• 12 maio 2025

    Não há como ocultar ou desconhecer o predomínio das tendências bélicas

Editorial do jornal Massas n° 739

As forças produtivas estão em franco choque com as fronteiras nacionais

A morte do papa Francisco em 21 de abril e a eleição de Leão XIV monopolizaram os noticiários. A campanha diária circunscreveu, em sua essência, que o mundo havia perdidofg um papa magnânimo, voltado aos pobres, protetor das minorias oprimidas e pacifista. Finalmente, o sínodo elegeu um novo papa que, em certa medida, daria continuidade às mudanças que Francisco realizou na orientação católica.

Os reparos a esse “progressismo” recordaram que o bispo Robert Francis Prevost se mostrou avesso à aceitação do identitarismo e da ordenação das mulheres. Também foi lembrado o fato de ter protegido padres denunciados por abusos sexuais. Em compensação, o que mais entusiasmou a imprensa mundial foi a sua declaração pacifista. Exortou o mundo a abraçar: “uma paz desarmada, uma paz desarmadora (…)”.

Estiveram presentes no funeral do papa Francisco autoridades de quase todos os países. Mas se destacou a reunião publicitária de Trump com Zelensky na Basílica de São Pedro. O chefe do imperialismo se sentiu confortável pelo acolhimento do Vaticano e por lhe oferecer um local “sagrado” para se mostrar como promotor da paz entre a Ucrânia e a Rússia.

Nesse exato momento, o governo de Benjamin Netanyahu decidia por aumentar o efetivo das Forças de Defesa de Israel, tendo por objetivo avançar o controle sobre a Faixa de Gaza à custa de uma maior carnificina, da matança indiscriminada de mulheres, crianças e velhos. No dia seguinte à morte do papa, eclodiu o conflito entre a Índia e o Paquistão em torno à disputa territorial pela Caxemira. Enquanto a “fumaça branca” anunciava o novo representante máximo da Igreja Católica, a Índia bombardeava a Caxemira paquistanesa.

No momento em que o ungido papa Leão XIV fazia seu discurso pela paz, na Alemanha, o recém eleito 1º Ministro, Friedrich Merz participava de um culto ecumênico em memória aos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Esse mesmo governo decidiu pelo aumento do orçamento militar e pelo rearmamento como parte do movimento geral da União Europeia em busca de maior capacidade de suas forças destrutivas, em nome da defesa contra o propagandeado expansionismo da Rússia.

O congraçamento entre representantes das potências imperialistas e dos países semicoloniais em torno ao novo papa retrata a fraude religiosa, portanto, ideológica, de uma “paz desarmada, uma paz desarmadora”. As guerras de intervenção imperialista implicam o recrudescimento da opressão nacional. Onde houver opressão nacional, estará por trás ou por cima as potências dominantes.

Uma das vertentes dos comentaristas sobre a eleição do papa foi de que se esperava que viesse ou da Ásia ou da África. Assim, se seguiria uma mudança na secular tradição de o papa ser europeu, com a ascensão do papa argentino. Surpreendeu a muitos a decisão por um papa norte-americano. Pela primeira vez, os Estados Unidos contam um com cardeal que chegou ao topo do Vaticano. Não é de estranhar que Trump tenha saudado o Leão XIV. Não há por que temer seu palavreado de acolhimento aos imigrantes. Nenhuma religião pode contestar consequentemente a dominação imperialista e levantar uma barreira social contra a escalada militar em curso.

O genocídio do povo palestino, os bombardeios no Líbano e na Síria, os ataques ao Irã e ao Iêmen, a guerra na Ucrânia, a retomada do conflito entre a Índia e o Paquistão e as guerras civis na África não são confrontações isoladas uma das outras, apesar de suas particularidades. Têm como antecedentes uma sequência de guerras locais e regionais que se manifestaram após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Nunca houve um período de paz desde a Primeira Guerra Mundial. E não haverá no capitalismo da época imperialista. A ideia de que a “Igreja não tem armas, nem capital”, podendo portanto ser um instrumento de pacificação e concórdia falsifica sua história passada e acoberta a história presente de sua subordinação ao ditames das potências. Não tem a menor transcendência, nesse sentido, se o papa é um cardeal dos Estados Unidos, da África ou da Ásia. A política do Vaticano seguirá a escalada bélica em ascensão. É o que se passou tanto na Primeira quanto na Segunda Guerras Mundiais.

Os Estados Unidos, depois de testarem a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, abriram o caminho para uma possível guerra nuclear, destinaram portentosos recursos para a indústria militar e expandiram o mercado bélico. Basta ver os sinais de perigo do conflito entre a Índia e o Paquistão, ambos portadores da bomba atômica e grandes importadores de possantes armas. Tanto os Estados Unidos, União Europeia e Inglaterra passaram a se utilizar da guerra na Ucrânia como justificativa para aumentar as dívidas dos Estados nacionais em função do objetivo de potenciar ainda mais os gastos militares. Dívidas que recairão sobre os explorados. A Rússia e a China seguem o mesmo curso. O Japão e Coreia do Sul vêm sendo estimulados pelos Estados Unidos a entrarem com força na corrida armamentista.

A guerra comercial decretada por Trump alimenta em suas entranhas as tendências bélicas. As dificuldades dos Estados Unidos de imporem uma “paz” por cima da Ucrânia e da Rússia refletem os choques de interesses capitalistas que estão base da guerra. O incentivo de Trump para que o Estado sionista de Israel chegue à anexação da Faixa de Gaza igualmente reflete tais interesses. O mesmo se passa com as demais confrontações. São guerras cujo conteúdo econômico e de classe expõe a decomposição do capitalismo. Eis por que não se tratam de guerras revolucionárias pelo fim do capitalismo e construção do socialismo. Para transformá-las em guerras de libertação nacional e social, o proletariado tem de encarnar o combate ao imperialismo com o programa da revolução social.

No dia 8 de maio, Merz comemorou os 80 anos do fim da Segunda Guerra. No dia 9, Putin realizou sua comemoração do “Dia da Vitória”. Fez uma demonstração de poderio militar da Rússia. A forma mais contida da comemoração da Alemanha, no entanto, escondeu a retomada do impulso militar na Europa e o lugar dos Estados Unidos em alimentar a escalada bélica.

Olhando para o passado não distante, nota-se que a restauração capitalista, que levou à liquidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), não superou o período da “Guerra Fria” no sentido do desarmamento como prometia o imperialismo. A OTAN não só foi mantida como potenciada para um possível confronto com a Rússia e a China. A abertura da China ao capital imperialista e o processo avançado de restauração capitalista, por sua vez, deu lugar a mais ampla e profunda guerra comercial.

Ocorre que as forças produtivas altamente desenvolvidas voltaram a se chocar frontalmente com a relações capitalistas de produção e os Estados nacionais. A Primeira e a Segunda Guerras destruíram maciçamente parte das forças produtivas, que foram posteriormente reconstituídas sobre a base de tecnologias mais avançadas. A partilha do mundo resultante da Segunda Guerra possibilitou que os Estados Unidos chefiassem um novo momento da dominação imperialista. A Primeira Guerra iniciou uma nova e última etapa do capitalismo, que é o da fase imperialista. Em seu final, já estava prevista a possibilidade da Segunda Guerra. Hoje, influentes autoridades reconhecem os perigos de uma Terceira Guerra.

A classe operária e os demais trabalhadores – enfim, a humanidade – estão diante de um curso de conflitos múltiplos que apresentam um horizonte catastrófico. Não há outra classe senão o proletariado capaz de combater as forças imperialistas que se movimentam munidas do armamentismo. Isso por que encarna o programa da revolução socialista e os métodos da luta de classes.

Não pode haver dúvida de que a religião é apenas uma das travas ao desenvolvimento da luta de classes em direção à revolução mundial. Não há como enfrentar os poderosos obstáculos que impedem o proletariado a se colocar à frente dos explorados e das nações oprimidas a não ser pela organização da luta de classes dirigida pelo partido da revolução socialista. É com essa compreensão e com o trabalho sistemático que a vanguarda com consciência de classe ajudará o proletariado a superar a profunda crise de direção.