• 08 out 2023

    Editorial: Por que o imperialismo não busca o fim da guerra

Editorial do Jornal Massas nº 699

Por que o imperialismo não busca o fim da guerra

A Ucrânia está devastada. O sofrimento da população trabalhadora é indescritível. A contraofensiva iniciada em junho não conseguiu romper o controle russo de Donbass. Os ataques a navios no Mar Negro pouco afetaram a capacidade das Forças Armadas da Rússia. As sanções econômicas impostas pelos EUA não chegaram a provocar erosão na economia e minar a estabilidade do governo de Putin. Nem mesmo houve transcendência a tentativa de revolta do Grupo Wagner, seu dirigente máximo está morto e o Kremlin o disciplinou como milícia mercenária. Ao contrário de a aliança imperialista montada por Washington ter conseguido isolar a Rússia da maior parte dos países, a China tem conseguido manter e fortalecer um movimento sob a bandeira do “multilateralismo” e da “pacificação”.

Nas últimas cúpulas e reuniões internacionais, como as do G20 e ONU, os Estados Unidos tiveram que se conter e evitar se impor a qualquer custo, de forma que a ofensiva de apoio militar à Ucrânia se mostrou estancada e com sinais de retrocesso. O conflito da Polônia e Hungria em torno à exportação de produtos agrícolas da Ucrânia, que se acha bloqueada no Mar Negro, refletiu e reflete as dificuldades crescentes para Biden manter intacta a aliança dirigida militarmente pela OTAN.

A população da Europa está exausta com a guerra que chega aos dezenove meses, sem perspectiva de solução. A eleição na Polônia pode ser desfavorável ao atual governo servilmente pró-norte-americano. A vitória do partido opositor nas eleições parlamentares na Eslováquia se baseou, não apenas no descalabro econômico-social do país, como também na reprovação de importante parcela da população trabalhadora à participação na aliança imperialista de apoio à Ucrânia. Fez parte da disputa eleitoral a questão da paz. A situação do governo alemão não é mais cômoda que o da Polônia e da Eslováquia.

A movimentação na Europa, ainda que molecular, de forças contrárias à continuidade da guerra está vinculada à reprovação sofrida por Biden. O recente conflito no Congresso em torno ao Orçamento e à sustentação da gigantesca dívida pública, que não é novo, teve a particularidade de colocar em discussão as divergências sobre a condução dos democratas à guerra na Ucrânia. A atitude dos republicanos de não fazerem corte a Zelensky, quando da reunião da ONU, evidenciou o agravamento das desavenças no seio da burguesia e da política norte-americana, tendo a fábula de recursos despendidos com uma guerra que, para a Ucrânia vencer, depende de ser transbordada de suas fronteiras para a Europa como um todo. Envolver diretamente a OTAN contra a Rússia é acender um estopim para uma possível terceira guerra mundial, para a qual a aliança imperialista não se acha preparada. A disputa entre Biden e Trump pela presidência da República, ainda que dista de um ano, conta com as divergências sobre a Ucrânia. A resistência dos republicanos em incluir US$ 24 bilhões no Orçamento resultou em uma demonstração de que a questão ucraniana já está no âmago do embate eleitoral.

A realização de uma reunião em Kiev com a participação de chanceleres europeus demonstrou mais o enfraquecimento do empenho das potências em enviar mais armas e recursos para Zelensky manter a contraofensiva reconhecidamente fracassada. A ausência dos representantes da Polônia, Hungria e Letônia pesou negativamente no resultado da reunião, que prometeu manter o apoio à Ucrânia. A manutenção da guerra por mais tempo depende em grande medida dos EUA, o maior fornecedor de armas e munições. Os governos europeus assistem atônitos a crescente dificuldade de Biden, que passou a depender de um acordo à parte com os republicanos para cumprir o compromisso com Zelensky de empurrar a guerra para adiante, custe o que custar ao povo ucraniano. Reclamam do desfalque dos estoques europeus de munição.

Em seguida na reunião de Kiev – a terceira cúpula da Comunidade Política Europeia, realizada em Granada, Espanha -, a Alemanha e a Espanha prometeram reforçar a defesa e o ataque das forças ucranianas. Veio à tona, porém, o não cumprimento da resolução que obriga os Estados a aplicarem 2% do PIB do país em apoio à OTAN e ao desenvolvimento armamentista. Não estão pondo em prática em função do agravamento da crise econômica e social, sendo que a guerra tem sido um fator negativo na Europa.

Os riscos de se interromper a entrega de armas à Ucrânia não foi o único problema da cúpula. A Polônia e Hungria se opuseram distribuir as responsabilidades para uma nova onda migratória, que atinge ao mesmo tempo os Estados Unidos. O exemplo de Biden é de um governo que se opunha à política de Trump de levantar um muro na fronteira com o México, e que, agora, acaba de mudar de posição. A migração em massa e a situação de miserabilidade são efeitos da decomposição do capitalismo, em cuja entranha se gestam as guerras e os intervencionismos imperialistas.

Pouco antes da cúpula, o Azerbaijão ocupou o enclave armênio de Nagorno-Karabakh. A disputa territorial entre a Armênia e o Azerbaijão, iniciada com o processo de desmoronamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), levou a uma guerra que foi de 1992 a 1994. A Rússia interveio para que um acordo fosse selado. Mas, a paz se mostrou provisória. No marco da guerra da Ucrânia, o Azerbaijão teve como enfraquecer o papel intervencionista da Rússia. O apoio da Turquia a Baku pesou no prato da balança. A região conta com interesses múltiplos, do Irã, Turquia e Rússia. Os Estados Unidos que estão por toda a parte pressionaram em favor da Armênia. A Rússia nada pôde fazer para manter o acordo de 1994. As ex-repúblicas soviéticas, tanto o Azerbaijão quanto a Armênia, têm sido arrastadas para a órbita da União Europeia e dos EUA. A importância desse acontecimento está em que o imperialismo vem ganhando terreno no cerco à Rússia.

A restauração capitalista que levou à destruição da URSS se passou sob as condições de decomposição do capitalismo mundial e de avanço da contrarrevolução encabeçada pelos Estados Unidos, promovida pela Guerra Fria e amparada pela OTAN. Está bem à vista que as guerras da Chechênia, da Geórgia, do Azerbaijão e da Ucrânia são consequências do processo de restauração capitalista e de liquidação da URSS. Os avanços alcançados pela revolução socialista de 1917, entre eles o direito à autodeterminação das nações oprimidas, retrocederam ao ponto de se restabelecerem um novo patamar às velhas disputas territoriais. A Turquia faz parte da OTAN. Manobra entre os Estados Unidos e a Rússia. Assim age em defesa de interesses particulares na região. A finalização do conflito em torno ao enclave armênio não resolve as contradições que se restabeleceram com o fim da URSS.

A Rússia, seja qual for o resultado final da guerra com a Ucrânia, não tem com interromper o avanço das forças imperialistas na região em que foi edificada a URSS. Está inevitavelmente submetida à decomposição do capitalismo. Essa conclusão é fundamental para a luta revolucionária do proletariado mundial contra as guerras de dominação e por sua conversão em guerras de libertação. O desenvolvimento da guerra na Ucrânia, a emersão de inúmeros conflitos nos mais distintos continentes e a escalada militar que envolve o choque entre os Estados Unidos e a China mostram a importância das posições do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI) e o valor estratégico da bandeira de Paz sem anexação, sem nenhuma imposição da aliança imperialista comandada pelos Estados Unidos. Somente o proletariado, organizado e em luta tem como impor o fim da guerra, por meio de uma paz verdadeiramente democrática.