-
23 maio 2025
Editorial do jornal Massas nº 740
A crise de direção emerge como principal fator da crise mundial
Cresce a responsabilidade da vanguarda com consciência de classe diante da tarefa de reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista
As forças burguesas em choque no terreno das disputas internacionais pelo mercado, pelo controle das fontes de matérias-primas, pelo domínio da tecnologia e pela busca de posições na escalada militar se movimentam por cima dos povos e com imensa facilidade. Essa liberdade reflete a profunda crise de direção do proletariado mundial.
Destacam-se o nacionalismo imperialista impulsionado desde os Estados Unidos e a decisão da União Europeia em se rearmar sob a justificativa de conter o expansionismo da Rússia. O que traz implícita a preparação para uma guerra no velho continente.
O recente acordo entre a União Europeia e o Reino Unido não se limita à procura de reanimar o estagnado mercado europeu, atingido pelas barreiras do Brexit. É certo que o Reino Unido se encontra em uma situação difícil, agravada com a guerra comercial e premido pelo horizonte de descenso da economia mundial. Desde o Brexit, adotado há cinco anos, os países do Reino Unido, manejados pela Inglaterra, se ressentiram da queda tanto das exportações quanto das importações. Tornou-se mais claro para os britânicos que não podem continuar servindo na Europa de instrumento da política norte-americana. A virada brusca de Trump levou o governo trabalhista a reatar relações com a União Europeia, rompendo a rigidez original do Brexit.
A incorporação da Europa às medidas tarifárias por si só estremeceram a boa vizinhança com os Estados Unidos, cultivada pelo governo Biden. Mas, foi a mudança diante da guerra na Ucrânia que abalou os vínculos estabelecidos após a Segunda Guerra. As negociações de uma “paz” nos termos de Trump não incluíram os europeus. Os Estados Unidos não querem pôr fim à OTAN. Apenas exigem que os Estados europeus elevem suas contribuições, que o governo republicano calcula em 5% do PIB.
O plano de Trump não inclui a prorrogação da guerra na Ucrânia. Os sinais de vitória da Rússia são evidentes. Ocorre que a União Europeia também investiu bilhões de euros para sustentar a oligarquia ucraniana e o governo Zelensky. Não só os Estados Unidos têm o “direito” de tirar vantagens de uma “paz” que implicará uma divisão da Ucrânia. De forma que o esgotamento do Brexit reflete a situação geral das relações da União Europeia com os Estados Unidos.
O Reino Unido está muito envolvido com o rearmamento europeu. Em meio ao novo acordo comercial, se estabeleceu a “cooperação em defesa dos dois lados do Canal da Mancha”. O primeiro-ministro, Keir Starmer, assinalou a importância de o Reino Unido ter acesso ao fundo de defesa da União Europeia. Bilhões de euros permitirão movimentar a sua indústria bélica. O fato de a Alemanha, por sua vez, decidir aumentar sua dívida pública para, em parte, acionar o armamentismo reforça a visão do imperialismo europeu de que está ocorrendo uma séria mudança entre as forças burguesas que ditaram a ordem mundial de Ialta e Potsdam.
A guerra na Ucrânia, que perdura por mais de três anos, foi gestada nas entranhas da crise mundial, que se projetou a partir dos anos de 1970 e 1980. A quebra econômica iniciada nos Estados Unidos em 2008, seguida da recessão mundial no ano seguinte, tornou visível a ponta do iceberg do choque entre as forças produtivas e os Estados nacionais.
A China – que conservava a possibilidade de movimentar suas forças produtivas, potenciadas pela Revolução de 1949, mas limitadas pelo retrocesso do movimento revolucionário e encarceradas pelo cerco internacional dos Estados Unidos, Europa e Japão – rompeu a camisa de força do atraso e se ergueu como a segunda potencia econômica, mas alavancada pelo processo de restauração capitalista. Esse fenômeno se processou nas condições gerais de esgotamento histórico do capitalismo. Em outras palavras, nas condições de travas à projeção das forças produtivas mundiais. A derrocada da URSS se encarregou de favorecer o curso das “reformas” pró-capitalistas na China, apoiado nos Estados imperialistas e nos seus monopólios. Esse percurso se mostra debilitado pelos limites dos Estados nacionais e pela reação dos Estados Unidos.
A guerra comercial e a escalada militar ganham maior dimensão com sua generalização internacional. No continente europeu, a guerra na Ucrânia, independentemente do desfecho pretendido por Trump, pôs às claras as antigas fraturas que levaram a duas guerras mundiais.
É expressivo o esforço da Polônia em se armar, desconfiada quanto à proteção do imperialismo norte-americano, que a tornou em um território militarizado, desde que a restauração se impôs no Leste Europeu, e voltado contra a Rússia. A França decadente procura tomar a frente do rearmamento europeu, contando com uma indústria militar mais bem estruturada e possuidora de arsenal atômico.
No Oriente Médio, Israel intensificou os bombardeios e impulsionou o avanço de tropas, matando em poucos dias milhares de palestinos. Trump e Netanyahu agem no sentido de anexar a Faixa de Gaza e expulsar em massa os seus habitantes. Os Estados árabes não só deixaram o povo palestino à mercê da burguesia sionista como mantêm a posição de coniventes. As massas oprimidas carecem dos partidos revolucionários, sem o qual se acham presas ao nacionalismo decadente. O palavreado sobre um Estado palestino caiu em total descrédito
Tropas israelenses fatiaram o território de Gaza, cortando-o por meio de corredores. Esperam liquidar o Hamas e ditar as condições norte-americanas da ocupação sionista. A matança e destruição chegaram ao ponto de obrigarem a União Europeia e o Reino Unido a condenarem Israel, mas sem tocarem nos Estados Unidos.
Em uma situação catastrófica como essa, o presidente da Síria, Ahmed al-Sharaa, ex-insurgente e dirigente de uma fração ligada a Al Qaed, foi à Casa Branca beijar o sapato de Trump e pedir que remova as sanções econômicas lançadas contra o ex-governo de Bashar al-Assad. Trump mostrou a força dos Estados Unidos no Oriente Médio indo ao encontro da Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes para acertar acordos bilionários e expressar seu objetivo de anexar a Faixa de Gaza.
De conjunto, esses acontecimentos dão a dimensão até onde chegou e pode chegar a barbárie social resultante do capitalismo em decomposição e do choque entre Estados alavancado pelos Estados Unidos. É nessas condições que se manifesta a crise de direção.
A luta de classes tem sido bloqueada ou desviada pelas direções adaptadas ao capitalismo e serviçais da democracia burguesa – diga-se, apodrecida. Haja vista o esvaziamento do movimento de massa que se ergueu em defesa do povo palestino, da passividade diante da guerra na Ucrânia e da guerra comercial e da impotência frente à escalada militar. Os instintos de revolta da classe operária têm sido amortecidos décadas a fio pelas traições, pelas derrotas das lutas, pelos retrocessos nas conquistas e pela degeneração das organizações sindicais e políticas vinculadas aos explorados.
É dever classista e revolucionário compreender o difícil presente histórico, que tem um passado a ser assimilado e respondido com as armas do programa da revolução proletária e da organização independente dos explorados, para erguer um muro de contenção às guerras e à escalada militar. O proletariado é força social oposta à bárbara burguesia e, por isso, capaz de encarnar as transformações que levarão à sociedade sem classes, o comunismo.
A história da luta de classes carrega conquistas indestrutíveis como o socialismo científico, o programa da revolução social, as formas de organização coletiva e os métodos de combate à dominação capitalista. Uma das conquistas fundamentais do proletariado é a capacidade de organizar-se como classe revolucionária. A construção do Partido Mundial da Revolução Socialista continua sendo o fator fundamental na luta de classes. A última experiência foi consubstanciada na IV Internacional, como continuidade da III Internacional dos Primeiros Quatro Congressos. O seu programa e o da IV Internacional constituem a sólida base para reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista. A luta contra a decomposição e a barbárie capitalista que assombram os povos em todas as latitudes se realiza fortalecendo e construindo os partidos marxista-leninista-trotskistas.