• 23 fev 2022

    Declaração do CERQUI – Estados Unidos empurram Rússia à guerra

Declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da Quarta Internacional (CERQUI)

À classe operária, aos demais trabalhadores e à vanguarda mundial que luta pelo socialismo

Estados Unidos empurram Rússia à guerra
Resposta proletária internacionalista

22 de fevereiro de 2022

O conflito na fronteira da Ucrânia dura cerca de três meses. Na segunda semana de dezembro de 2021, a Rússia apresentou suas exigências aos Estados Unidos, para que cessassem o avanço da OTAN e desmontassem o cerco militar já existente.
A escalada desse braço armado do imperialismo norte-americano e europeu se iniciou poucos anos depois de sua criação em 1949, quando reuniu doze membros. Entre 1952 e 1990, se deu o primeiro passo expansionista, incluindo a Grécia, Turquia, Alemanha e Espanha. Nove anos depois, em 1999, foi a vez da Polônia, Hungria e República Checa. A todo vapor, a marcha da OTAN rumo ao cerco da Rússia, entre 2004 e 2009, incorporaria mais oito países – Bulgária, Romênia, Albânia, Eslováquia, Croácia e três ex-repúblicas soviéticas do Báltico, Lituânia, Estônia, Letônia. Na Cúpula da OTAN de Budapeste, em 2008, a delegação americana, liderada por George W. Bush, defendeu o ingresso da Ucrânia e Geórgia. A Alemanha e França se opuseram, com a justificativa de que era prematuro. O choque separatista na Geórgia e o não convencimento majoritário dos ucranianos seriam impeditivos para a OTAN dar um passo nesse sentido. A Rússia, apesar de não integrar a organização militar, teve como se pronunciar. Vladimir Putin fez menção à segurança da Rússia e às possíveis reações contrárias. Como a decisão é por consenso, a ofensiva do governo Bush não prosperou, mas ficou plantada a semente, que germinou na crise ucraniana de 2013-2014, e que veio a florescer em 2021-2022.
A via para caminhar no sentido do ingresso da Ucrânia na União Europeia e, daí, na OTAN, foi a de um levante popular, apoiado pelo imperialismo, contra o governo títere da Rússia e a favor de sua substituição por um governo serviçal das potências ocidentais. Os Estados Unidos aguardaram o momento propício em que a burocracia restauracionista ucraniana se despedaçasse, diante de uma população descontente com as condições de existência e com o regime apodrecido até a medula, e, principalmente, diante de uma completa desorganização da classe operária e dos demais trabalhadores. O choque interno deu lugar a um movimento separatista e à guerra civil na região de Donbass, envolvendo Donetsk e Luhansk, que se proclamaram repúblicas populares independentes, apoiadas pelo governo de Putin. Completa o quadro de ruptura, a anexação da Criméia pela Rússia. Os Estados Unidos impuseram sanções econômicas, mas não tiveram como reverter a divisão de parte do território ucraniano.
Os governos eleitos na Ucrânia se valeram da caricatura de democracia escorada pelas potências, para levantar a bandeira de independência, que lhes permitiria efetuar o objetivo de fazer parte da União Europeia e da OTAN. O aventureiro Volodmir Zelenski, presidente da Ucrânia, não mediu as consequências do que seria colocar o país sob o comando dos Estados Unidos e do aparato militar da OTAN, postados às portas da Rússia, já comprimida desde o Leste Europeu e Balcãs. A frustrada ofensiva de Bush, na Cúpula de Budapeste, tomava forma concreta na crise de 2014 e progredia em 2021.
É nesse marco que Putin e seus generais não viram alternativa a não ser recorrer à pressão militar sobre a Ucrânia, e, em certa medida, a Alemanha e França, que não viram com bons olhos, em 2008, o desprezo dos Estados Unidos ao precário equilíbrio da Europa, que tendia à desestabilização em consequência da crise econômica estrutural do capitalismo mundial, que passou a expor as contradições de fundo, que estiveram na base das duas guerras mundiais. Recrudescer o cerco militar à Rússia resultaria em alterar a engrenagem montada no pós-Segunda Guerra, que movimenta a superestrutura já em estado de avançada deterioração. Apenas de passagem, é preciso considerar a guerra comercial dos Estados Unidos e aliados com a China, que tende a se agravar e aumentar as tensões militares na Ásia.
Os Estados Unidos acumulam uma vasta quantidade de capital parasitário represado, que precisa ser desaguado por meio do saque dos países semicoloniais. Onde existir abundantes recursos naturais, o imperialismo tem a necessidade de controlar, como é o caso da Rússia e da região circunvizinha sobre a qual tem ascendência. A indústria bélica, dominada pelos monopólios norte-americanos, ocupa um lugar chave nas relações econômicas e financeiras parasitárias. A OTAN é um conduto por onde o Estado imperialista flui o capital parasitário, que, segundo o ex-presidente Trump, deveria contar com muito mais recursos dos grandes sócios europeus. Por meio desse braço armado, os Estados Unidos passaram a exercer mais ostensivamente o seu poder econômico no pós-guerra e a desenvolver o combate à URSS e China, as principais colunas erguidas pelas revoluções proletárias.
Para o mal da humanidade, confirmaram-se as previsões de Lênin e Trotsky, de que, se a revolução mundial não avançasse, a transição do capitalismo ao socialismo poderia regredir e retardar muito mais a marcha histórica do desaparecimento da sociedade de classes. Em seus últimos esforços, Lênin travou a luta contra os primeiros sinais da burocratização do regime soviético e pela elevação da classe operária à condição de dirigente do Estado e da economia. Caso contrário, o estrangulamento da ditadura do proletariado interromperia a transição do capitalismo ao socialismo. Trotsky deu continuidade a esse fundamento leninista da revolução proletária como parte da revolução mundial. Diante da sedimentação do processo de burocratização e das evidências inconfundíveis quanto à liquidação do partido bolchevique e da III Internacional, a Oposição de Esquerda Internacional concebeu a estratégia e o programa da revolução política. É nessa luta que Trotsky admitiu a possibilidade de a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) sofrer, finalmente, uma derrocada. No caso de a revolução política não se impor e não se restabelecer a democracia soviética, o retrocesso do movimento revolucionário mundial seria profundo. O capitalismo em decomposição elevaria a barbárie a níveis escabrosos. Nesse marco, ressurgiria, sob as cinzas da URSS, a velha dominação sobre as nacionalidades, que, por séculos, sustentou o Império Russo. Trotsky foi assassinado a mando de Stalin, em meio à Segunda Guerra Mundial, mas teve tempo de fundamentar o programa da revolução política como parte da revolução social mundial.
A vitória final do imperialismo viria a ocorrer em 1991, quando a burocracia governamental, herdeira do estalinismo em decomposição, não teve mais como manter a centralização autoritária e desmoronou, seguindo os objetivos do imperialismo, guiado pelos Estados Unidos e amparado na OTAN. Em consequência do caráter anárquico da crise política, o governo de Putin reconstituiu a centralização burocrática, assentada na oligarquia empresarial, que se desenvolveu durante os anos de estalinização e, principalmente, depois da “desestalinização” sob o comando de Khrushchov.
É necessário recorrer às raízes das causas históricas, que levaram ao desfiguramento paulatino da URSS e ao seu desmoronamento final. Somente assim, a classe operária, os demais explorados e a vanguarda com consciência de classe podem levantar uma posição revolucionária diante do choque instalado e da possibilidade de uma guerra na Ucrânia, cujas duas principais forças são a do imperialismo norte-americano e a da autocracia russa restauracionista.
Os Estados Unidos não admitem que a Ucrânia seja impedida de concluir sua subordinação à União Europeia e ao imperialismo norte-americano, assegurada pelas armas da OTAN, como tem ocorrido com a Polônia e as demais ex-repúblicas populares originadas na Segunda Guerra. Putin retiraria os soldados da fronteira com a Ucrânia, se Biden aceitasse o pleito mínimo da Rússia. A resposta americana de se realizar um acordo de controle de armas não passou de uma provocação. O problema está em que a Rússia já não pode ceder mais terreno com o desmoronamento da URSS e o avanço dos Estados Unidos na Europa Central e Oriental, promovido pela OTAN. A posição defensiva da Rússia, porém, se faz pelos mesmos meios, métodos e objetivos do imperialismo, que são a opressão econômica, intervenção militar e anexações.
A Ucrânia se livrou do Estado Operário degenerado, para se lançar nos braços do Estado imperialista mais potente, saqueador e sanguinário, que substituiu na Segunda Guerra a velha hegemonia da Inglaterra. Trotsky e a Oposição de Esquerda Internacional, em sua luta contra a opressão da autocracia estalinista, logo no início da guerra, em 1939, defendeu o direito da Ucrânia à independência, quando ainda existiam as bases soviéticas, sobre as quais originalmente conquistou a sua autodeterminação. Essa posição programática se opunha à burocracia oligárquica russa e à nacionalista ucraniana. Ao não se percorrer o caminho da real independência, a Ucrânia se tornou peão das forças desintegradoras do capitalismo, do confronto militar e dos perigos de uma guerra.
O fracasso da intermediação da França, para se chegar a um acordo entre Estados Unidos e Rússia, demonstra que o imperialismo norte-americano se mantém inflexível em ceder a um acordo de “neutralidade” da Ucrânia, e admitir que a Rússia permaneça no controle das fronteiras e conserve a anexação da Crimeia. O reconhecimento do parlamento russo da independência de Donetsk e Luhansk oficializa um golpe sobre a unidade territorial da Ucrânia. É por essa via que Putin pressiona Volodmir Zelensk, presidente da Ucrânia, a aceitar um acordo que proíba a OTAN de se instalar no país. O reconhecimento das duas repúblicas, que se autoproclamaram “popular”, é a forma legal para avançar as tropas russas no interior da Ucrânia. Esse passo de Putin, com apoio dos partidos no parlamento, inclusive o do Partido Comunista, indica que o governo chegou à conclusão de que o impasse pode obrigá-lo a avançar uma força de ocupação, com o risco de guerra na Ucrânia.
Os Estados Unidos, no momento em que concentravam suas atenções na guerra comercial com a China e nas operações típicas de cerco militar, não esperavam essa ofensiva da Rússia. A ascensão econômica da China e a recuperação da Rússia, que saiu enfraquecida do desastre do desmoronamento da URSS, nas condições de crescentes impasses da economia mundial e, em particular, interna aos Estados Unidos, têm alterado a relação de forças no âmbito internacional. O imperialismo norte-americano já não pode assegurar, nos termos do pós-guerra e do colapso da URSS, as mesmas posições de dominação mundial. A ousadia de Putin de cercar a Ucrânia e exigir a segurança da Rússia contra a escalada militar da OTAN, bem como de obter apoio estratégico da China, revela profundas mudanças na ordem internacional, montada sob a égide dos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial.
O que está se passando na Ucrânia é uma erupção da contradição entre as forças produtivas altamente desenvolvidas, as relações de produção capitalistas e as fronteiras nacionais. Nesse marco, emergem as contradições do aumento da concentração de riqueza e ampliação da pobreza, miséria e fome das massas. Os capitalistas, em toda a parte, vêm impondo contrarreformas que mutilam a força de trabalho e travam o desenvolvimento econômico dos países semicoloniais. O período de pouco mais de dois anos de enfrentamento à pandemia pôs à luz do dia o quanto a burguesia não tem como proteger os explorados, o quanto os monopólios farmacêuticos se aproveitaram da catástrofe humana para acumular fortunas, e o quanto as potências projetaram a guerra comercial por cima da montanha de mortos.
Agora, a possiblidade de guerra na Ucrânia retrata a dimensão da crise mundial de direção revolucionária, que se iniciou com a destruição das bases soviéticas da Revolução Russa pelo estalinismo, a liquidação da III Internacional, a degeneração dos partidos comunistas estalinizados em todo o mundo e a implantação generalizada da política de conciliação nos sindicatos. O confronto entre os Estados Unidos e a Rússia, por enquanto, emerge sem uma reação do movimento operário internacional. A passividade das massas na Rússia, Ucrânia, Polônia, Alemanha, França e, em praticamente, toda a Europa expressa a necessidade de superar a crise de direção. Somente o proletariado, organizado e empenhado em derrotar as ações contrarrevolucionárias da burguesia, tem como responder às tendências destrutivas da crise capitalista.
O Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI) vem fazendo uma campanha contra a guerra imperialista com suas Declarações, empunhando o programa internacionalista do proletariado. A união dos operários e demais explorados russos, ucranianos, norte-americanos, poloneses, franceses, alemães e dos demais países envolvidos é o ponto de partida para a união revolucionária mundial das massas, para derrotar o imperialismo e arrancar do poder a burocracia oligárquica russa, reconstituindo o poder proletário soviético. A defesa da autodeterminação da Ucrânia e de sua reconstituição soviética é parte do combate à guerra de dominação capitalista e imperialista. Essa luta é muito importante para a vanguarda com consciência de classe recuperar a tradição científica do marxismo e trabalhar no terreno sólido aplainado pelo Programa de Transição da IV Internacional, que deve ser aplicado de acordo com as novas condições do capitalismo em decomposição e da vitória final do imperialismo sobre a URSS.
As bases materiais e sociais da transição do capitalismo ao socialismo continuam vigentes. Trata-se de construir os partidos marxista-leninista-trotskistas, como parte da reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional, para o proletariado encarnar a tarefa de reiniciar o processo de transição do capitalismo ao socialismo, iniciado com a revolução de Outubro de 1917 e com a edificação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
O Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional chama os explorados do mundo todo a reagirem ao confronto militar na Ucrânia, com seu programa e política próprios.

Pelo fim da OTAN. Imediata retirada das bases militares da Polônia, Romênia e outros países. Expulsão dos Estados Unidos da Europa.

Pelo fim do desmembramento e anexação territorial da Ucrânia! Pela reintegração de russos e ucranianos em Donetsk e Luhansk!

Pela união da classe operária contra a guerra, pelo fim do capitalismo e pela retomada da transição do capitalismo ao socialismo!

Pela derrota do nacionalismo pró-imperialista e restauracionista! Pelo internacionalismo proletário!

Não à guerra! Sim, à revolução socialista!