• 02 fev 2022

    Declaração CERQUI – Escalada militar em torno à Ucrânia

Declaração CERQUI

Escalada militar em torno à Ucrânia

Somente o proletariado organizado e em luta pode responder com seu programa e política próprios aos perigos da guerra

1 de fevereiro de 2022

A Rússia não pretende invadir e ocupar a ex-República Soviética da Ucrânia. Sua esperança é a de obter um acordo que estabeleça um limite para a expansão da OTAN e o armamento das ex-Repúblicas Populares do Leste Europeu e ex-Repúblicas Soviéticas, que vêm servindo de vassalas ao imperialismo. Os cem mil soldados, postos na fronteira com a Ucrânia, foram a única forma que o governo de Putin teve para abrir caminho às negociações. Se não fosse assim, os Estados Unidos da América (EUA) e aliados europeus, por meio da OTAN, apertariam ainda mais o cerco, incluindo a Ucrânia e a Geórgia no sistema de vassalagem.

Desde a desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), os EUA impulsionam um movimento de isolamento gradual da Rússia, uma vez que o imperialismo não pode conviver com uma potência regional, que como tal está obrigada a conservar seu poder econômico e militar sobre as inúmeras nacionalidades, que estiveram sob o domínio do velho império russo, e que se emanciparam com a revolução proletária de Outubro, vindo a constituírem-se como Repúblicas Socialistas Soviéticas, e membros federativos da URSS.

A Rússia deixou de ser uma potência imperial, sujeita aos avanços do capitalismo na época imperialista, em 1917, com a vitória da revolução, para se tornar uma cidadela da luta do proletariado mundial contra o capitalismo e a dominação imperialista. Ergueu-se em meio à Primeira Guerra Mundial e à guerra civil, e, imediatamente, garantiu o direito à autodeterminação dos povos oprimidos, e permitiu que se tornassem repúblicas independentes, livres do jugo imperial da Grã-Rússia, e livres para se associarem em uma federação socialista.

O imperialismo europeu, encabeçado pela Inglaterra e França, não conseguiu matar a revolução no nascedouro, e impedir que emergissem nações livres, voltadas a desenvolver o socialismo e a resistir ao combate mundial do imperialismo contra a sua estabilização e desenvolvimento. O proletariado e as massas camponesas deram milhões de vidas para derrotar a Alemanha, e impedir que a aliança imperialista vencedora (Entente) arrastasse a região sovietizada para a partilha do mundo imposta pelos vencedores.

A revolução proletária, não apenas libertou as nacionalidades oprimidas, como impediu que caíssem nos braços das potências saqueadoras. A revolução proletária na Rússia rompeu um elo da cadeia do capitalismo, e o nascimento da URSS estabeleceu uma poderosa trincheira para o desenvolvimento das bases do novo regime socialista e da revolução mundial. A destruição da URSS se tornou o objetivo central do imperialismo. A sua derrocada resultaria na interrupção da transição do capitalismo ao socialismo, e, portanto, na derrocada geral do movimento revolucionário mundial.

A derrota esmagadora da Alemanha, na Primeira Guerra, perante a qual a Rússia revolucionária teve um papel de primeira magnitude, e a derrota das forças imperialistas, voltadas a esmagar a revolução, estabeleceram a base inicial da fortaleza que se erguia com enormes sacrifícios da classe operária e dos camponeses pobres, enfrentando a ruína da economia, a generalização da fome e a proliferação das epidemias.

A Ucrânia, em particular, foi fundamental para o enfrentamento à contrarrevolução. A Alemanha, já derrotada, mantinha sua ocupação, em outubro de 1918. Os vencedores, Inglaterra, França e Estados Unidos, instavam os alemães a se manterem na Ucrânia, até que pudessem substituí-los. Em julho de 1919, o Exército Vermelho combatia a contrarrevolução, diretamente alimentada pela Entente, com armas e homens. O desenvolvimento da luta revolucionária e sua vitória na guerra civil, na Ucrânia, foram decisivos para firmar o curso de constituição da URSS. No presente, um século depois, voltou a ser uma região de guerra civil e de intervencionismo imperialista.

A derrubada do governo pró-Rússia na Ucrânia, em 2014, foi um dos sintomas da restauração capitalista, desintegração da URSS, enfraquecimento da Rússia e subordinação das ex-repúblicas populares do Leste e parte das ex-repúblicas soviéticas. O processo de restauração, que despontou já em 1923-1924, com a ascensão de Stalin ao poder, ganhou novas formas na Segunda Guerra Mundial, com a participação da URSS, nos acordos de uma nova partilha do mundo. A dissolução da III Internacional, em 1943, fez parte desse movimento retrógado, que refletia inúmeras derrotas do proletariado neste período. É importante não desconhecer e não perder de vista as raízes do choque da Rússia com o imperialismo norte-americano, que passou a ter uma nova dimensão com o desmoronamento da URSS.

A tentativa de realizar a restauração capitalista por meios pacíficos, acordados e administrados, se mostrou inviável. Internamente, o fim da URSS se deu nas condições de decomposição do Partido Comunista, de divisão na oligarquia governante, e de golpe de Estado, dando lugar a esmagamentos de revoltas e eclosão de guerras civis. Externamente, os Estados Unidos passaram a montar o cerco à Rússia, por meio da OTAN. Os Estados vassalos, que passaram a fazer parte desse braço armado das potências, servem de cobertura à intervenção do imperialismo norte-americano, a exemplo da Polônia.

Entre 2001 e 2002, o presidente George W. Bush fez uma ofensiva para realizar a incorporação, na OTAN, em cadeia, dos países que se desprenderam da URSS e do Pacto de Varsóvia. Evidenciou a Putin que a expansão era irreversível. E incitou as ex-repúblicas a ajudarem militarmente a Aliança Atlântica, no sentido de entregar seus territórios à instalação de bases militares. Agora, com a afronta de Putin, pesados armamentos foram transferidos dos países bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia) para a Ucrânia. Essa resposta norte-americana reforça a constatação de que, objetivamente, o cerco militar que se fecha em torno à Rússia é uma ameaça à sua segurança.

Os EUA somente não foram mais ofensivos devido a desacordos entre os aliados europeus. Se dependesse da Inglaterra, a OTAN já teria dado passos mais ofensivos. Mas, as reticências da França e a resistência da Alemanha não têm permitido, por enquanto, estabelecer uma unidade voltada ao confronto aberto com a Rússia. Uma conflagração no território ucraniano, que contasse com a intervenção das forças imperialistas do Ocidente, certamente, provocará um estrago econômico em toda a Europa. Basta o fato de a Rússia abastecer em 30% de petróleo e 40% de gás natural os países europeus, e, em especial, a Alemanha, para se compreender o cuidado como estão tratando a escalada militar. Biden ameaça, com sanções econômicas, a Rússia; Putin conta com os interesses da Alemanha, França, Itália, Hungria, etc.

A reunião do Conselho de Segurança da ONU, convocada pelos EUA, contra o voto da Rússia e da China, não passou de um teatro de acusações conhecidas, mas refletiu a pressão do imperialismo norte-americano, junto aos membros da OTAN, em favor da escalada militar. Permanecem secretas a Carta dos EUA e a resposta da Rússia, emitidas depois do fracasso das negociações, em janeiro. Pelo teor da continuidade do choque, se sabe que os EUA mandaram as exigências de Putin às favas.

A disputa territorial da Rússia com a Ucrânia se fez por meio da anexação da Criméia, em 2014, logo após a vitória do referendo em favor da Rússia, sabe-se que foi uma ação forçada, embora tenha parecido democrática e pacífica. Já nas regiões de Donetsk e Lugansk, continua o rescaldo da guerra civil. A Rússia exige que sejam reconhecidas as respectivas repúblicas. O fortalecimento militar da Ucrânia representaria para a Rússia a continuidade da disputa territorial. O imperialismo não aceitou a perda da Criméia, ponto estratégico para o cerco à Rússia.

Em toda essa escalada militar, se sabe pouco sobre a atitude da classe operária, dos camponeses e da classe média. Tudo indica que a população, pouco informada e envolvida nos acontecimentos, espera uma solução diplomática, sem se dar conta de que está colocada a possibilidade de uma guerra, que começaria em solo ucraniano, e que, uma vez iniciada, poderia se tornar o epicentro de uma grande convulsão na Europa. As tendências cegas da desintegração do capitalismo, do agravamento das disputas comerciais, e da potenciação do militarismo, se fazem presentes no confronto da Rússia com os Estados Unidos, tendo a Ucrânia como campo de batalha.

Há que se considerar o agravamento da guerra comercial entre os EUA e a China, principalmente com as medidas unilaterais tomadas pelo governo Trump, e seguidas pelo seu sucessor Biden. O governo chinês se viu obrigado a se alinhar com a Rússia, uma vez que necessitará dessa aliança, quando o conflito em torno a Taiwan tomar a dimensão que alcançou na Ucrânia.

A ordem mundial, que se edificou no final da Segunda Guerra, vem sendo paulatinamente desintegrada. A vitória do imperialismo contra as conquistas revolucionárias do proletariado mundial, que culminou com o desmoronamento da URSS, resultou, não na preservação dos equilíbrios de forças do pós-guerra, mas em um novo período de desequilíbrios, em que expressam a caracterização do marxismo-leninismo-trotskismo, de que o imperialismo é a etapa última do capitalismo, e, portanto, de guerras, revoluções e contrarrevoluções.

As forças produtivas altamente desenvolvidas não mais cabem na partilha do mundo, resultante das duas grandes guerras. A URSS e seus satélites no Leste Europeu não poderiam sobreviver fechados em suas fronteiras, sem que a revolução proletária avançasse no continente europeu e demais latitudes. A hegemonia norte-americana se impôs como uma força contrarrevolucionária poderosa. A revolução na China poderia ser um fator decisivo na balança do processo de transição do capitalismo ao socialismo, mas padeceu do mesmo mal do nacionalismo, do burocratismo e do afastamento dos explorados na condução e decisões do Estado.

A República Soviética da Rússia começou a sofrer da degeneração, logo que a classe operária perdeu o controle dos órgãos de poder soviéticos criados pela revolução. A burocracia estatal, que se formou acima das massas operárias e camponesas, acabaria por sucumbir às pressões capitalistas e da ofensiva das potências contra o comunismo.

A Rússia, depois de tantas concessões aos EUA, se viu obrigada a reagir contra o cerco da OTAN, mas não com os métodos do proletariado, completamente erradicado no processo de restauração. Mas sim com o mesmo método exercido pelo imperialismo, para se impor às nações oprimidas. As populações das ex-repúblicas soviéticas perderam a confiança nos propósitos da burocracia ditatorial, que passou a exercer a opressão nacional ainda no marco da URSS. Onde se manifesta opressão nacional, não há socialismo, mas capitalismo. No caso da ex-URSS, a restauração do capitalismo.

É com essa compreensão histórica – que expressa o programa da revolução e do internacionalismo proletários – que a vanguarda com consciência de classe terá de responder à ameaça de guerra, e à guerra se vier a se impor.

Na declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional, de 18 de janeiro, se define a seguinte posição: “A política do proletariado mundial se volta contra o domínio imperialista e contra a burocracia restauracionista. O seu programa é o da revolução mundial, aplicado nas condições particulares da luta de classes, em cada país e região. A resposta à crise europeia se sintetiza na luta pelos Estados Unidos Socialistas da Europa. A vanguarda ucraniana com consciência socialista deve lutar contra as forças que a arrastam para a guerra, com a bandeira “Por uma Ucrânia Soviética Independente”. Na Rússia, erguer a bandeira de reconstituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sobre a base do programa da revolução de Outubro de 1917. Nos EUA e na Europa imperialistas, cabe aos explorados voltarem-se contra a militarização, a expansão da OTAN e a preparação da guerra, lutando sob a bandeira da revolução e do internacionalismo proletário. Não à guerra de domínio imperialista! Sim à guerra de classe contra a burguesia, pela derrocada do capitalismo e retomada da transição do capitalismo ao socialismo! Essa luta proletária depende da vanguarda com consciência de classe reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional”.

Diante da escala militar dos EUA e da OTAN, coloca-se a bandeira pelo fim da OTAN, e retirada imediata de suas bases militares nas ex-repúblicas populares do Leste Europeu e nas ex-repúblicas soviéticas. Na Rússia e na Ucrânia, combater sob a bandeira de autodeterminação das nações oprimidas, pela derrubada da burocracia governamental e da oligarquia burguesa, sob o programa de recuperação das conquistas da revolução proletária e da reconstituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Esse é o programa e a luta que unifica o proletariado e os demais explorados para marcharem sob a bandeira de fim das guerras imperialistas e pelos Estados Unidos Socialistas da Europa.