• 29 jul 2021

    Nota POR – Sobre o acordo de partidos e direções sindicais/estudantis com a PM de São Paulo

Nota do Partido Operário Revolucionário sobre o acordo de partidos e direções sindicais/estudantis com a Polícia Militar do estado de São Paulo

28 de julho de 2021 

Na Décima Segunda Carta do POR aos trabalhadores e à juventude oprimida, apresentamos nosso balanço das manifestações de 24 de julho, e indicamos que publicaríamos uma nota específica sobre a reunião realizada pela Polícia Militar, Defensoria Pública, etc. com partidos, direções sindicais e estudantis. A publicação da Ata pelo 11º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano revelou a existência de um acordo, de um termo de conduta. Estiveram presentes na reunião de 21 de julho, na sede do CPA/M-1, as seguintes organizações, que participariam da manifestação de 24 de julho, na Av. Paulista: UNE, PCB, PSDB, UMES, CSP-Conlutas, Bengalas Voadoras e PCO. Ao lado da polícia, destacaram-se organizações como Defensoria Pública e OAB, certamente na condição de mediadoras e testemunhas dos termos do acordo.

A Ata foi publicada com as assinaturas dos participantes. Segundo o documento, no ponto 2, a convocação de “lideranças dos movimentos sociais” foi mais ampla do que as sete organizações que compareceram. Não sabemos se o PT, PSOL, MTST etc. deixaram de comparecer, ou realizaram à parte uma reunião com a polícia. No ponto 3, se diz que “foram lidos os termos da legislação, jurisprudência e doutrina que regulamentam as manifestações públicas”. Portanto, o pressuposto foi o de que a reunião estava resguardada pela legislação e convenções burguesas. Os presentes estavam conscientes da natureza geral da reunião. Para se ter uma ideia do que foi lido para as organizações que atenderam ao chamado da PM, o Decreto Estadual nº 64.074, de 2019, diz que é obrigatório comunicar previamente “sempre que a reunião objetivar a participação de mais de 300 pessoas (…) com no mínimo, 5 (cinco) dias de antecedência”. Nessa linha, o Decreto impõe uma série de restrições, em nome da “liberdade de manifestação”. Lidos os termos gerais da Declaração e Convenção dos Direitos Humanos, seguidos de uma série de decretos, como o que acabamos de sintetizar, passou-se ao conteúdo e objetivo da reunião.

A polícia quis saber se o movimento era de “situação”, “oposição” ou “neutro”. Evidentemente, todos estavam pelo “Fora Bolsonaro”, logo era de oposição. A pergunta formal e capciosa teve o seu motivo, que veremos logo mais. No ponto 5 da Ata, a polícia quis saber sobre atos à parte, que estavam sem notificação. Entre eles, referiu-se a “um terceiro na Praça do Ciclista”. A Ata não expõe o conteúdo das respostas, mas ficou evidente que as organizações presentes não reconheceram o “bloco” da Frente Classista e Combativa, que se reúne pouco antes do início da manifestação, na Praça do Ciclista, para expressar uma posição própria e distinta da estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro e Impeachment”, defendendo o programa próprio de reivindicações dos explorados. Essa atitude política foi discriminadora, uma vez que os manifestantes que se reúnem nessa praça fazem parte, não só da manifestação em si, como de sua convocação, principalmente, nos corredores fabris. A discriminação exigida pela polícia acabou levando a um “amplo consenso” sobre local, horário, percurso e encerramento da manifestação. O que mais chama a atenção, porém, foi a disposição dos carros de som, onze na sua totalidade, e, assim, dos blocos. O acesso à Ata nos permitiu ver até que ponto chegou o detalhamento do acordo da polícia com as organizações. O ponto 7 serviu apenas para certificar os organizadores sobre determinadas restrições, entre elas, “as vias públicas não devem ser obstruídas à revelia pelos manifestantes”. Até esse ponto, o interesse da polícia foi o de controlar, o máximo possível, a disciplina de uma manifestação, que não poderia se chocar com as leis cerceadoras da ação das massas.

O ponto 9 da Ata, refletiu um problema particular que havia ocorrido na manifestação de 3 de julho. Dada a importância, reproduzimos: “Considerando que, em manifestação anterior, o PSDB foi hostilizado, inclusive com queima de bandeiras do partido e, na presente reunião, consta a previsão de participação do PSDB no #24J, e tendo em vista a ordem judicial que proíbe o antagonismo (oposição/situação), foi questionado a todos os movimentos sobre se a presença do PSDB significaria antagonismo. O PCO foi o único que disse que há antagonismo ideológico/partidário, mas, que isso não pressupõe que há violência. Diante do impasse, o Dr. Arnobio, da OAB, o Dr. Davi, da Defensoria, e o Dr. Alberto, da Ouvidoria, em conjunto com a Sr.a Carolini, do PSDB, e Sr. Rafael, do PCO, reuniram-se às 10h47, à parte em outra reunião para mediação do impasse, com pausa para os demais, e dialogaram sobre. No retorno, às 11h24”. Assim continua a Ata no ponto 9.1. “Dada a palavra ao Dr. Arnobio, da OAB, afirmou que a decisão judicial diz expressamente que não pode haver no mesmo local manifestações antagônicas (oposição/situação – ao governo Bolsonaro). Acordou-se que não há intenção do PCO e PSDB de atos de conflito, sendo pedido mudança de posicionamento dos caminhões para haver distância entre eles (colunas, para não haver choques)”. E continua no ponto 9.2. “Dada a palavra ao Dr. Davi, da Defensoria, pediu para constatar que na conversa de mediação que PCO e PSDB são de oposição e que as divergências político-partidárias não significam que haja qualquer orientação para violência física ou de qualquer outra natureza, sendo que ambos partidos repudiaram episódios pontuais de violência ocorridos no último ato”. No ponto 9.3., “Dada a palavra ao Dr. Alberto, da Ouvidoria, afirmou que na reunião ambos partidos repudiaram o ocorrido na manifestação passada e que não há responsabilidade individualizada por atos que devem ser contidos pela polícia, sendo notadas táticas de infiltrações na manifestação”. No ponto 9.4., “Dada a palavra a Sr.a Carolini, do PSDB, agradeceu a todos que mediaram e ao PCO, reiterando que não haverá qualquer tipo de embate, não há por parte do PSDB qualquer tipo de antagonismo, seja qual for, e o Presidente do Diretório Municipal irá destacar com todos os afiliados, reiterando gratidão ao PCO que foi muito cordial para com o PSDB, nessa mediação”. E, finalmente, no ponto 9.5., Dada a palavra do Sr. Rafael, do PCO, afirmou que existem divergências políticas notórias, o PCO se compromete a não dirigir nenhum tipo de ato violento ou de agressão contra o PSDB, mas o PCO não tem como assumir qualquer responsabilidade sobre atos cometidos por indivíduos nas manifestações”.

   A participação de PCO na reunião causou surpresa, considerando que criticou, corretamente, no passado recente, um acordo da Frente Povo Sem-Medo, de Guilherme Boulos, com a polícia e Ministério Público, em que se determinou que partidos opositores estavam impedidos de fazer manifestação no mesmo local. O fundamental dessa proibição está em que atenta contra a liberdade de manifestação. Não cabe ao Estado decidir quem pode e quem não pode se manifestar. Esse propósito intervencionista, evidentemente, motivou a reunião de 21 de julho. Os termos da Ata, acima reproduzidos, não deixam dúvidas de que o conteúdo foi de ingerência da polícia na manifestação de 24 de julho.

A FOB publicou uma crítica a essa reunião, em 23 de julho. PCO respondeu, três dias depois, dizendo que se tratava de uma calúnia dos anarquistas, uma vez que não houve nenhum acordo. Não nos cabe entrar no mérito da crítica da FOB. Tão somente rechaçamos a acusação de que houve uma calúnia. O ponto de partida da discussão é se a reunião e seu resultado exigiam ou não uma crítica classista. PCO tinha a obrigação de repudiar os termos da Ata. Somente assim, qualquer que fosse a crítica poderia ser qualificada de caluniosa.

No comunicado “PSDB vai à manifestação e manda a polícia reprimir a esquerda”, de 27 de julho, PCO se dedica a demonstrar o caráter reacionário do PSDB, que é sobejamente conhecido. O sentido das denúncias é o de afirmar a seguinte posição: “(…) mesmo contra a vontade absoluta das massas que rejeita estes elementos e que mostraram isto expulsando o PSDB no ato de 3 de julho ou apoiando a expulsão”. O problema está em que PCO não faz referência à reunião com a polícia, e faz de conta que não tem nenhuma importância a Ata que compromete a sua atitude favorável à expulsão do PSDB da manifestação. Repetimos o termo típico de um acordo: “acordou-se que não há intenção do PCO e PSDB de atos de conflitos, sendo pedido mudança de posicionamento dos caminhões para haver distância entre eles (…)”. 

Na nota de 28 de julho, “Ninguém chuta cachorro morto”, PCO denuncia uma série de acusações, desde o seu “entrevero” com “pessoas ligadas ao PSDB”, na manifestação de 3 de julho, consideradas como parte de uma campanha de difamação. Tudo indica que tem razão em se defender de várias imputações não demonstradas pelos seus opositores, algumas típicas de mentes policialescas. Em meio a um rosário de reclamações sobre a difamação, arrola a referida reunião com a Polícia Militar. Mais uma vez, não renega os termos conclusivos da reunião. De maneira que podemos concluir que PCO procura ocultar o seu erro político, sob a denúncia generalizada de que é vítima de calúnias. E que a crítica da FOB faz parte dessa ação condenável. Ao misturar acontecimentos e resultados distintos, PCO recorre a amálgama como método de defesa.

Na resposta à FOB, PCO faz a seguinte pergunta: “Afinal o que são as tais reuniões?” Resposta: primeira consideração, é que são normais e puramente administrativas; segunda, reconhece que “há uma tentativa de interferir na manifestação”. Conclusão: logo PCO tem como “um dos objetivos (…) justamente impedir que isso aconteça”. Se PCO considera este tipo de reunião corriqueira, mas também acha que existe uma objetivo de interferência policial, e que participou para evitar qualquer interferência, tinha a obrigação de rechaçar os termos da Ata que demonstram a interferência. Não se trata de uma discussão abstrata se os organizadores da manifestação podem ou não acatar um chamado de reunião pela polícia e organismos ditos de direitos humanos. O que PCO tem de responder é quanto ao objetivo concreto da reunião e à conclusão.

Segundo depreendemos da Ata, três pontos são fundamentais: 1) o reconhecimento pela polícia dos caminhões de som e dos respectivos blocos, que consta nos pontos 4 e 5; 2) um termo de proibição, ponto 7.3; 3) a hostilização do PSDB. No primeiro, estabeleceu-se uma ordem para os carros de som, de maneira que foi “pedido mudança de posicionamento dos caminhões para haver distância” entre PCO e PSDB, apesar de se ter chegado à conclusão de que não haveria conflito. No segundo, vem a proibição: “as vias públicas não devem ser obstruídas à revelia pelos manifestantes (…)”. Nesses dois pontos, os representantes de partidos e organizações sindicais concordaram com a interferência da polícia na disposição dos blocos, no reconhecimento de cada um, no trajeto, no início e término da manifestação. Finalmente, a determinação para que a manifestação não descumprisse o roteiro determinado. Não pode haver dúvida de que se tratou de uma interferência, ainda que com o consentimento dos participantes.

A intervenção ficou mais explícita ainda ao se tratar do conflito com o PSDB. Foi exigido do PCO o compromisso de que não se repetiria o episódio de 3 de julho. Na reunião de conciliação à parte, se chegou ao denominador comum a ambos os partidos (PCO e PSDB) de repudiarem episódios pontuais de violência, ocorridos na última manifestação. Neste caso, houve uma retratação política de PCO, quanto à defesa anterior, feita contra aqueles que condenaram a “agressão” a participantes do PSDB em 3 de julho.

É nesses termos que o POR denunciou a participação de PCO na reunião com a Polícia Militar, na Décima Segunda Carta aos Trabalhadores e à Juventude Oprimida. Há, sem dúvida, um termo de acordo, que tem por conteúdo não se chocar com o PSDB, e acatar a norma política de que a ordem judicial “proíbe o antagonismo (oposição/situação)”. PCO, distintamente dos demais participantes, afirmou seu “antagonismo ideológico/partidário”, mas admitiu que “isso não pressupõe que haja violência”. Esse foi o malabarismo verbal para chegar ao acordo de que não se repetiriam os acontecimentos da manifestação passada. Um marxista sabe que o antagonismo entre a política proletária e a política burguesa tem em sua essência a luta de classes, portanto, a violência revolucionária e a reacionária. Somente uma política de conciliação de classes pode admitir a convivência pacífica entre a política proletária e a burguesa.

Na Nota sobre o conflito com o PSDB, o POR se colocou ao lado do PCO contra a horda que o condenou por ter se confrontado com esse partido reconhecidamente capitalista e opressor dos explorados. E foi obrigado a expor as contradições da política oportunista de PCO. Em síntese, esse partido se submeteu à estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro e Impeachment”, e tem por diretriz pleitear que as manifestações se deem em torno à candidatura de Lula. É quixotesco pretender, com tal política, que essa frente não se abra à participação de partidos da burguesia. As presenças do PDT e PSB são a porta de entrada para o PSDB, Cidadania, PV e Rede. A configuração do “Bloco Democrático”, no dia 24 de julho, acabou de uma vez por todas com a pretensão subjetiva de manter a Campanha Nacional Fora Bolsonaro livre da participação de partidos francamente inimigos do proletariado e dos demais explorados.