• 03 dez 2021

    Nota do POR – André Mendonça, novo ministro do STF

Nota do Partido Operário Revolucionário

André Mendonça, novo ministro do STF

Decisão política ditada pelas igrejas evangélicas

2 de dezembro de 2021

Bolsonaro e a bancada parlamentar evangélica implantaram um fiel representante da religião no Supremo Tribunal Federal (STF). Historicamente, a igreja católica sempre teve ascendência sobre o poder judiciário. A eleição de Bolsonaro e, agora, a aprovação, pelo Senado, do ex-Ministro da Justiça e Advogado Geral da União (AGU), André Mendonça, representam um avanço da religião sobre a política burguesa em geral e, em particular, de suas variantes, materializadas pelos aparatos evangélicos. Os politiqueiros que servem à religião dizem que não pretendem alterar o caráter laico do Estado e da Constituição. No entanto, a indicação do pastor presbiteriano pelo presidente da República resultou do objetivo explícito de dar um assento no STF a um dos seus adeptos.

A batalha da bancada evangélica para que o presidente da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), David Alcolumbre, armasse o circo da sabatina, e a eleição da relatora evangélica Eliziane Gama (Cidadania), criaram a atmosfera da religião sobre o Congresso Nacional. A representação na sabatina, tanto por parte de Mendonça quanto dos senadores, foi indigna de uma boa farsa teatral. O indicado de Bolsonaro sabia o que iriam perguntar. Estava na ponta da língua a resposta: “Na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição”. Não foi nada embaraçoso para o evangélico e bolsonarista responder: “Defenderei o direito constitucional do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo”.

Vitorioso e rodeado de seus partidários, Mendonça desatou o verbo religioso, de que não estaria ali se não fosse por obra do espírito santo, e por ter, desde menino, se agarrado à Bíblia. Concluiu, em tom profético e choroso, que o seu ingresso no STF “É um passo para um homem, mas, na história dos evangélicos do Brasil, é um salto. Um passo para um homem, um salto para os evangélicos”. Ao afirmar que os evangélicos correspondem a 40% da população brasileira, e que “o povo evangélico tem ajudado esse País (…)”, teve por objetivo expressar a avaliação de que chegava ao STF baseado nessa força social-religiosa.

O Estado brasileiro nunca se estabeleceu plenamente como laico. A Constituição republicana de 1891 aboliu a monarquia, e assim o Estado confessional. As inúmeras Constituições conservaram o princípio formal da separação entre o Estado e a Igreja. Na realidade, o catolicismo manteve o monopólio da influência sobre as Constituições e a governabilidade. O apoio estatal à intervenção da igreja em atividades como Educação, Saúde e assistência social demonstrou a inexistência de um Estado completamente laico. Sob a formalidade do caráter laico, as igrejas contam com privilégios estatais, e se valem deles para criar partidos, e se potenciar eleitoralmente.

Os aparatos religiosos chegaram ao ponto de constituir uma instituição para canalizar recursos destinados aos partidos, deputados e senadores, que é a Frente Parlamentar Evangélica, que se distingue da bancada parlamentar evangélica por ser uma instituição à parte e, ao mesmo tempo, vinculada ao Legislativo. A Frente Parlamentar e a bancada parlamentar agem como instrumentos das igrejas, combatendo no terreno da ideologia e dos costumes, bem como reagindo contra as medidas que arrefecem a opressão sobre a mulher, negros e homossexuais. Uma de suas batalhas é a de estabelecer um envoltório em torno à família, pretendendo que o Estado determine um “Estatuto da Família”. As questões do aborto e do direito dos homossexuais constituírem famílias são motivos para as igrejas se insurgirem e pressionarem para que o Estado siga as determinações religiosas.

Bolsonaro desmontou todos os programas e instituições que tinham sido criados para cuidar das discriminações. Colocou, à frente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a pastora Damares Alves. Importantes cargos de direção do Estado, assim, foram entregues aos agentes das igrejas evangélicas. Neste exato momento, o Ministério da Educação é comandado pelo pastor Milton Ribeiro, que interveio no INEP e na elaboração das provas do Enem, sob o argumento de suprimir a ideologização das provas.  É no quadro de avanço do poder dos evangélicos nas entranhas do Estado e do governo, que André Mendonça venceu as barreiras opositoras à sua indicação ao STF.

A imprensa e os parlamentares da oposição ressaltaram o fato de o indicado ter obtido a menor votação, comparada com as alcançadas pelos ministros anteriores sabatinados. Essa formalidade não tem nenhuma transcendência. O fundamental está em que ficou exposto o quanto o Estado se encontra penetrado e influenciado pelas igrejas.

As forças sociais arregimentadas pela religião, entre elas uma massa de pobres e miseráveis, servem de instrumentos para a política burguesa e, portanto, para bloquear a luta de classes e a marcha da revolução proletária. Os retrocessos impostos pela ultradireita à própria política burguesa e pequeno-burguesa, que reconhece as várias formas de discriminação, se devem ao impulso das igrejas evangélicas, desde os anos de 1960. Sabemos que esse impulso não se deve apenas às forças internas, mas também externas. O imperialismo se vale da religião e de seus aparatos, para combater todo e qualquer progresso ideológico do proletariado e da maioria oprimida.

A liberdade de religião, no capitalismo, coincide com a liberdade de cegar os explorados diante das causas de seus tormentos e flagelos, como a miséria e a fome. Eis por que o Estado burguês não pode agir no sentido de tornar a religião um motivo privado e circunscrito à convicção dos indivíduos. E as igrejas não podem sobreviver, a não ser sob a proteção do Estado e da burguesia. Eis por que não foi possível – e não será, no capitalismo – a separação da igreja da escola. A sua influência coincide com os interesses históricos dos capitalistas, de bloquear o desenvolvimento da concepção científica do mundo e o domínio do método materialista do conhecimento transformador.

A ausência de uma direção revolucionária do proletariado, portanto, de seu partido e de organizações independentes de massa, permite que o campo fique livre para a religião cumprir sua função de “ópio do povo”, como definiram Marx e Engels. Os movimentos corporativos ligados ao reformismo não são capazes de interromper o avanço do obscurantismo religioso.

No exato momento em que o Senado aprovou o nome do novo ministro do STF, o “terrivelmente evangélico”, André Mendonça, Lula defendeu a criação na TV e no rádio do PT um programa que seria um “momento evangélico”.  Explicou, na sala de debate online, que a qualidade dessa gente, assumindo sua religiosidade de evangélicos, faz com que o partido não acredite que os evangélicos sejam como gado, não, são pessoas que têm cabeça. E Lula fez uma profissão de fé, perante o que supõe ser a “verdade”. No entanto, não há nada mais falso do que dizer que as pessoas em geral “assumiram a religiosidade evangélica”. A verdade é que os aparatos das religiões arrastam as massas, inconscientes diante da miséria e desesperadas à procura de uma solução. Os pregadores e os rituais oferecem a salvação divina, e a catequese da aceitação passiva do flagelo. A sala de debate de Lula com a deputada petista evangélica Benedita da Silva esteve voltada às eleições presidenciais. A disputa pelo voto de milhões de evangélicos será decisiva para a vitória ou a derrota de Lula, caso permaneça como o presidenciável com maior intenção de voto. Essa política do reformismo favorece as tendências obscurantistas, que hoje estão influenciando as decisões do Congresso Nacional. Aqueles que tanto falam em opressão, sem reconhecer o seu fundamento de classe, acabam se curvando, diante da opressão espiritual exercida pela religião.

As necessidades vitais dos explorados e sua luta coletiva para impor à burguesia e aos governantes se chocam com os aparatos das igrejas, que tudo fazem para evitar a rebelião dos pobres, miseráveis e famintos. Os instintos de revolta dos oprimidos, pela sobrevivência no capitalismo que se decompõe, aplainam o caminho pela libertação da opressão espiritual, desde que o proletariado resolva a crise de direção, e coloque em pé o seu partido. Essa é a resposta ao avanço do obscurantismo religioso.