• 27 ago 2023

    Editorial: A crise mundial impulsiona os choques, as polarizações e os realinhamentos

Editorial do Jornal Massas nº 696

A crise mundial impulsiona os choques, as polarizações e os realinhamentos

A decisão do Brics de ampliar seu número de países de cinco para onze, na 15º cúpula de Johanesburgo, expressou um movimento de antagonismos econômicos, comerciais e políticos, que vêm se desenvolvendo com o esgotamento das relações internacionais estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial. Trata-se de um processo de esgotamento da recomposição das forças produtivas maciçamente destruídas, da partilha do mundo decidida nos acordos de Potsdam e Yalta e da restruturação das instituições internacionais sob a hegemonia dos Estados Unidos. Tem particular importância as décadas de 1980 e 1990. Nesse período de vinte anos, a China abriu caminho para a penetração do capital multinacional, o Leste Europeu retornou à órbita das potências europeias, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foi desmoronada sob a ação de forças restauracionistas e os Estados Unidos recrudesceram sua ascendência econômico-militar mundial.

A sucessão de acontecimentos tão amplos e profundos se deram sobre a base de uma nova etapa da crise mundial, que se seguia depois de interregno do pós guerra. De todos, o mais significativo do ponto de vista histórico foi a liquidação da URSS. As vitórias da contrarrevolução, chefiada pelos Estados Unidos, no entanto, não serviram senão de válvula de escape às contradições do capitalismo da época imperialista. As forças produtivas altamente avançadas voltaram a se chocar frontalmente com as relações de produção e distribuição, bem como com as fronteiras nacionais. A guerra comercial voltou a se erguer em patamares elevados. As tendências bélicas se potenciaram. As inúmeras guerras civis e de intervenção do imperialismo não puderam ser evitadas. A guerra desfechada pelos Estados Unidos contra o Iraque tem particular relevância. Expressou o declínio da maior potência e a incapacidade das demais em contê-la em suas ações militares.

Tomadas de conjunto, expressam o processo de decomposição do capitalismo em escala mundial. A guerra na Ucrânia deita raízes nesse antecedente. Resguardando as diferenças, o mesmo fenômeno se passa com a atual guerra comercial dos Estados Unidos com a China. As forças produtivas controladas pelos Estados imperialistas se esbarram na ascensão econômica chinesa e na manutenção do vasto território farto em meios naturais controlados pela Rússia. A ofensiva do imperialismo nessas duas frentes é impulsionada, ao mesmo tempo, devido ao processo interno de decomposição da economia nos Estados Unidos e na da Europa, motivado pelo esgotamento da partilha da Segunda Guerra, da gigantesca crise de superprodução e do excesso de capital parasitário.

A formação de blocos, a adoção de acordos regionais e os tratados de alinhamentos econômicos se esgotam e fracassam diante do choque entre as forças produtivas e as relações de produção. As fronteiras nacionais, por mais que sejam rebaixadas sob ação do imperialismo, tanto econômico, quanto militarmente, continuam a obstaculizar as forças produtivas altamente internacionalizadas. É nesse marco que se formaram o Grupo dos 7, reunindo as potências, o Grupo dos 20, um pouco mais amplo e o Brics. A noção geral é a de que se agregam alinhados e não alinhados. No fundo, os interesses das potências, em especial os dos Estados Unidos, colidem com os dos países capitalistas de economia atrasada.

O impulso das tendências desintegradoras do capitalismo vem elevando a temperatura dos conflitos a um patamar convulsivo. A guerra comercial com a China favorece a escalada militar, como parte da guerra na Ucrânia. Se dependesse do imperialismo e fossem outras as circunstâncias, o recente golpe de Estado no Níger teria se transformado em guerra entre nações africanas. Eis por que o movimento entre os cinco países do Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – para incorporar mais países e o acordo alcançado na Cúpula de Johanesburgo evidenciam as rupturas internacionais e os novos alinhamentos que se desprendem da guerra comercial. Tudo indica que foi acentuada a influência da linha estratégica dos Estados Unidos e de sua aliança imperialista frente ao controle regional da Rússia na Eurásia e à consequente guerra na Ucrânia.

As sanções econômico-financeiras desfechadas logo no início da guerra contra a Rússia afetou a economia mundial como um todo e trouxe à tona os perigos que encerram o controle quase absoluto dos Estados Unidos sobre o funcionamento do sistema financeiro internacional. O fato de a China exercer uma posição de aliada ou semialiada da Rússia e ocupar um lugar de grande destaque na economia mundial, de um lado, e se encontrar frente a frente aos interesses do imperialismo norte-americano, de outro, certamente, dinamizou a ampliação do Brics. O ingresso da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Argentina configura a crescente influência da China. No fundo, estão a guerra da Ucrânia, o afrouxamento dos laços colonial-imperialista tecidos após a Segunda Guerra e o descenso da hegemonia norte-americana.

O Brics surgiu com o propósito de unir os chamados países emergentes para promover suas economias. O princípio que formalmente o guiou foi o de não conflitar com o domínio do Grupo dos Sete. O que estava em acordo com os negócios dos banqueiros, que viram nessa união um meio de projetar os seus investimentos. Foram reduzindo suas expectativas na medida em que a China liderava um movimento à margem do controle dos Estados Unidos e das instituições internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial etc.). Considerada nesse sentido, a decisão da 15ª Cúpula do Brics resultou, sobretudo, em um feito favorável à China, pelo menos neste momento. Foi veementemente condenada pelo ex-economista-chefe, Jim O’Neill, do banco Goldman Sachs. Seu parecer foi muito utilizado pelos porta-vozes do imperialismo por ter sido considerado quem batizou a organização de Bric, depois Brics, com o ingresso da África do Sul. As autoridades norte-americanas procuraram amenizar o ocorrido.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, procurou justificar com o pronunciamento de que o Brics ampliado não pretende fazer “contraponto ao G7 ou ao G20, nem aos Estados Unidos.” As divergências internas ao governo brasileiro foram expostas. Certamente, as posições de política externa do governo Lula vêm abrindo um flanco de crise, que não tiveram ainda maiores consequências porque a dependência da agroexportação perante a China é significativa. Não se sabe ainda até que ponto o novo Brics servirá à China em seu enfrentamento com os Estados Unidos, e à Rússia encontrar uma solução para a guerra na Ucrânia.

No momento, está refletindo o crescimento da penetração econômico-comercial da China na África, Oriente Médio e América do Sul. O que assinala a projeção da guerra comercial e das tendências bélicas. Se o propósito de “democratizar a ONU” vai prosperar não tem transcendência, não passa de um desejo dos reformistas pequeno-burgueses brasileiros. Se a adoção de uma forma de transação que não seja monopolizada pelo dólar vai se ampliar e se firmar, depende da correlação de força que emergirá da guerra comercial e da escalada militar. Esse também é um desejo de Lula, que sintomaticamente reflete o declínio dos Estados Unidos, envoltos pela crise mundial.

Do ponto de vista da classe operária, o Brics não corresponde a um movimento anti-imperialista das nações oprimidas, embora esteja em choque com os interesses das potências. Os interesses em questão são de ordem eminentemente capitalistas. Em toda a parte, a burguesia vem descarregando a crise sobre a maioria oprimida. Trata-se de defender o programa de reivindicações dos explorados e desenvolver a estratégia da revolução social. Nos países imperialistas, está colocada a frente única operária, nos países oprimidos, a frente única anti-imperialista. A luta contra a ofensiva reacionária do imperialismo, chefiado pelos Estados Unidos, está nas mãos da classe operária. Cabe à vanguarda com consciência de classe lutar com todo empenho para superar a crise de direção.