• 22 nov 2021

    Décima nona Carta do POR – À Marcha da Consciência Negra

Décima nona Carta do Partido Operário Revolucionário (POR) aos trabalhadores e à juventude oprimida

À Marcha da Consciência Negra

20 de novembro de 2021

Desde 29 de maio, quando as direções sindicais e políticas romperam a sua passividade, convocando a primeira manifestação da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, o POR, não só trabalhou por sua organização, como também teve o cuidado de expor suas críticas à diretriz do movimento, bem como defender claramente um posicionamento distinto. Eis por que passou a escrever as Cartas dirigidas aos trabalhadores e à juventude. Em seu conjunto, se encontra expressa uma linha classista e revolucionária de combate ao governo ultradireitista de Bolsonaro e à burguesia.

As Cartas demonstram que o governo reacionário que comanda o País tem um conteúdo de classe, que não deve ficar oculto sob a caracterização de sua orientação ultradireitista. Um governo pode ser de direita, ultradireita ou de esquerda, seguindo as usuais classificações.  Pode encarnar tendências democratizantes, ou fascistizantes. A história está repleta de exemplos. O que se passa também no Brasil, basta comparar governos como o de Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.

As diferenciações são necessárias, para ajustar a tática de luta da classe operária contra este ou aquele governo. No entanto, é decisivo mostrar aos explorados que os governos de direita, ultradireita e esquerda têm em comum o fato de dirigir o Estado burguês, garantir a proteção da propriedade privada dos meios de produção, e bloquear a luta de classes. Qualquer que seja o governo, tem a função histórica de manter a ditadura de classe da minoria exploradora sobre a maioria explorada.  Somente assim, o capitalismo em decomposição continua sobrevivendo, à custa de maior opressão, pobreza, miséria e fome das massas.

É bem conhecido, no Brasil, o quanto os negros que formam a maioria da população suportam a opressão de classe e, derivado dela, o racismo. Mudam-se os governos, mudam-se os aspectos das políticas sociais, mas não se alteram a opressão de classe e as condições gerais da maioria negra, que continua sendo a mais pobre, miserável, faminta e vítima da violência policial. Isso por que todos são governos burgueses, que estão obrigados a seguir os ditames das relações capitalistas de exploração do trabalho, e a atender aos interesses gerais e particulares da burguesia. Esse fundamento de classe está expresso nas dezoito Cartas e, agora, reafirmado nessa décima nona Carta, dirigida à Marcha da Consciência Negra.

Trata-se de uma posição de princípio, não subordinar a luta dos explorados ao objetivo de substituir um governo burguês por outro. O movimento iniciado em 29 de maio esteve e está em contraposição a esse fundamento e princípio de classe. É o que comprovou a bandeira de “Fora Bolsonaro e Impeachment”. Esteve e está subordinada às eleições de 2022. As direções sindicais e políticas da Campanha Nacional Fora Bolsonaro nunca se colocaram por potenciar um movimento, que permitisse à classe operária e aos demais explorados derrubarem o governo burguês ultradireitista e, assim, criarem as condições para erguer um governo revolucionário, um governo nascido do seio das massas, e imposto à burguesia pela luta de classes. E não poderiam estar por esse objetivo, uma vez que fazem parte da política burguesa e do ordenamento do regime capitalista.

O problema está em que essas direções controlam os sindicatos, centrais, movimentos populares, incluindo o movimento negro.  Só não vê quem não quer, que a vinculação da bandeira “Fora Bolsonaro” à CPI da Covid-19 e à mudança de correlação de forças no Congresso Nacional, para viabilizar o processo de impeachment, estiveram na contramão da organização de um movimento de massa independente da política burguesa. Um movimento voltado a impor, aos governantes, as reivindicações próprias, de defesa dos empregos, salários e direitos trabalhistas; de enfrentamento ao avanço da pobreza, miséria e fome; de combate às contrarreformas e às privatizações; e de rompimento do garrote da dívida pública.  Eis por que a linha política que impulsionou a bandeira do “Fora Bolsonaro e Impeachment” implicou manter a classe operária à margem da organização e das manifestações. Os protestos acabaram limitando-se a uma parcela da classe média e da juventude. descontentes com a situação econômica e a política ultradireitista de Bolsonaro.

Em nossas Cartas, o POR fez a defesa sistemática da necessidade de reorientar o movimento, sobre a base de um programa de reivindicações e estratégia próprios do proletariado. Insistiu que o rompimento da passividade das direções, que fecharam as portas dos sindicatos por mais de um ano, deveria recuperar a perda de terreno dos explorados para os exploradores no período da Pandemia. O que significava admitir que os trabalhadores foram golpeados duramente pelas demissões, pelos acordos de redução salarial e pela suspensão de contratos. O patronato aproveitou para fazer uma varredura nos postos de trabalho, diminuir encargos, e reduzir o valor da força de trabalho. Assim, a maioria oprimida, não apenas foi a mais atingida pela Pandemia, como a mais sacrificada pelas negativas consequências econômicas.

Bolsonaro ocupou um lugar importante nesse processo, adverso à maioria oprimida. Mas, tão somente como uma peça essencial da engrenagem de funcionamento do capitalismo, e de defesa dos interesses gerais do poder econômico. De forma que para combater a sua política “negacionista” e “genocida”, era imperativo organizar um movimento, tendo por força motriz a classe operária, com seu programa e estratégia próprios. O contrário se passou. As mesmas direções sindicais e políticas que organizaram a Campanha Nacional do Fora Bolsonaro foram as responsáveis pela paralisia do movimento por mais de um ano, pela aplicação da MP 936, e pela tolerância às demissões em massa. Sendo assim, era inevitável que as manifestações padecessem de contradições políticas que as levariam ao beco sem saída do impeachment e das maquinações eleitorais.

Instaurou-se uma crise interna ao movimento, no momento em que a posição majoritária da direção se voltou a atrair a oposição burguesa de centro-direita, e a preconizar a constituição de uma “frente ampla”. Esse objetivo fracassou, devido ao fato de ficar claro que o impeachment não ia além de uma bandeira propagandística, e que passou a ser utilizada mais amplamente pelos partidos que concorrerão às eleições no campo da oposição a Bolsonaro. Não havia, portanto, como ajustar os interesses eleitorais em uma “frente ampla”.  A tentativa frustrada de ampliar a frente, nos protestos de 2 de outubro, encerrou as negociações em torno ao objetivo de ir adiante com o impeachment de Bolsonaro.

Era visível que a CPI terminaria com um relatório natimorto, que não representava as forças burguesas capazes de romper o controle do governo sobre a Câmara de Deputados, regida pelo “Centrão”.  A oposição de centro-esquerda e de centro-direita se limitou a denunciar o “negacionismo”, o “genocídio”, o autoritarismo e a incompetência de Bolsonaro. Não podendo romper a camisa de força do bolsonarismo na Câmara de Deputados, apoiado por importantes setores da burguesia e da alta classe média, não restou alternativa, a não ser recorrer à preparação do caminho eleitoral. Esses foram os limites políticos e organizativos impostos ao movimento de massa, que acreditou na possibilidade de abreviar o governo ultradireitista, por meio do impeachment.

É nesse marco que Bolsonaro pôde rever suas ações de confrontação com os demais poderes do Estado – principalmente com o Judiciário –, depois das ameaças golpistas proferidas em 7 de setembro. Uma vez arrefecido o conflito institucional, amenizada a crise federativa em torno à Pandemia, e concluídos os trabalhos da CPI, aplainou-se o curso da disputa eleitoral.

As direções sindicais e políticas do movimento não viram motivos para manter a convocação da manifestação de 15 de novembro. A saída foi recorrer à 18ª Marcha da Consciência Negra, atando-a à bandeira do “Fora Bolsonaro racista”. É necessário rejeitar a utilização da bandeira antirracista para efeito eleitoral. O racismo de Bolsonaro é um reflexo do domínio da burguesia branca sobre o proletariado e a maioria oprimida. A experiência comprova que um governo declaradamente antirracista não tem como combater as raízes de classe do racismo. As medidas que procuram amenizar a discriminação contra os negros ocultam a impossibilidade de acabar com essa chaga social, no âmbito do capitalismo. Existem severas leis contra a discriminação racial, no entanto, a discriminação permanece intocável no fundamental. Os capitalistas continuam a discriminar a força de trabalho branca e negra. As camadas mais pobres da população são de maioria negra. O maior número de jovens desempregados e de baixa escolaridade é de negros. O imenso contingente de negros presos e assassinados também reforça a comprovação de que o racismo impera no País.

Há quem acredite que tem havido progresso no combate ao racismo, graças a governos que reconhecem e condenam a discriminação. O que seria demonstrado pela maior participação de negros no parlamento, nos partidos políticos, nas demais instituições do Estado e, sobretudo, nas universidades. De forma que foram dados passos no sentido da “reparação histórica” e da “inclusão social” dos negros. Esses conceitos se revelam vazios, quando se constatam a discriminação da força de trabalho negra, o nível de informalidade, os míseros ganhos, o grau de pobreza, a marginalização da juventude, e o volume de prisões e assassinatos. O certo é que o reformismo se mostra incapaz de enfrentar o racismo nas entranhas das relações econômicas e da exploração do trabalho. Inevitavelmente, as ilusões na “reparação histórica” e na “inclusão social” caem por terra, no dia-a-dia dos acontecimentos, sendo os mais visíveis a miséria das massas negras e a violência policial.

Não há dúvida de que há distinções entre um governo declaradamente racista e um governo com propósitos antirracistas. A distinção é necessária, para se estabelecer a tática de luta da classe operária e demais explorados contra toda forma de opressão e discriminação. O que não pode ocorrer é a utilização do antirracismo para ocultar o conteúdo burguês do governo, e iludir as massas sobre a possibilidade de acabar com a odiosa discriminação por meio de sua eleição. Fazem parte da política de conciliação de classes, as bandeiras institucionais antirracistas. Chega-se ao ponto de o reformismo criar organizações de negros vinculadas ao Estado opressor. A institucionalização do movimento negro é um meio de potenciação eleitoral dos partidos que condenam o racismo.

Essa Carta do POR, endereçada à 18ª Marcha da Consciência Negra, defende a independência do movimento dos explorados negros, contra a discriminação e pela erradicação do racismo. A independência organizativa e política resulta do programa proletário, voltado a destruir o capitalismo, transformar a propriedade privada dos meios de produção em propriedade social, e desenvolver as relações socialistas de produção. Os trabalhadores negros e brancos têm de se irmanarem, na luta contra a dominação de classe da burguesia branca. No momento, está colocada a luta contra a subordinação das necessidades dos explorados em geral à política eleitoral e à substituição de um governo burguês por outro.

O POR defende que esta Marcha se levante por um programa de reivindicações contra a pobreza, miséria e fome. Que se coloque pela convocação de um Dia Nacional de Luta, com paralisações e bloqueios, como um passo para organizar uma greve geral. É nessa luta que se potenciarão as bandeiras contra o racismo e toda forma de discriminação.