• 28 mar 2022

    Declaração do CERQUI – Um mês de guerra

Declaração Cerqui

Um mês de guerra

Os Estados Unidos e aliados europeus são os maiores responsáveis pela barbárie

É preciso que a classe operária e os demais explorados se levantem pelo fim da OTAN e das bases militares norte-americanas!

Faz parte dessa luta anti-imperialista, a defesa da autodeterminação da Ucrânia

26 de março de 2022

Desde os primeiros sinais da possibilidade da Rússia invadir militarmente a Ucrânia, o Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI) e suas seções denunciaram que os Estados Unidos estavam promovendo a guerra. Ao ordenarem a Zelenski que não aceitasse um acordo de neutralidade, o imperialismo norte-americano decidiu por tornar o povo ucraniano em bucha-de-canhão. Esse ponto de partida da guerra tem sido ocultado pela imprensa controlada desde a Casa Branca.

Completado um mês da incursão militar russa, a Ucrânia se encontra em ruínas, milhares morreram e milhões se refugiaram. O governo de Zelenski e o imperialismo propagandeiam que a Rússia pode ser derrotada pela resistência heroica da população. O que justificaria o envio de armas e mercenários contratados em vários países.

A última peça da campanha norte-americana é a de que as tropas russas poderiam usar armas químicas e nucleares. Sabemos perfeitamente que em uma guerra tudo pode acontecer, a depender das forças em combate e do momento em que se encontra o desenvolvimento do confronto. Mas nada indica que o governo de Putin chegou ao ponto do desespero de recorrer às armas químicas e nucleares. É bom lembrar que os Estados Unidos inventaram o motivo das armas químicas para invadir o Iraque, em 2003, passando por cima do Conselho de Segurança da ONU, arrasando o país, destituindo o governo, montando um julgamento de crime de guerra, e decretando a pena de morte de Saddam Hussein.

O imperialismo norte-americano há muito se tornou um perigo para a humanidade. O sinal mais evidente e definitivo foi dado no momento que o governo Harry Truman usou o Japão, no final da Segunda Guerra Mundial, para fazer o teste da bomba atômica. Os Estados Unidos não somente se armaram com capacidade de eliminar países inteiros, como se tornaram o mais voraz vendedor de armas. A indústria bélica norte-americana se encontra amplamente entrelaçada à economia interna e externa, bem como ao Estado.

As guerras – foram muitas depois da segunda conflagração mundial – são de interesses umbilicais dos monopólios da indústria bélica e dos monopólios conexos, como os da energia etc. A OTAN se constituiu em um de seus principais braços militares na Europa, ao lado de países de outros continentes, que lhes servem de base militar. Os Estados Unidos promoveram uma gigantesca militarização do mundo, após a Segunda Guerra Mundial. Essa era e é a condição para a maior potência garantir a partilha do mundo, estabelecida em Ialta, sob a sua égide. O que implicava voltar todas as forças da burguesia mundial contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O fato da URSS, na partilha do mundo, contar com a Alemanha Oriental e com o Leste Europeu se tornou um grande obstáculo à dominação imperialista.

A necessidade crescente de mercado se constituiu em uma força propulsora do militarismo imperialista, principalmente com o esgotamento do período de reconstrução do pós-guerra. Não era possível a convivência pacífica entre os Estados Unidos e seus aliados com a URSS, que passou a incluir as repúblicas populares do Leste Europeu. O mesmo ocorria com a Iugoslávia, nos Balcãs e a China revolucionária, no Oriente.

As fronteiras nacionais, que protegiam a propriedade social e o processo de transição do capitalismo ao socialismo, teriam de ser derrubadas, e restauradas as relações capitalistas de produção. O que se faria, ou pela guerra, pela ação da própria burocracia governante, ou pelos levantes populares internos, que poderiam derivar em guerra civil. Caminhos que poderiam ser combinados.

O Leste Europeu caiu como castelo de cartas, depois de fracassadas as intervenções militares do Kremlin na Polônia, Hungria e Checoslováquia. A Iugoslávia foi destroçada por uma guerra civil e pelos bombardeios da OTAN na Sérvia. A URSS se desmoronou, mergulhada em uma profunda crise econômica e política, dando lugar a mais longa e sangrenta guerra civil na república separatista da Chechênia.

Os Estados Unidos e as potências europeias puderam, assim, passar por cima das fronteiras do Leste Europeu, demarcadas na Segunda Guerra, restabelecer o regime da propriedade privada dos meios de produção, impor governos serviçais e instalar a OTAN. A Iugoslávia teve um fim mais trágico, uma vez que se despedaçou em várias repúblicas burguesas, perdeu a unidade econômica e elevou às alturas o ódio nacional. A Alemanha capitalista se reconstituiu, se reergueu como principal potência europeia, e está pronta para se rearmar.

A dissolução da URSS deu lugar a novas fronteiras nacionais, com a diáspora das ex-repúblicas soviéticas. A fragmentação da URSS resultou em uma grande regressão econômica, A Rússia e as repúblicas que compuseram a nova federação saíram enfraquecidas, sem poderem conviver em harmonia econômica, e pressionadas pelas crises internas. Veio à tona o problema da opressão nacional, típica do capitalismo imperialista. As relações de opressão, que estavam mais ou menos ocultas sob a URSS burocratizada e restauracionista, ficaram completamente expostas.

É nesse marco que explodem dois grandes conflitos: o da Geórgia e o da Ucrânia. Ambas ex-repúblicas soviéticas se colocaram na mesma trajetória das ex-repúblicas do Báltico, de se sujeitarem à União Europeia e à OTAN. Caso chegassem a esse ponto, o cerco econômico e militar do imperialismo à Rússia praticamente se fecharia.

A oligarquia burguesa e o governo Putin não tiveram como convencer as oligarquias burguesas e os governos da Ucrânia e da Geórgia a renunciarem a esse objetivo. Sob o impacto do colapso da URSS, irromperam os movimentos separatistas da Ossétia do Sul e Abecácia, entre 1991 e 1993, assim, desencadeou-se a guerra, em 2008, entre a Geórgia e Rússia. Em cinco dias, a Geórgia estava vencida, e a França mediava o acordo de paz.

A eclosão da crise na Ucrânia em 2014, como se vê, não foi um caso isolado. A derrubada do governo pró-Rússia e a instalação de um títere da União Europeia e dos Estados Unidos projetaram em toda a região os conflitos fronteiriços, indicando a influência do imperialismo. As forças econômicas das potências passaram da recuperação das fronteiras nacionais do Leste Europeu para a incorporação das ex-repúblicas soviéticas. Tratava-se, portanto, da expansão do capital internacional por cima das fronteiras da ex-URSS.

É completamente falsa a acusação de Biden e seus asseclas europeus de que a invasão militar da Rússia na Ucrânia expressa desígnios expansionistas. O correto é que a Rússia, enfraquecida economicamente, necessita conservar sob a sua tutela as ex-repúblicas soviéticas, sem as quais perderá a independência conquistada pela revolução de Outubro de 1917 e cairá de joelhos diante dos Estados Unidos. Mas, para manter tal poder, tem de exercer a opressão nacional. A Ucrânia é estratégica à Rússia, tanto para conter o avanço dos adversários na guerra econômica, quanto para manter a capacidade de influenciar o ordenamento internacional, regido pelo imperialismo norte-americano.

Os acontecimentos mostram que há uma interdependência entre a autodefesa da Rússia diante do cerco das potências e a opressão nacional,  exercida sobre as ex-repúblicas soviéticas. A guerra na Ucrânia sintetiza essa contradição. E não há como explicá-la em toda a sua dimensão, sem se recorrer às consequências econômico-sociais e ao significado histórico do processo restauracionista, impulsionado pelas forças contrarrevolucionárias, desde que Stalin e sua camarilha se apossaram da direção do partido bolchevique, do comando do Estado Operário e da direção da III Internacional.  Instaurou-se uma crise de direção revolucionária mundial sem precedentes, cujos brutais reflexos se manifestam na guerra da Ucrânia.

O predomínio do nacionalismo burguês e pequeno-burguês entre as massas oprimidas nas ex-repúblicas soviéticas e ex-repúblicas populares do Leste Europeu explica por que se mantêm nas trevas e não reagem contra a aliança imperialista, chefiada pelos Estados Unidos. E não são capazes de reconstituir sua unidade revolucionária internacionalista contra a opressão nacional exercida pela Rússia restauracionista, pela oligarquia que se apoderou da propriedade nacionalizada e pelo governo antioperário de Putin.

A guerra completou um mês sem perspectiva de um acordo de paz. As mais importantes cidades da Ucrânia continuam sendo bombardeadas e espalham-se as ruínas. Não se sabe precisamente o quanto a resistência ucraniana atingiu as tropas russas, mas se sabe que o fornecimento de armas pela OTAN a Zelenski, o apoio da população ao governo e a arregimentação de batalhões de mercenários têm dificultado a rendição da Ucrânia.

Os Estados Unidos se encontram em uma posição relativamente confortável. Assiste ao povo ucraniano servir de bucha-de-canhão, à onda migratória favorecer à hipocrisia do humanitarismo, à Rússia se bater com as sanções econômicas e a crescer a campanha junto à classe média em favor da condenação de Putin. Ao imperialismo, interessa que a Rússia debilite a Ucrânia, e depois a entregue para o capital financeiro reconstruí-la. Essa é uma variante possível, tomada do ponto de vista estratégico. Interessa-lhe potenciar o ódio nacional aos russos, já discriminados pela oligarquia ucraniana e pela política chauvinista de Zelenski.

Ao completar um mês da guerra, Biden se reuniu com o Conselho Europeu, o Grupo dos 7 (G7) e OTAN. Há uma apreensão das potências europeias sobre maiores estragos econômicos, caso a guerra se prolongue e as sanções, exigidas pelos Estados Unidos, aumentem. A elevação para mais de 3,5 milhões o número de refugiados começa a pesar nas contas e nas condições sociais da Polônia. E o pedido desesperado de Zelenski, para que Biden determine à OTAN impor uma zona de exclusão aérea e enviar aviões de guerra às Forças Armadas ucranianas, precisava de uma resposta, ainda que não passasse de uma manobra.

As potências europeias fixaram a posição de evitar um confronto direto com a Rússia, que poderia derivar em uma guerra de maiores proporções. Biden anunciou uma ajuda de U$ 1 bilhão ao governo da Polônia. O mais importante, porém, foi o compromisso de aumentar a “assistência militar” a Zelenski, reforçar a OTAN e enviar mais soldados para a Hungria, Eslováquia e Romênia. Tudo indica que as sanções econômicas chegaram ao limite suportável à Europa Ocidental; e a interferência direta da OTAN na guerra continua dividindo as forças do imperialismo.

Nessas condições, não se sabe quanto tempo mais a Ucrânia resistirá. Para a classe operária ucraniana e russa e os demais explorados, quanto mais durarem os bombardeios, mais sofrimento desnecessário, uma vez que não se trata de uma guerra de libertação. O povo ucraniano está sendo sacrificado por uma causa que pertence apenas à oligarquia burguesa e ao imperialismo. A classe operária russa assiste à destruição de cidades inteiras na Ucrânia, mas paga caro pelos gastos de guerra e pelas sanções econômicas. Os explorados da Europa e dos demais continentes arcam com o aumento dos preços, do pesado custo de vida, da queda econômica, do fechamento de fábricas e do crescimento do desemprego.

A burguesia foi incapaz de defender as massas da pandemia, que deixou um rastro de 6,5 milhões de mortos, e milhões que foram empurrados à pobreza, miséria e fome. Agora, com a guerra na Ucrânia, os Estados Unidos e seus servis aliados impõem ao mundo medidas econômico-financeiras que recaem em toda a parte, mas principalmente sobre os países semicoloniais. São motivos de sobra para que o proletariado mundial se levante contra a insana guerra de dominação. Somente não se unem os explorados da Rússia aos da Ucrânia, os da Ucrânia aos de toda a Europa e os da Europa aos de todo o mundo, devido à crise de direção revolucionária. Mas, a sua vanguarda, ainda que embrionária, tem em suas mãos a orientação internacionalista do marxismo-leninismo-trotskismo.

Mantêm-se vigentes as bandeiras erguidas pelo Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional: Desmantelamento da OTAN e das bases militares dos Estados Unidos; Fim das sanções econômicas; Retirada das tropas russas, Integralidade territorial e Autodeterminação da Ucrânia. De conjunto, essas bandeiras e tarefas revolucionárias correspondem ao programa dos Estados Unidos Socialistas da Europa e do Mundo. Esse é o caminho para unir o proletariado e preparar as condições para as inevitáveis guerras de emancipação que virão.

O capitalismo há muito só tem a oferecer privações à maioria oprimida e guerras. A destruição da URSS interrompeu o processo de transição do capitalismo ao socialismo, mas não eliminou as suas bases objetivas e a necessidade de ser reconstituído pelas revoluções proletárias.