• 15 ago 2023

    Editorial: Não à “paz” do imperialismo

Editorial do Jornal Massas nº 695

Não à “paz” do imperialismo  

A classe operária e os demais trabalhadores querem o fim da guerra. São 18 meses de enfrentamento. A Ucrânia se acha em ruína. O número de mortos ainda está por ser revelado. No entanto, se sabe que são milhares. As sanções econômicas impostas pela aliança imperialista à Rússia aprofundaram a crise econômica, atingindo principalmente a Europa, mas acabaram alastrando-se mundialmente. O que foi agravada como resultado da própria guerra, que atingiu as vendas de grãos da Ucrânia. O acordo de liberação das exportações da Ucrânia pelo Mar Negro, recentemente, foi interrompido pela Rússia. Um sinal de recrudescimento da guerra, nos marcos da contraofensiva das Forças Armadas ucranianas. O fato de atingir principalmente a África, obrigou Vladimir Putin a prometer o envio de alimentos para os países mais atingidos.

A cúpula de São Petersburgo, realizada no final de junho, evidenciou a disputa que o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, trava com a Rússia para dividir as nações africanas em torno à guerra da Ucrânia. O fato da maioria do denominado ‘Sul Global’ não ter se alinhado a Joe Biden se tornou um grande problema para o imperialismo isolar a Rússia, e obrigar Putin a ceder às pressões políticas e militares. A quebra do acordo “Iniciativa Grãos do Mar Negro” poderia ter reflexos negativos para Putin na África. O choque aberto do Ocidente com a Rússia e a sua relação com a guerra comercial travada no Indo-Pacífico com a China puseram à luz do dia as disputas econômicas e militares que se desenvolvem no Continente africano, cujas expressões políticas mais contundentes emergem neste exato momento em torno ao golpe de Estado no Níger.

A cúpula Rússia-África de 2019 contou com a presença de 43 países, dos 54. Desta vez, acataram o chamado do Kremlin apenas 17. Os motivos, sem dúvida, são a guerra da Ucrânia e ação da aliança ocidental junto aos governos africanos. Mas, a não presença apenas significou evitar um alinhamento a um dos polos dos choques que abalam a Europa por tanto tempo.

A participação da China, na figura de Xi Jinping, teve uma significativa projeção sobre as nações africanas, que vêm se abrindo à penetração dos capitais chineses. A guerra comercial toma forma explosiva na África, como se observa com as ameaças de intervenção militar no Níger, sob a orientação dos Estados Unidos e França. Se se avança nesse sentido, as nações africanas serão jogadas umas contra as outras. A maior presença militar no Continente é, de longe, a do Ocidente, mas não se pode desprezar a crescente influência da Rússia e da China. Está aí por que a África espelha em grande medida o que se passa na Ucrânia e no Indo-Pacífico.

Vladimir Putin e Xi Jinping aproveitaram a cúpula São Petersburgo para discutir a “restauração da paz na Europa”. Essa é uma bandeira que vem sendo trabalhada e popularizada. A China tomou a dianteira, apresentando uma proposta de 12 pontos para a discussão, em fevereiro. O que colocou os Estados Unidos e aliados em desvantagem, uma vez que se evidenciou o interesse do imperialismo em ir às últimas consequências com a guerra, responsabilizando a Rússia por todos os seus males. Biden e seu serviçal Zelensky responderam com a provocação de que a Rússia deveria capitular e se submeter ao julgamento de crime de guerra.

Na cúpula da OTAN, de julho, em Vilnius, as potências decidiram por aumentar o armamento das Forças Armadas Ucranianas, mantendo a linha de prolongar a guerra, mesmo estando claro que a contraofensiva estava fracassada e que o pleito de Zelensky de envolver diretamente a OTAN não poderia ser aceito. A União Europeia teme a extrapolação da guerra. É sintomática a decisão da Polônia de militarizar sua fronteira com a Bielorrússia, em resposta à presença do mercenário Grupo Wagner. A Lituânia exortou a fortalecer a presença da OTAN em seu território pelo mesmo motivo. A Polônia se mostra propensa a aceitar o programa Nuclear Sharing, que faculta ao imperialismo instalar ogivas nucleares nos Estados membros da OTAN. O que seria uma resposta à possibilidade de a Rússia implantar armas nucleares táticas na Bielorrússia. A escalada militar se tornou um fator impulsionador da crise mundial. A guerra na Ucrânia foi um estopim, que fez aparecer a ponta do iceberg.

É nos marcos do conjunto desses acontecimentos que se realizou a “cúpula pela paz”, em Jeddah, patrocinada pela Arábia Saudita, em 6 de agosto. O Oriente Médio, em certo grau, como a África, também está envolvido na questão do alinhamento com o Ocidente ou da manutenção diplomática no campo da “neutralidade”, como assim se declara a maioria dos países do Sul Global, entre eles, o Brasil. A aproximação da Arábia Saudita com a China, que serviu de intermediário a um acordo do país árabe com o Irã, levou os Estados Unidos a aumentarem as pressões na região contra o avanço dos capitais chineses e da influência política. A Rússia, evidentemente, não poderia ser chamada a participar da cúpula de Jeddah. Mas, a China, considerada aliada em certa medida da Rússia, esteve presente. Sua ausência não seria aceita por muitos países do Sul Global e do G-20.

Zelensky aproveitou para apresentar os 10 pontos, cuja essência é a mesma do repetido ultimato de Biden, para que a Rússia se renda e arque com todas as consequências da guerra. A China utilizou a pantomina para reapresentar os seus 11 pontos. Ao ex-chanceler brasileiro e assessor para Assuntos Internacionais do governo Lula, não foi preciso muito para prever o fracasso da cúpula, sabendo-se que “é impossível ignorar as preocupações de segurança da Rússia”. Mas, a função da cúpula não era de dar um passo à frente nas negociações sobre a paz. Segundo informação, apesar de não se aprovar uma declaração conjunta, avalia-se que “os países concordaram que o respeito pela soberania e integridade territorial a Ucrânia deve ser o cerne das futuras negociações de paz Rússia-Ucrânia.”

Os Estados Unidos, logicamente, elogiaram o resultado, mas “Washington aconselhou cautela”, diante da China e de seu plano de paz. A Rússia olhou para Jeddah como uma “encenação”. De fato, foi teatral, mas indicou a necessidade do imperialismo agir em torno à bandeira da paz, considerando que a guerra chegou a um impasse e que aumenta a inquietação das massas e povos com a longevidade da conflagração. Biden, em particular, em meio à disputa eleitoral nos Estados Unidos, cuja temperatura da crise política é elevada, tem de se valer desse tipo de encenação, como justificativa para sua política de guerra diante da Rússia, se vestindo de pacifista e de adepto do princípio da soberania dos países oprimidos, quando fez da Ucrânia um peão de sua estratégia internacional, de impulsionar a escada militar. As pressões para que os países da África Ocidental intervenham militarmente no Níger são mais uma prova de que o imperialismo é avesso à soberania nacional de qualquer semicolônia e é anexador por natureza.

Há que se concluir que somente a classe operária, unida e em luta pode combater pelo fim imediato da guerra, sob a bandeira de paz sem anexação. E pode unir os povos africanos contra o imperialismo saqueador. O programa da classe operária internacional, já comprovado historicamente, responde à luta contra as guerras de dominação, as anexações e as violações do direito à autodeterminação das nações oprimidas.