• 27 abr 2022

    Declaração do CERQUI – Dois meses de guerra

Declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI)

Aos trabalhadores e à juventude oprimida

Dois meses de guerra

Estados Unidos recrudescem a ofensiva contra a Rússia

Somente a classe operária em luta pode enfrentar o imperialismo e a barbárie

                                                                               26 de abril de 2022

O CERQUI denunciou que os Estados Unidos mostraram claro interesse em bloquear um acordo de paz e prolongar a guerra o máximo possível. A concentração de forças na região de Donbass, o afundamento do portentoso navio “Moskva”, da frota do Mar Negro e o abastecimento constante de armamentos sofisticados indicaram  dificuldades da Rússia em derrotar a resistência da Ucrânia.  Qualquer motivo é utilizado para não se chegar a um acordo.  É o que demonstrou o recente encontro entre António Guterres, secretário-geral da ONU, e Vladimir Putin, presidente da Rússia.

O imperialismo norte-americano, que dirige os passos do governo Zelenski, vem sustentando a continuidade da guerra com uma vasta campanha mundial de isolamento da Rússia e esmagamento econômico; bem como farto financiamento, envio de armas e instrução aos militares ucranianos. Quanto mais durar a guerra, quanto maior for a destruição material e de vidas, mais as forças russas serão atingidas e enfraquecidas. O prolongamento da guerra agrava a situação econômica na Europa e em todo o mundo. Empresários da indústria pesada e sindicatos da Alemanha pediram ao governo que detivesse a guerra e não avançasse com as sanções, uma vez que podem causar danos à economia, que levariam muito tempo para reparar.

Os Estados Unidos e a sua aliança europeia não precisaram, até o momento, intervir diretamente. A estratégia de aguardar os impasses da guerra e apoiar-se na capacidade de resistência das forças ucranianas, estão dando ao imperialismo frutos. Biden avalia que se tornou possível assegurar uma posição de superioridade de Zelenski nas negociações, de maneira a não aceitar o controle russo sobre a região de Donbass. Porta-vozes do governo norte-americano afirmam ser possível uma derrota da Rússia. Ainda que não seja esse o resultado do desfecho da guerra, o imperialismo conta com um enfraquecimento econômico e militar da Rússia.

A decisão de Biden de enviar armas de maior poder de destruição – como tanques, mísseis, caças-bombardeiros e drones – corresponde a uma fase de agudização da guerra, cujo perigo de se estender para além das fronteiras da Ucrânia e da Rússia está posto. É sintomático que o Pentágono tenha se reunido com os capitães da indústria militar – entre eles, a Lockheed Martin Corp e Rayton Co – para fornecer prontamente os armamentos que abastecerão as Forças Armadas da Ucrânia. Cumpre-se uma velha exigência dos Estados Unidos para que a Europa arque com os custos da OTAN e aumente seus orçamentos militares. A escalada armamentista se amplia em meio à guerra, e deve continuar tendo impulso no próximo período em que a guerra comercial dos Estados Unidos contra a China, há algum tempo em curso, deverá ser mais ofensiva.

O esgotamento da partilha do mundo na Segunda Guerra, a superprodução e o agigantamento do parasitismo financeiro vêm gestando um quadro de confronto entre nações, que se assemelha a uma situação de pré-guerra mundial. A conflagração na Ucrânia foi e está sendo impulsionada e potenciada pelo intervencionismo norte-americano, que conta com a OTAN como um braço armado europeu e mundial. Os Estados Unidos já despejaram US$ 2,6 bilhões em armamentos, e, agora, Biden elevou para US$ 3,7 bilhões. A União Europeia contribuiu com US$ 1,6 bilhão. Bastam esses dados oficiais para se constatar o empenho do imperialismo, para levar às últimas consequências a diretriz de fazer da Ucrânia bucha de canhão, diante de uma Rússia desesperada com o avanço do cerco militar da OTAN e a crescente perda de controle das ex-repúblicas soviéticas. A reunião do Secretário de Estado dos EUA, Antony Bliden, e do chefe do Pentágono, Lloyd Austin, com Zelenski, em solo ucraniano, foi um gesto de apoio à continuidade da guerra e de descarte das negociações de um acordo imediato.

No momento em que a guerra cumpre dois meses, a meta do Pentágono é a de exaurir o máximo possível a capacidade econômica e militar da Rússia. É certo que a Rússia esteja pagando caro pela guerra. O seu prolongamento aumentará o peso das perdas humanas e militares, que acabarão se tornando um fator de crise política no interior da Rússia. O imperialismo espera que haja uma cisão na oligarquia que ampara o governo Putin desde antes da guerra, e se destampem pressões da pequena-burguesia. A Europa também está pagando caro pela guerra, cuja economia está ficando mais debilitada.

A intensificação dos bombardeios e a desarticulação da resistência em Donbass – cujo dramático sintoma tem sido o cerco russo ao complexo de siderurgia-metalurgia Azovstal de Mariupol e a exigência de rendição da 36ª infantaria e do batalhão Azov, originado de grupos paramilitares fascistas – têm pendido a favor da Rússia. Tudo indica, porém, que, se as forças russas não controlarem rapidamente Donbass, a chegada de sofisticados armamentos poderá dificultar ainda mais a Putin anexar a região. É o que os Estados Unidos esperam ocorrer.

As manifestações de classe média na Europa Ocidental contra a Rússia não prosperaram. É bem provável que os governos não estão sentindo a necessidade de mobilizações, que poderiam abrir caminho para manifestações contrárias aos Estados Unidos e à OTAN. A guerra e as sanções econômico-financeiras já atingem a pequena e lenta recuperação, após a queda causada pelo longo tempo da virulenta pandemia. A elevada inflação tem provocado perdas significativas para os explorados. É bem provável que a classe operária e os demais trabalhadores reagirão mais cedo do que se pode prever. E se depararão com a guerra e suas catastróficas consequências. A combinação da estagnação com a alta inflação alimenta as latentes tendências de revolta entre os trabalhadores.

O fato de não ter sido fácil a reeleição de Emmanuel Macron, na França, neste 24 de abril, preocupou as autoridades da União Europeia, que temiam a vitória da ultradireita nacionalista, representada por Marine Le Pen. Macron vem tendo um papel de destaque na aliança norte-americana. A abstenção no segundo turno foi de 28,2%, 2,8% acima da ocorrida nas eleições de 2017. Macron, portanto, foi reeleito por uma baixa margem de votos, considerando a somatória das abstenções com os votos de Le Pen. Macron obteve 58% dos votos, Le Pen, 42% e abstenções, 28,2%. Seu governo foi marcado por grandes manifestações dos “coletes amarelos” e por greves operárias, que reagiram às contrarreformas trabalhista e previdenciária. A burguesia, em toda a Europa, inevitavelmente, continuará a descarregar a crise econômica e a desintegração do capitalismo sobre as massas, que terão de se movimentar.

Os desastres da pandemia se ligam e se potenciam com os desastres da guerra. Os explorados, desorganizados e atomizados, porém, não têm podido reagir à guerra com seu programa, política e métodos próprios de luta. Mas os bloqueios políticos e ideológicos que impedem o rompimento da inércia ou da quase inércia se chocam com as necessidades mais elementares da classe operária e dos demais explorados. As reivindicações elementares têm tudo para convergir com as bandeiras de luta contra a guerra de dominação, que se desenvolve na Ucrânia. Essa é a via mais provável de combate dos oprimidos contra a burguesia e os seus governos. A ação direta e a organização independente são a condição para a classe operária se colocar pelo fim da guerra, que já dura dois meses, e que, por enquanto, não há perspectiva de acabar.

A crise de direção se mostra de corpo inteiro, diante de uma guerra que assinala uma mudança substantiva nas relações mundiais, determinadas pelas potências, tendo à frente os Estados Unidos. O Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional vem realizando uma campanha sistemática em torno ao conjunto de bandeiras: fim da guerra; desmantelamento da OTAN e das bases militares norte-americanas; revogação das medidas econômico-financeiras contra a Rússia; autodeterminação, integralidade territorial e retirada das tropas russas da Ucrânia. Esse conjunto indecomponível de bandeiras permite à vanguarda revolucionária lutar pela unificação da classe operária russa, ucraniana, polonesa, de toda a Europa e mundial. Um passo que se dê nesse caminho favorece o trabalho dos marxista-leninista-trotskistas, voltado à superação da crise de direção, que se materializa na luta por reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.

A conflagração na Ucrânia se assenta no capitalismo da fase imperialista de decomposição, que é de guerras, revoluções e contrarrevoluções. Deita suas raízes na destruição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que se ergueu como uma cidadela mundial da luta de classes e instrumento da transição do capitalismo ao socialismo, iniciada com a Revolução Proletária de Outubro de 1917. Eis por que a Rússia, em fase adiantada de restauração do capitalismo, não pode travar uma guerra de libertação anti-imperialista e anticapitalista, e não pode deixar de exercer a opressão nacional sobre as ex-repúblicas soviéticas. Ao mesmo tempo, a Rússia, enfraquecida com a dissolução da URSS, tem de ceder caminho ao capital financeiro e multinacional. A autodefesa, promovida pelos meios e métodos da opressão nacional, graças à conservação do poderio militar, alcançado pela URSS na Segunda Guerra Mundial, não é capaz de evitar o avanço do cerco imperialista.

Emergem nessas condições de desintegração do capitalismo, de guerras, revoluções e contrarrevoluções, os fundamentos marxistas da revolução mundial e do programa que se sintetiza na estratégia dos Estados Unidos Socialistas da Europa, erguido pela Revolução Russa, pela constituição da URSS e edificação da III Internacional da época de Lênin. Vem à tona, com toda a clareza, o significado contrarrevolucionário do revisionismo estalinista do marxismo-leninismo e a destruição da organização soviética, e a importância histórica da luta liderada por Trotsky contra a expropriação da classe operária pela burocracia termidoriana e do retrocesso histórico imposto nas condições em que a revolução política, concebida pelo marxismo-leninismo-trotskismo, não pôde se concretizar. O avanço da contrarrevolução estalinista corresponde também à derrota de todas suas concepções revisionistas que fracassaram: de que era possível “construir o socialismo em um só país, de que havia um “imperialismo democrático”, de que era possível “a coexistência pacífica com esse imperialismo”. A história demonstrou, dramaticamente, que suas políticas levam à restauração capitalista.

A URSS acabou sendo arrastada pelas forças restauracionistas e sucumbiu. A Rússia não teve outro percurso a fazer senão o de se sujeitar ao capitalismo mundial. Somente a classe operária pode combater essa via destruidora das conquistas históricas da Revolução de Outubro. Baseada na experiência do próprio processo de restauração, do desmoronamento da URSS, das guerras de opressão nacional e da incapacidade da burocracia contrarrevolucionaria, vinculada à oligarquia burguesa russa, de conter o cerco e o avanço do imperialismo sobre as ex-repúblicas soviéticas, sobre a base dessa experiência se retomará o programa e as conquistas da revolução socialista. Eis por que é muito importante que a vanguarda compreenda as leis históricas que levaram à guerra na Ucrânia, e lute sob as bandeiras que, de fato, unam a classe operária mundial, e, em particular, a russa, ucraniana e europeia.