamento da crise econômica em 2014. A Ford decidiu abandonar o Brasil no momento em que se verificam 50% de ociosidade da capacidade instalada. Em 2008, as 14 montadoras, até então existentes, produziram 3.004.535 unidades. Em 2020, 26 montadoras atingiram 2 milhões de unidades. A Ford perdeu terreno, vendendo apenas 119,4 mil unidades. Em 2015, 236,7 mil. Do quarto lugar em vendas, passou para o sexto. A derrocada da outrora mais poderosa montadora indica que o enorme número de montadoras, o crescimento excessivo da capacidade de produção, e a agressiva concorrência, levarão a fechamentos de mais fábricas. À progressiva diminuição de postos de trabalho, observada nas últimas décadas, devido à automação, se acrescentam as demissões causadas pela eliminação de plantas. O fechamento da Ford em São Bernardo do Campo, em fevereiro de 2019, foi um claro sinal de que a multinacional avaliava como insustentável sua posição no Brasil. O fechamento da fábrica da Mercedes, em Iracemápolis (SP), dezembro de 2020, confirmou a presença de uma tendência geral, caso persista o excesso de capacidade de produção e estreitamento do mercado interno e externo. A classe operária e demais explorados são os que pagam pela impossibilidade de o capitalismo desenvolver mundialmente as forças produtivas.

As consequências para a economia são consideráveis, levando em conta que o sistema automotivo engloba uma ampla cadeia de produção e distribuição, que se estende à indústria de máquinas agrícolas e de construção civil. Estima-se que correspondia a 23,3% do PIB industrial, e 5,5% do PIB nacional, em 2008. Em 2020, aproximadamente 22% do PIB industrial.

O impulso à industrialização brasileira, nas condições da Segunda Guerra Mundial, se deu em torno à penetração da indústria automotiva norte-americana e alemã. O governo nacionalista de Getúlio Vargas direcionou esforços para estabelecer as bases dessa penetração, criando a Companhia Siderúrgica Nacional, de Volta Redonda, e a Fábrica Nacional de Motores, nos anos de 1940. Retornando à presidência da República, em 1950, restabeleceu sua política nacionalista, chegando a proibir importação de veículos montados fora do Brasil.

O interesse da Mercedes em expandir seus negócios coincidiu com as necessidades do Brasil em produzir caminhões. Estava estabelecido o meio rodoviário para ligar as regiões do País, e impulsionar a economia a partir do Sudeste.  O governo de Juscelino Kubitschek, caracterizado pelo desenvolvimentismo, sistematizou a implantação da indústria automotiva, constituindo o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA). Assim, o Estado passou a subsidiar o capital multinacional, por meio de incentivos fiscais. A intenção getulista de criar uma indústria nacional automotiva se mostrou, porém, inviável.

Na primeira metade dos anos de 1960, se definia por completo o império das multinacionais. Na década de 1970, se instalaram novas montadoras, como a Fiat e Volvo. A crise econômica dos anos de 1980 interrompeu a ascensão da produção automotiva, que retomou sua capacidade na década de 1990. Pouco antes do final do primeiro mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso, a produção atingia a marca de 2 milhões de veículos. Um mercado tão promissor atrairia novas montadoras, na década de 2000.

As mudanças tecnológicas levariam à diminuição da utilização da força de trabalho. Em 2009, se produzia três vezes mais que no início de 1990, enquanto que a indústria automobilística diminuía milhares de postos de trabalho. Daí em diante, a meta das montadoras foi a de reduzir a contratação, e rebaixar o preço da força de trabalho. Ao mesmo tempo, os governos concederam fartos subsídios. Estima-se que a União favoreceu a indústria automotiva na ordem de R$ 69,1 bilhões, entre 2000 e 2020. Eis por que o governo Bolsonaro acusou a Ford de pretender maiores subsídios. Evidentemente, a causa principal de fechar suas fábricas no Brasil não é a falta de subsídios, mas sim a crise de superprodução, e a perda de capacidade mundial da Ford em concorrer com as demais montadoras. O importante da denúncia foi que expôs a sangria dos cofres públicos, quando este já está esgotado, devido à gigantesca dívida pública, que não é mencionada nas explicações das autoridades e imprensa.

Porta-vozes das multinacionais responsabilizam o denominado “custo-Brasil”. Dizem que é preciso acabar com o emaranhado dos impostos e da burocracia. O presidente da General Motors América do Sul, Carlos Zarlenga, acusa os “45% a 50% de impostos sobre o preço dos carros”, comparando com os Estados Unidos, que seriam de 12%. E reclama do imposto sobre as exportações de carro, entre 15% a 18%. De fato, tamanha carga tributária reduz a capacidade no concorrido mercado mundial. Mas, todos ocultam que o capital financeiro, do qual fazem parte os monopólios industriais, suga os recursos do País, por meio da brutal carga de juros, proveniente da dívida pública. Ocultam, também, as altas remessas de lucros às suas matrizes. Não é do interesse, nem da burguesia, nem de seus governos, apresentarem a contabilidade completa. Mas, é evidente que o capital imperialista sangra os recursos das nações semicoloniais. O fechamento da Ford é um reflexo da lei econômica de funcionamento do capitalismo, e de sua estrutura mundial, sustentada na divisão entre nações opressoras (imperialistas) e nações oprimidas (semicoloniais).

O que está posto à luz do dia não é apenas a destruição de postos de trabalho, mas também, e principalmente, o controle que os monopólios imperialistas exercem sobre a estrutura semicolonial do Brasil e as forças produtivas nacionais. A Ford explorou, por um século, as potencialidades brasileiras, o que a ajudou a se projetar, mundialmente, como a mais poderosa indústria automobilista e de ramos conexos. Entrou em declínio, ao ponto de o Estado ter de salvá-la da derrocada, na crise de 2008-2009, com bilhões de dólares. A classe operária norte-americana também pagou, e vem pagando caro, pelos retrocessos industriais da maior potência. A Ford perdeu capacidade, mas a General Motors continua sendo a primeira no Brasil, graças ao enorme apoio recebido pelo Estado imperialista. De uma maneira ou de outra, todos os monopólios se escoram na política internacional de seus países, o que inclui a obtenção de subsídios nos países que os sediam, para dominar e saquear as semicolônias.

Essa exposição somente não é aproveitada pela classe operária, porque seus sindicatos e centrais se acham controlados por uma burocracia serviçal das multinacionais. Há muito, os burocratas reformistas deixaram para trás as greves e as gigantescas mobilizações do ABC, do final dos anos de 1970 e início dos de 1980. A CUT, em particular, participou e sustentou a política dos governos Lula e Dilma, especialmente quanto ao Inovar-Auto, responsável por enormes subsídios fiscais. O governo Temer deu continuidade com o “Rota-2030”. Ao submeter os sindicatos a tais programas, seus dirigentes passaram a colaborar com as medidas de ajuste das montadoras, que criaram os planos de PDV, banco de horas, lay-off. Com a terceirização, se avançou na meta de reduzir salários e direitos. A reforma trabalhista, finalmente, conferiu ao grande capital a “segurança jurídica”. A história do sindicalismo brasileiro não conhece um período em que tanto avançou a política de colaboração de classes e a estatização das organizações operárias. Em grande medida, é que o explica a ausência de uma resposta política e organizativa da classe operária e demais explorados ao fechamento da Ford e de uma unidade da Mercedes, em um quadro de escalada do desemprego e subemprego.

O fechamento de fábricas constituiu uma ação extrema dos capitalistas, que exige uma ação extrema do proletariado. O encerramento das atividades da Ford pôs na ordem do dia a ocupação das fábricas, o controle operário da produção e a bandeira de estatização, sem indenização da empresa. Para isso, é necessário que se conte com uma direção proletária, classista e revolucionária. Essa resposta põe em questão a propriedade privada dos meios de produção, a liberdade dos monopólios fecharem fábricas, demitirem e retirarem do País os seus capitais. Somente uma direção política à altura das condições objetivas de desintegração do capitalismo encarna o programa de expropriação da burguesia, e constituição de um governo operário e camponês. A luta contra o fechamento da Ford se dá no terreno da defesa da economia nacional e das condições de existência dos explorados. Eis por que o POR lançou, imediatamente, a campanha contra o fechamento das fábricas da Ford, e em defesa da unidade com os operários da Mercedes, com as bandeiras de convocação das assembleias de luta, ocupação das fábricas, controle operário da produção, estatização sem indenização e organização do movimento nacional pelas centrais sindicais, em defesa dos empregos e salários.

Essas ações estão de acordo com as necessidades objetivas de resposta à crise econômica, às medidas capitalistas de flexibilização do trabalho, e ao fechamento de fábricas. Estão também de acordo com a necessidade de derrubar a reforma trabalhista, a lei da terceirização, a reforma previdenciária, bem como impedir a aprovação da reforma administrativa. É obrigatório tratar de conjunto essas questões, uma vez que estão interligadas, expressam um programa da burguesia e representam um ataque sistemático às relações de trabalho e impulso à pobreza e à miséria das massas.

As centrais sindicais, coordenadas pela CUT, CTB e Força Sindical, diretamente envolvidas com o fechamento das três fábricas da Ford, repetem a velha resposta de procurar os governos, parlamentares e autoridades judiciais, para ajudá-las a encontrar uma solução. Evidenciam a dependência política em relação ao Estado burguês, cujos governantes são serviçais do grande capital e do imperialismo. A aparente resistência ao fechamento da Ford não passa de uma máscara à aceitação do fato consumado. Está claro que os burocratas se negam a organizar a luta nacional, sob a bandeira de “Não fechamento da Ford”. O que implicaria responder com medidas à altura dos acontecimentos. O máximo que fizeram foi convocar assembleias passivas, aprovar vigília na porta das fábricas, e convencer os operários a colocar o destino de seus empregos nas mãos de representantes da burguesia. Essa atitude dá continuidade ao amordaçamento dos sindicatos durante a pandemia, às demissões em massa e aos acordos de redução salarial. As traições que vêm sendo realizadas no último período, convergem para a capitulação descarada, diante do fechamento das fábricas da Ford e da unidade da Mercedes, em Iracemápolis.

Está aí por que as assembleias se realizam em um clima de enterro e desesperança. O instinto de revolta da classe operária vem sendo esmagado anos a fio pela política de conciliação de classes. Os operários ouvem os burocratas e consentem, sem ter a consciência de que estão sendo conduzidos para as negociatas em torno de indenizações e, portanto, para a derrota. Assim se passou com o fechamento da Ford de São Bernardo, e assim se passará com o fechamento das unidades de Taubaté, Camaçari e Horizonte, caso não haja uma revolta dos operários contra a própria burocracia entreguista e vendida.

É importante que a vanguarda com consciência de classe lute no interior do movimento, levantando as bandeiras de assembleias de luta, ocupação de fábricas, controle operário, constituição dos comitês de base, estatização sem indenização, organização do movimento local, regional e nacional, em defesa dos empregos. Esse é o ponto de partida para a real defesa da economia nacional e das condições de existência da maioria oprimida.