• 13 set 2023

    50 anos do golpe fascista no Chile

50 anos do golpe fascista no Chile

Somente o proletariado pode condenar com seu programa o golpe fascista de Pinochet

O presidente chileno, Gabriel Boric, preparou uma grande comemoração para condenar o golpe fascista de 11 de setembro de 1973 e defender a democracia. Essa mesma linha foi seguida pela maioria dos governos latino-americanos. É como se democracia e ditadura fascista não fossem variantes de regime político do sistema capitalista. Mas, o correto é que são expressões distintas da dominação da mesma classe social, a burguesia. Embora não sejam indiferentes para a luta emancipadora do proletariado, tanto a democracia como o fascismo têm como denominador comum a ditadura de classe da minoria exploradora sobre a maioria explorada. Seja sob a democracia, seja sob a ditadura fascista, ambos regimes se assentam na preservação da propriedade privada dos meios de produção e na melhor forma possível de exploração do trabalho. A classe operária e os demais trabalhadores lutam contra o fascismo para acabar com a ditadura de classe dos capitalistas, e não para perpetuar a democracia burguesa. Da mesma forma, lutam contra a democracia para que a burguesia não a substitua pelo fascismo em determinadas condições de profunda crise no seio do poder dos capitalistas, e para derrubar o Estado burguês, acabando com a ditadura de classe dos exploradores, que será suplantada pela ditadura de classe do proletariado e por sua democracia classista.

O fascismo, como está comprovado historicamente, é último recurso do grande capital, reconhecidamente na época de domínio do imperialismo, para preservar a ditadura de classe da burguesia e as relações de propriedade correspondentes. Não por acaso, emergiu nos países de economia avançada, cuja maior expressão se encontra na Alemanha com a experiência nazista. A ditadura fascista destrói fisicamente a vanguarda revolucionária e parte das direções sindicais e populares; fecha os sindicatos; acaba com o sistema partidário que sustenta a democracia; e impõe o terror às massas e aos seus movimentos. Esses são os efeitos do golpe do general Pinochet, que se assemelham aos de Hitler. No entanto, por ocorrer em um país atrasado e semicolonial, a raiz do fascismo chileno se encontra no imperialismo, que rege as relações mundiais por meio do capital financeiro e dos monopólios. As suas raízes sempre estiveram expostas, mas se tornaram ainda mais visíveis com a abertura de parte dos arquivos da CIA. O presidente norte-americano Richard Nixon interveio na crise política que se aprofundou no Chile com a vitória eleitoral da Frente Popular, montada pelo Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista (PCCh).

O Brasil foi uma peça fundamental na América Latina para preparar, executar e consolidar a derrubada do presidente socialdemocrata, Salvador Allende. A ditadura militar do general Garrastazu Médici pôs o serviço secreto, os militares e os empresários brasileiros à disposição dos generais, empresários e partidos chilenos, que se sentiram fortalecidos pelo amparo do imperialismo norte-americano e pela ditadura brasileira.

Não há como atribuir os horrores das prisões em massa, dos campos de concentração, das torturas, dos assassinatos e do desaparecimento de corpos somente a Pinochet e sua camarilha fascista. Não se trata apenas do golpe mais sangrento e bárbaro ocorrido na América Latina, mas de um golpe de tipo fascista preparado pelos Estados Unidos e impulsionado pelo Brasil. Não se trata apenas de militares obscurantistas, mas da ação da burguesia imperialista, comandada desde Washington, e da burguesia semicolonial chilena, brasileira, argentina e de outros países do continente.

No Chile, devido à fraqueza de sua burguesia nacional e as particularidades de sua tradição democrática, foi possível gestar um movimento impulsionado pelo PS e PCCh no sentido de realizar tarefas democráticas da nação oprimida, como a reforma agrária, o controle dos recursos naturais pelo Estado, a redução das desigualdades sociais etc. A tese de Allende, seguida pelo estalinismo, de que se tratava de obter pela via da democracia mudanças socialistas, procurou convencer os explorados de que a burguesia estava preparada para aceitar a via pacífica, uma vez que o governo de Unidade Popular (UP) se opunha aos métodos e meios da revolução violenta. A via pacífica da “revolução socialista” asseguraria mudanças graduais, sem, portanto, violar as relações capitalistas de produção. O governo de Frente Popular poderia pactuar mudanças com setores da burguesia, de forma que estaria assegurada a grande e pequena propriedade privada. As estatizações se limitariam a alguns setores de segurança nacional, a exemplo das reservas naturais e da indústria extrativista mineira. As nacionalizações seriam constitucionais, e assegurada a indenização aos capitalistas.

No fundo, o governo Allende se assentava no nacionalismo burguês e pequeno-burguês, que como tal recorre ao capitalismo de Estado. A bandeira do socialismo democrático era conveniente para constituir a Frente Popular com o PCCh, obscurecer os olhos da classe operária e atrair a pequena burguesia rural e urbana. Sob esse mar de rosas, as contradições econômicas e sociais se agudizavam. O imperialismo não estava disposto a ceder pacificamente o controle das ricas reservas naturais, os latifundiários reagiam contra a reforma agrária, a Igreja excomungava o suposto marxismo, o movimento social se fortalecia na esperança de que o governo da UP seria capaz de cumprir o seu programa eleitoral e, sobretudo, os cordões industriais ameaçavam a grande propriedade e a situação mundial era de ofensiva da “Guerra Fria” do imperialismo contra a URSS, China e Cuba. Fervilhavam os movimentos anticoloniais e de libertação nacional. O imperialismo, as burguesias latino-americanas e dentre elas a chilena cercaram o governo da UP. Promoveram uma inédita crise econômica, em meio a qual os Estados Unidos e o Brasil orquestraram a revolta dos caminhoneiros. Com o desabastecimento, aumentaram as forças centrífugas da crise política.

As manifestações contrárias a Allende passaram a se apoiar no sentimento das massas de que não haveria como a UP resolver os problemas. Cresceram as reações dos latifundiários contra os camponeses que não estavam preparados para reagir. Os cordões industriais, controlados por direções da esquerda reformista, foram sendo isolados da maioria oprimida. O imperialismo montou uma grande operação voltada à contrarrevolução. No centro das maquinações e das arregimentações fascistizantes, se ergueu o general Pinochet, que era Comandante e Chefe do Exército do Chile, portanto, um homem de confiança de Allende.

O golpe foi sendo preparado à vista da Unidade Popular. Os partidos da direita e ultradireita, sob a orientação do Partido Democrata Cristão, controlavam o Congresso Nacional, atravancaram a governabilidade e serviram à conspiração golpista. A classe operária, desarmada de seu partido revolucionário e influenciada pela frente política de colaboração de classe da Frente Popular não teve como transformar os cordões industriais em trincheira para resistir à marcha do golpe fascista. Sem o armamento dos operários e camponeses, os generais fascistas tiveram todas as facilidades para planejar com os EUA a derrubada violenta do governo e liquidar fisicamente a vanguarda, que se achava em sua grande maioria subordinada à utopia das transformações pacíficas e graduais pela via de um governo eleito e da manutenção do parlamento.

A experiência mostra que o movimento golpista se gestou no seio da própria democracia e às vistas da Unidade Popular, que assistiu a sua derrocada, sem recorrer ao levante das massas e ao armamento dos explorados. Pinochet, rodeado de militares, policiais, empresários, partidos francamente contrarrevolucionários, bispos, freiras, advogados, juízes, enfim rodeado das forças que compõem a dominação de classe, e apoiado nos governos Nixon, Kissinger, Médici e toda reação burguesa da América Latina enviou a Força Aérea para bombardear o Palácio de La Moneda em uma operação de guerra, quando sequer havia um movimento armado capaz de resistir e derrotar a contrarrevolução pela via da guerra civil. A corrente mais à esquerda, mas que não deixou de se subordinar, o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), de orientação castro-guevarista, pretendeu recorrer às armas, mas completamente isolado e em situação de desespero pequeno-burguês, que nada podia fazer diante da derrocada passiva do governo, do PS e do PCCh.

Allende preferiu a morte à fuga, assim preservaria a memória de um governo burguês, que fez os explorados acreditarem que era possível levar o Chile ao “socialismo” pela via da democracia burguesa, da manutenção do poder dos grandes proprietários dos meios de produção e da coexistência pacífica com os Estados Unidos, com o imperialismo em geral e com os governos latino-americanos carrascos de seus povos. Os tanques ocuparam as avenidas de Santiago. A polícia passou a prender em massa. O Estádio Nacional estava preparado para se tornar um campo de concentração e os centros de torturas já haviam sido montados clandestinamente. Assim, os fascistas venceriam pelos métodos da guerra e do terror.

O governo Allende se negou a preparar uma reação ao fascismo. E as organizações operárias e populares estavam, antes de tudo, desarmadas ideológica e politicamente pela política de colaboração de classes, pela Frente Popular arquitetada pelo PCCh e PS e por um governo burguês de características tipicamente pequeno-burguesas. A classe operária, os camponeses e camadas da pequena burguesia pagaram caro pelas ilusões do “socialismo pela via democrática e gradual”. Os seus destacamentos de vanguarda foram golpeados de morte e de mutilação política.

A tragédia chilena não deve ser motivo de ocultar a verdade histórica. A Frente Popular e o governo de Unidade Popular de Allende são responsáveis por uma grande traição. Essa verdade ainda não foi passada a limpo, uma vez que se trata de uma tarefa que somente um partido revolucionário poderá cumprir. Diante do caráter embrionário do Partido Operário Revolucionário (POR), membro do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI), esse objetivo se coloca como condição para o próprio desenvolvimento da vanguarda com consciência de classe, que porá em pé o partido marxista-leninista-trotskista.

Nestes 50 anos do golpe fascista, reforça a necessidade de avançar a construção partidária baseada nesta terrível e rica experiência. O programa que se elabora está profundamente marcado pela compreensão histórica da contrarrevolução fascista, que levou, por responsabilidade da Unidade Popular, a uma grande regressão política e ideológica que terá de ser superada. No momento que a vanguarda com consciência de classe der um passo de construção no seio do proletariado, haverá um salto de qualidade na luta de classes pela revolução socialista. O triunfo de um golpe fascista, nas condições de regressão geral das forças revolucionárias, como se passou nas décadas de 1970 a 1990, calou fundo não apenas no Chile, mas também na América Latina. O pinochetismo está ainda por ser superado. O que somente vai ocorrer com a construção do partido do proletariado e com a avanço da luta de classes em direção à revolução social.

Os acontecimentos dos anos de 1970 no Chile têm muita lição a oferecer ao proletariado latino-americano e ao seu destacamento mais avançado. O atual governo chileno, montado em torno do presidente Boric, reflete plenamente o atraso na tarefa de arrancar o pinochetismo da vida nacional. Sete anos após o golpe, em setembro de 1980, Pinochet conseguiu realizar um referendo para que os chilenos aceitassem o prolongamento da ditadura, aprovando uma Constituição à sua imagem e semelhança. Somente em 1988, o referendo alcança uma maioria para interromper a permanência do ditador fascista no poder. Mesmo assim, 44% da população se colocou pela permanência. A eleição presidencial de dezembro de 1989 elegeu Patricio Aylwin do Partido Democrata Cristão, como representação da Concertação de Partidos pela Democracia. O mesmo partido que ajudou Pinochet a dar o golpe passa a ocupar o poder do Estado. Aliado à democracia cristã, o PS de Allende compõe a Concertação. A transição da ditadura para a democracia vinha sendo preparada desde a crise de 1982, quando se formaram a Aliança Democrática e o Movimento Democrático e Popular, e se deram os primeiros sinais de protestos populares. Pinochet saiu o poder em 1990, mas deixou seu legado autoritário. Morreu sem ter recebido qualquer punição. Mesmo no Chile, ainda há arquivos secretos sobre os crimes da ditadura.

Os governos da Concertação – PDC e PS – são os principais responsáveis pela força do pinochetismo que ainda move a ultradireita. A democracia de Allende abrigou o golpe fascista; e a democracia de Aylwin e da Concertação protegeu o legado pinochetista. O esgotamento do ciclo da Concertação, marcado pelos governos de Ricardo Lago e Michelle Bachelet, ambos do PS, deu lugar à eleição do candidato Sebastián Piñera, da direita que vem do pinochetismo. Nota-se que da ditadura fascista, se passou à democracia regida pelos mesmos protagonistas dos anos de 1970, considerando que o PCCh se manteve agarrado à política de colaboração de classes. Em outubro de 2019, Piñera reprimiu violentamente as multitudinárias manifestações populares, deixando um saldo de 30 mortos e centenas de feridos. Sob a democracia restaurada, se escancarava a ditadura de classe da burguesia.

Todo o exitismo de que o Chile se modernizou sob os 17 anos de ditadura pinochetista se desmoronou. Agravaram-se ainda mais as contradições capitalistas de país semicolonial e ressaltaram a polarização entre riqueza concentrada e pobreza disseminada. O governo assassino de Piñera atestou o fracasso do retorno à democracia e ao objetivo de livrar o país do pinochetismo. Em dezembro de 2021, o candidato Gabriel Boric, foi eleito pela coligação de seu partido Convergência Social com o PCCh, e outras correntes de esquerda. A bandeira de substituir a Constituição pinochetista, que havia sido renovada, foi o principal fracasso do novo governo, cuja aliança com o PCCh garantiu a presença de uma força do passado responsável pela UP. A maioria rejeitou tanto a direita e ultradireita, quanto a centro-esquerda que representam os velhos partidos da burguesia. A esquerda reformista liderada por Boric se mostrou tipicamente pequeno-burguesa. Rapidamente, evidenciou suas debilidades e impotência política. Os sintomas prematuros de esgotamento refletem o processo de desintegração do capitalismo no Chile, como parte da crise mundial.

Boric procurou valer-se dos 50 anos do golpe fascista para ressaltar a democracia burguesa. Mas, foi obrigado a reconhecer a instabilidade de seu governo, que serviu à canalização da revolta popular, para chegar à presidência da República. A Convergência Social e o PCCh são responsáveis por insuflar as ilusões de que as necessidades dos explorados seriam atendidas por um governo de esquerda democrática. E, nesse sentido, serviram ao objetivo da burguesia e do imperialismo de conter a revolta das massas. O político pequeno-burguês, que se projetou desde as lutas estudantis secundaristas, de maio de 2006, sob o governo de Bachelet, discursou na solenidade dos 50 anos dizendo que “a democracia não está garantida, e é dever da democracia estar atenta ao bem-estar da população. Cuidar do meio ambiente, das mulheres. Isso é cuidar da democracia.” O impostor, que foi seguido pelas esquerdas nas eleições, apresentou a Constituinte como o caminho para fortalecer a democracia, deixar para trás a ditadura de Pinochet e iniciar um processo de reduzir as desigualdades sociais e as mais diversas formas de opressão. A Constituinte naufragou e todos os problemas nacionais e sociais continuam sem qualquer sinal de solução. Ao contrário, a tendência é de agravamento da crise chilena.

A burguesia não tem outra via senão descarregar a decomposição do capitalismo sobre a maioria oprimida. O governo Boric não tem como apresentar uma via contrária. Eis por que aproveitou os protestos demagógicos proferidos nos 50 anos da ditadura para reclamar que a “democracia não está garantida”. A direita e ultradireita pinochetistas foram preservadas precisamente pelo compromisso entre os partidos da burguesia de retomar a caricatura de uma nova democracia, ou seja, a democracia da Concertação. O governo de Piñera assassinou e mutilou manifestantes, sem que nada acontecesse aos repressores do povo. E por quê? Porque se passou sob a democracia. Boric venceu o candidato da direita pinochetista, José Antonio Kast, e Piñera deixou a presidência impunemente. Essa é a democracia real. A democracia da burguesia, que funciona como melhor regime político para sua ditadura de classe.

A solenidade em La Moneda – com a presença de inúmeros chefes ou representantes de Estado latino-americanos e de países imperialistas, para condenar a matança, as torturas e todos os horrores praticados pelo golpe fascista de 11 de setembro de 1973 – expõe o cinismo grotesco da política burguesa. Está nas mãos da classe operária e dos demais trabalhadores do Chile acabar com o pinochtismo, acabando com o capitalismo. As experiências com a via pacífica para o socialismo do PS e PCCh são parte da dolorosa aprendizagem dos explorados. Estão na base da luta contra todas as variantes do reformismo, do pacifismo e do democratismo.

O Chile marcha para a revolução proletária. O problema está na inexistência do partido revolucionário, que se encontra em fase embrionária de construção. O futuro da revolução está nas suas mãos e nas da vanguarda ainda dispersa que vem se despertando no Chile. A classe operária latino-americana e de todo o mundo deve combater o fascismo tanto quanto o democratismo burguês de acordo com o programa e as tarefas da revolução proletária.

Acabar com o capitalismo, para acabar com o fascismo!

Viva a luta dos explorados chilenos por sua libertação da ditadura fascista de Pinochet e da cadeia capitalista que os escraviza!

Construir o Partido Operário Revolucionário no Chile!