• 12 ago 2021

    Nota POR – Ato militar na Praça dos Três Poderes

Nota do Partido Operário Revolucionário

Ato militar na Praça dos Três Poderes

Derrota da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso

Decomposição da democracia burguesa

11 de agosto de 2021  

Era esperado que a demonstração militar em Brasília, na Praça dos Três Poderes, não passaria de festim. E também era esperado que a posição de Bolsonaro, de retornar ao voto impresso, seria derrotada. Ambos acontecimentos cavaram mais fundo a sepultura do governo, que na sua origem pretendia instaurar uma ditadura bonapartista. O flagelo da Pandemia foi o teste definitivo da incapacidade do governo ultradireitista de equacionar e tratar de uma situação econômica, social e política tão complexa. Negou-se ao chamado de importantes frações da burguesia, para que liderasse um pacto nacional. Uma vez que não admitiu a orientação internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS) – um organismo controlado pelas potências imperialistas –, abriu uma fenda nas relações federativas que conformam o funcionamento do país.

Bolsonaro e seu núcleo militar de governo não conseguiram prever o quanto a Pandemia levaria a uma polarização política, entre o governo central e os estados. A firme rejeição da aplicação de uma política de isolamento social, e a resistência em recorrer imediatamente ao Plano Nacional de Imunização (PNI), colocaram o governo federal de um lado, e o estado de São Paulo, de outro. O que levou à constituição de uma frente majoritária de governadores, sob a liderança do estado mais poderoso da federação. A posição favorável do Supremo Tribunal Federal (STF) aos governadores, dando-lhes autonomia para aplicar a política do isolamento social, e impulsionar acordos de compra e de produção interna de vacinas, atingiu a centralização autoritária, necessária para que o governo federal conduzisse as suas respostas à Pandemia. O problema é que, sem as medidas de distanciamento social e as do recurso da imunização, Bolsonaro não tinha alternativa. O Programa Emergencial – do qual fazia parte, colateralmente, o auxílio emergencial aos miseráveis – e ações previstas na MP 936, de apoio ao empresariado, negociado entre o governo e Congresso Nacional, serviram provisoriamente ao período mais agudo da contaminação e mortes, em que os governadores tomaram a frente, com o isolamento social.

Esse conflituoso percurso anulou o governo federal, tirando das mãos de Bolsonaro e sua camarilha militar as iniciativas quanto à Pandemia. Restava-lhe acatar as exigências do capital financeiro, de promover as privatizações e impulsionar as contrarreformas, encaminhando a reforma administrativa. Isso, Bolsonaro fez muito bem, com o apoio inclusive da maior parte de seus opositores, que o confrontavam na questão da Pandemia. A posição de completa subserviência, de um lado, e incapacidade, de outro, desmoronaram a sua autoridade.

O fundamento da democracia burguesa, no Brasil, é dado pela centralização autoritária, diante da qual a autonomia federativa dos estados é precária, ou inexistente, a depender de seu lugar na economia. Qualquer que seja o governo que perca o poder de centralização, será atingido mortalmente pelas forças centrífugas, que estão presentes na composição federativa, regida pela desigualdade no desenvolvimento nacional. A Pandemia ativou as contradições que estão na base da federação e da centralização autoritária. Em outras condições, era inconcebível que o estado de São Paulo se confrontasse com as diretrizes do governo federal, e constituísse uma frente oposicionista de governadores.

O descontrole da Pandemia, a falência do sistema público de saúde, e o número trágico de mortes, combinados com a queda econômica e o agravamento da crise social, recaíram inteiramente sobre a cabeça do governo Bolsonaro. O presidente não teve como escapar à pecha de “genocida”, embora esse conceito histórico fosse utilizado elasticamente.

Por mais que Bolsonaro mudasse sua atitude inicial de independência perante o Congresso Nacional, restabelecendo os elos de comprometimento com a fração mais direitista dos partidos burgueses – o denominado “Centrão” –, de um lado, e aumentasse a presença de militares no seu governo e na administração pública, de outro, não teria como controlar as forças centrífugas assinaladas anteriormente. E, por mais que a fração propensa à conciliação no Congresso Nacional e os ministros do STF procurassem aliviar a crise política, não seria possível encontrar um meio termo, uma vez que se agudizaram os conflitos, ao ponto de o Executivo e o Judiciário deteriorarem as relações entre os poderes.

A criação da CPI da Covid assinalou o enfraquecimento de Bolsonaro perante o Congresso Nacional, e indicou o afastamento de uma fração da burguesia que o havia apoiado nas eleições presidenciais. Fatos anteriores pesaram no curso do isolamento do governo, e no processo de sua decomposição. Foram os casos da ruptura no interior da ultradireita, com a defenestração do chefe da Lava Jato, Sérgio Moro, e da destituição do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, com o qual caíram os comandantes das três armas. A ascensão do general Walter Braga Neto ao ministério da Defesa pôs às claras o setor das Forças Armadas mais vinculado ao objetivo de impor ao país uma ditadura bonapartista, que, por ter sido inviabilizada, abriu caminho à crise de governabilidade.

O restabelecimento dos direitos políticos de Lula ocorreu precisamente no marco de putrefação do governo Bolsonaro. Essa reviravolta, no âmbito da política burguesa, refletiu os limites e dificuldades da ultradireita de ir adiante com a centralização autoritária, por meio de uma ditadura bonapartista. O descenso de Bolsonaro e a ascensão de Lula determinaram o caminho da polarização eleitoral. O que tem obrigado a oposição da direita liberal, e parte da própria ultradireita, a agirem para desfazer essa dicotomia, trabalhando para que se viabilize o que se denominou uma “terceira via”. Certamente, as manobras nesse campo contarão com o apoio de setores militares, que não pretendem ser arrastados por uma aventura golpista.

A arregimentação de motoqueiros para expressar apoio ao governo, e o fracasso da demonstração de força militar, com o desfile de tanques e carros de combate na Explanada dos Três Poderes, comprovam que o campo de ação para Bolsonaro estancar a sua desintegração se estreitou, ao ponto de porta-vozes da burguesia reconhecerem que o presidente se encontra em uma situação de extrema “fragilidade” e “fraqueza”. A derrota da PEC do voto impresso jogou mais uma pá de cal sobre Bolsonaro.

É bom assinalar que a possibilidade de aventura golpista foi reduzida, mas não eliminada. Isso devido à existência e ao fortalecimento de uma fração burguesa e pequeno-burguesa ultradireitista, que têm raízes profundas no golpe de 1964 e nos governos militares. Essa fração se adaptou ao processo de “redemocratização”, pós 21 anos de ditadura militar. E reascendeu nas condições de fracasso do governo nacional-reformista do PT, que prometeu a expulsão da velha oligarquia do poder do Estado.

A derrubada de Dilma Rousseff, por meio do impeachment no quadro de aprofundamento da crise econômica em 2016, estabeleceu um governo golpista, de ditadura civil, que possibilitou a retomada da influência dos militares no núcleo governamental e na máquina administrativa do Estado. A falência do governo petista, como governo burguês democrático, ficou patente, diante de sua incapacidade de fazer valer a Comissão da Verdade e penalizar os torturadores e assassinos. E não foi por falta de provas, já que as investigações da Comissão Verdade expuseram mais abertamente os porões da ditadura. Os generais impediram o governo e o Congresso Nacional de irem além do que prescrevia a Lei da Anistia, imposta pelo último governo militar, em 1979.

A eleição para presidente da República do medíocre parlamentar, Jair Bolsonaro, não seria possível, caso não houvesse o golpe de Estado de 2016. As mais distintas frações da burguesia nacional, apoiadas pelo imperialismo, e quase a totalidade dos partidos constituíram uma união reacionária, para destituir o governo eleito pelo voto popular, e entregar ao seu vice, que conspirou para concretizar o golpe. Como se vê, a eleição de Bolsonaro foi produto de um amplo movimento antidemocrático. Aí está retratada, sem retoques, a fotografia da decomposição da democracia burguesa. Bolsonaro não poderia se firmar como governo, a não ser na forma de uma ditadura bonapartista.

Essa explicação do processo de elevação da ultradireita ao poder e de seu fracasso seria incompleta, se não evidenciar a importância da política de colaboração de classes do próprio PT e de seu braço sindical. Dilma Rousseff, o PT e seus aliados se submeteram ao processo de impeachment, sabendo que estavam diante de um golpe de Estado.

A derrocada passiva é explicada por sua adaptação ao capitalismo e à democracia oligárquica, por meio da política de colaboração de classes. Daí, para a prisão e cassação dos direitos políticos de Lula, foi um passo. O seu braço sindical, em conluio com as demais frações da burocracia sindical direitista, que inclusive apoiou o impeachment de Dilma, fechou os olhos para a onda de demissões, que se elevou em 2015-2016. Colaborou descaradamente com as multinacionais, que forçaram a classe operária a aceitar os programas de flexibilização capitalista do trabalho.

Esse período de colaboração de classes e de avanço da reação burguesa preparou as condições políticas para as contrarreformas, tais como a trabalhista e a previdenciária, sobretudo. A classe operária permaneceu desorganizada e desarmada ideológica e politicamente sob o governo da ditadura civil de Temer, cuja podridão exalava em todos os poros do país. A ausência de uma luta organizada nacionalmente, para derrubar as contrarreformas, favoreceu, decisivamente, não só a continuidade do governo Temer, como também a ascensão da ultradireita bolsonarista.

Os petistas, a horda de reformistas, a burocracia sindical e a esquerda centrista tudo fazem para ocultar esse fator fundamental da crise política, que é a força material da colaboração de classes. Estando na oposição, os reformistas acobertam sua cota de responsabilidade, perante as contrarreformas de Temer e Bolsonaro. Acobertam sua inteira responsabilidade, diante da ausência de resistência do movimento dos explorados às demissões em massa, à precarização das relações trabalhistas, à redução da massa salarial e à propagação da miséria.

Essa linha das direções sindicais e políticas se manteve durante a Pandemia. Somente em 29 de maio, quebram a sua passividade, quando uma fração da burguesia se afastava abertamente de Bolsonaro, elevavam-se os conflitos entre governadores, e Bolsonaro e crescia a pressão de camadas da classe média, que já não suportavam as consequências da Pandemia, e viam mais claramente o fracasso da política burguesa do isolamento social, bem como a morosidade da imunização. É quando os ventos da crise de governabilidade inflaram a bandeira do “Fora Bolsonaro e do Impeachment”, desfraldada pela frente dirigida pelo PT. Sob essa estratégia, se restabeleceram as manifestações de massa, mas marcantemente pequeno-burguesas. A classe operária foi mantida no leito da passividade. A burocracia sindical sustentou e sustenta as travas da política de colaboração de classes, que permeia todo o sindicalismo. As necessidades vitais dos explorados – emprego, salário e direitos trabalhistas – permanecem à margem das manifestações. As direções sindicais e políticas prometem aos explorados que o problema se resume em tirar do poder Bolsonaro, porque, assim, um novo governo poderia resolver o tormentoso flagelo que se abateu sobre a maioria oprimida. Ou Bolsonaro acaba sendo afastado por um impeachment, ou poderá ser derrotado nas eleições. O certo é que a bandeira do impeachment tem sido manejada no sentido eleitoral.

No momento em que se agudiza a crise do governo, e se preparam novas manifestações para 7 de setembro, Bolsonaro e o Congresso Nacional aprovam a privatização da Eletrobrás e dos Correios, prorrogam a MP de redução de salários, e aprovam os programas Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), e Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip). São programas voltados inteiramente à proteção dos capitalistas. No entanto, as direções sindicais e políticas da Campanha Fora Bolsonaro continuam a bloquear a classe operária, impedindo que os sindicatos mobilizem, desde as bases, os assalariados, em defesa de um programa próprio de reivindicações.

O enfraquecimento do governo ultradireitista e a demagogia dos governadores oposicionistas, que se dizem defensores da “vida”, favorecem a reorganização do movimento operário em defesa dos empregos, salários e direitos trabalhistas. Esse é o caminho da luta de classes para enfrentar as contrarreformas de Bolsonaro, e se preparar para combater o novo governo, seja ele qual for.

A classe operária e sua vanguarda estão diante da necessidade de enfrentar, não apenas o governo burguês de plantão, mas o capitalismo em decomposição.  A estratégia do “Fora Bolsonaro” é burguesa; contrapõe-se à luta dos explorados, por seu programa próprio de reivindicações, no campo da independência de classe. O movimento dos explorados somente alcançará a independência, se se colocar diante do governo Bolsonaro e da burguesia com suas reivindicações vitais, com seu método próprio de ação direta, e com a organização coletiva. É por esse caminho que o movimento das massas se aproxima e se funde com a estratégia revolucionária própria do proletariado, que é a do governo operário e camponês, expressão governamental da ditadura de classe da maioria explorada contra a minoria exploradora.

É com essa analise da crise política, com a crítica de classe à estratégia do “Fora Bolsonaro”, e com a defesa do programa de reivindicações da maioria oprimida, que o POR tem convocado e trabalhado para que as manifestações assumam um caráter nitidamente proletário e revolucionário. Temos a firme convicção de que a democracia oligárquica continuará em decomposição, e de que a luta de classes se agravará ainda mais. A vanguarda com consciência de classe somente pode cumprir seu papel de luta pela independência dos explorados, se se guiar pela estratégia da revolução proletária.