• 03 jul 2023

    Editorial: Imperialismo conta com a crise provocada pelo Grupo Wagner

Editorial do Jornal Massas nº 692

Em meio a sinais de fracasso da contraofensiva das Forças Armadas da Ucrânia, emerge uma revolta do Grupo Wagner russo, formado por mercenários e comandados por Ievegni Prigozhin. Essa milícia organizada no processo de restauração capitalista e liquidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) evidencia a mais completa destruição do Exército Vermelho, criado pela Revolução Russa de 1917. As Forças Armadas da Rússia, que foram edificadas com seus escombros e firmadas sobre suas cinzas, correspondem à vitoriosa contrarrevolução pró-capitalista, encarnada pela burocracia estalinista, que chegou nos anos de 1980 e 1990 em profunda decomposição. A degeneração do Estado Operário pelo processo de burocratização e a eliminação da democracia soviética inevitavelmente comprometeriam o caráter revolucionário de classe do Exército Vermelho e o levaria a se tornar instrumento da restauração capitalista.
As atuais circunstâncias da guerra na Ucrânia e a decisão de Priogozhin em contestar o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e o chefe do Estado-maior, Valeri Gerasimov, exigem demonstrar o significado da criação e utilização de uma empresa militar privada para servir de auxiliar ao exército russo. Como é de conhecimento público, os Estados Unidos são os maiores promotores de braços mercenários em suas intervenções externas no Oriente Médio e África. As denúncias de que o governo norte-americano se valeu fartamente desses grupos privados nas guerras do Iraque e Afeganistão – o mesmo percurso tem trilhado a Inglaterra e França – evidenciaram a que ponto chegou a putrefação do capitalismo e de sua democracia burguesa.
A Rússia, sob o governo de Putin, seguiu o exemplo do imperialismo potenciando o Grupo Wagner em ações externas, como na guerra da Síria, Líbia etc., diferenciando-se apenas por não ter legalizado em forma da lei a utilização de mercenários. Esse fenômeno causou discussão na ONU, que em nada resultou, a não ser a confirmação de que se trata de uma modalidade lucrativa na indústria capitalista das guerras.
Há um fator histórico, no entanto, que deve ser posto à luz do dia. A Rússia se pôs no mesmo caminho do imperialismo quanto ao uso de forças de guerra não estatais como resultado da restauração capitalista e da substituição do Exército Vermelho que serviu de defesa da revolução proletária pelo Exército “Branco” que serviu e serve à contrarrevolução burguesa que derrubou a URSS. As mudanças no Exército Vermelho começaram sob a ditadura burocrática de Stalin e concluíram nas condições de aberta restauração capitalista. Não há como não reconhecer a justeza da posição de Trotsky de que o avanço da burocratização do Estado soviético implicava uma revisão antimarxista-leninista do caráter de classe da violência e das Forças Armadas. Em luta contra o termidor estalinista, Trotsky, no escrito “A Revolução Traída”, expõe os perigos do revisionismo que muda de conteúdo de classe a natureza e a função histórica das Forças Armadas. Eis:“O exército da ditadura do proletariado deve ter, segundo o programa do partido, ‘um nítido caráter de classe, isto é, compor-se exclusivamente de proletários e camponeses pertencentes aos grupos mais pobres semiproletários da população dos campos. Esse exército de classe só se tornará uma milícia socialista após a supressão das classes’.”
Os Estados Unidos e sua aliança europeia em nenhum momento puderam denunciar a Rússia por lançar no confronto militar o Grupo Wagner, a não ser acusá-lo de “cometer crime de guerra”, como se essas potências que fizeram a Ucrânia bucha de canhão não fossem os maiores criminosos de guerra da época imperialista do capitalismo. Agora, viram no motim chefiado por Prigozhin um sinal de divisão no interior da cúpula militar e do governo Putin, que, se se consolidar, favorecerá a contraofensiva da Ucrânia, que não se mostrou à altura para alcançar o objetivo de reconquistar a região de Donbass e pôr fim à sua anexação pela Rússia.
O acordo que levou ao recuo das tropas do Grupo Wagner, mediado pelo presidente da Belarus, Aleksandr Lukashenko, evitou um confronto em solo russo, o que seria muito favorável à aliança imperialista e à contraofensiva da Ucrânia. Muito se especulou sobre o que teria levado Prigozhin a voltar as armas contra Moscou, ainda que não tivesse capacidade militar para derrubar a cúpula militar das Forças Armadas da Rússia e, assim, o próprio governo Putin. Mas, o mais provável é que os mercenários se sentiram ameaçados com as exigências de que cedessem a disciplina própria e se colocassem sob o comando do ministério da Defesa.
Putin caracterizou como traição, mas teve de aceitar um acordo de pacificação. Sua comparação histórica com a tomada do poder pelo proletariado e os camponeses pobres em outubro de 1917, para dizer que os russos não devem derramar sangue russo, não passou de retórica. Mas, teve o sentido de lembrar os perigos de uma revolução, que de fato não têm a ver com as condições políticas do momento e expor o seu reacionarismo como parte responsável pelo processo de restauração capitalista e desintegração da URSS. O certo é que o Grupo Wagner é uma criatura da contrarrevolução e que dela se aproveitou para fazer negócios.
A crise político-militar foi contornada, mas não resolvida. A instalação do comando de Prigozhin na Belarus ensejou o pedido dos países do Báltico para que a OTAN fortifique as suas fronteiras. O imperialismo irá tirar o máximo de proveito do conflito no interior das forças russas para prolongar a guerra e reforçar o armamento da Ucrânia. A contraofensiva terá ainda de mostrar a sua eficácia. A bandeira da paz passou a ser manipulada inclusive por Zelensky. Mas se trata de um jogo do imperialismo, que objetiva enfraquecer as fileiras da Rússia e pressionar os seus militares à capitulação.
O problema continua sendo o atraso da classe operária em se levantar contra a guerra, a começar pelos países do bloco europeu, pela Ucrânia e Rússia. As radicais manifestações na França contra o assassinato pela polícia de um jovem, que se seguiu às greves contra a reforma da previdência de Macron, indicam as profundas tendências de luta de classes na Europa. Pouco antes, em Portugal milhares de manifestantes ganharam as ruas de importantes cidades sob a bandeira “Parar a guerra! Dar uma oportunidade à paz”, assumida pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP). Trata-se de confluir as lutas contra a opressão capitalista com a defesa do fim da guerra na Ucrânia.
Somente o proletariado à frente da maioria oprimida, com seu programa e seus métodos de luta, pode empunhar a bandeira de fim da guerra, por uma paz sem anexação e sem nenhuma imposição do imperialismo.